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ÍNDIOS GUARANI ÑADEVA
CONQUISTAM TERRITÓRIO APÓS
80 ANOS
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Julho de 2005
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06/07/2005 - Portaria
do Ministério da Justiça, publicada
na segunda-feira 4 de junho, amplia Terra Indígena
Porto Lindo - agora Yvy-Katu - em mais 7.8 mil hectares,
no Mato Grosso do Sul, estado que tem se marcado
pelos conflitos entre povos indígenas e fazendeiros,
como o que resultou na morte há duas semanas
de um índio Guarani Kaiowá.
Depois da tragédia, uma boa notícia.
Duas semanas após o assassinato do Guarani
Kaiowá Dorival Benites na fazenda Sombrerito,
a 515 quilômetros de Campo Grande, no estado
do Mato Grosso do Sul – onde mais de 200 índios
lutam contra fazendeiros e capangas pelo reconhecimento
de seu território –, cerca de 3 mil índios
Guarani Ñadeva conseguiram o reconhecimento
oficial de uma área pela qual lutavam há
80 anos, no mesmo Mato Grosso do Sul. Os Kaiowá
e os Ñadeva são sub-grupos do povo
Guarani que têm enfrentado problemas parecidos
na busca pelo reconhecimento e regularização
de seus territórios.
A boa notícia
para os 3 mil Ñandeva veio por meio de uma
portaria publicada pelo Ministério da Justiça,
no último dia 4, que reconhece a posse dos
índios Guarani Ñadeva de aproximadamente
9,5 mil hectares, no município de Japorã
(MS), a 464 km de Campo Grande, na região
de fronteira com o Paraguai. A Terra Indígena
(TI) Yvy-Katu é, na realidade, a área
reivindicada há muito tempo pelos Guarani
Ñadeva para ampliação da TI
Porto Lindo, regularizada na década de 1920,
com 1,7 mil hectares e onde vivem cerca de 3 mil
indivíduos. A Yvy-katu somou 7,8 mil hectares
ao território de Porto Lindo, que foi englobado
pela nova TI. A decisão de renomear a área
abrangida pelas duas TIs de Yvy-katu (“terra boa”)
partiu dos próprios índios.
Veja aqui
os novos limites da TI Yvy-Katu
A proposta de definição
dos limites dessa terra em 9,5 mil ha consta do
processo da Fundação Nacional do Índio
(Funai) BSB/0807 de 1982, apesar dos estudos de
delimitação da área só
terem sido aprovados pelo presidente da Funai, Mércio
Gomes, em despacho de fevereiro de 2004. A demora
no reconhecimento do território como de posse
permanente dos Guarani Ñadeva, entretanto,
provocou tensão na região pois invasores
vinham reclamando o direito à propriedade
da área.
“A portaria foi providencial
para evitar novos confrontos com os fazendeiros”,
avalia o antropólogo Rubem Thomaz de Almeida,
que colaborou com Fábio Mura, também
antropólogo, no processo técnico da
Funai de identificação da TI. Almeida
se refere ao fato de que, no final de 2003, 14 propriedades
da região foram ocupadas pelos índios
para pressionar a regularização da
TI Yvy-katu. Após as negociações,
ficou acordado que os índios poderiam permanecer
em apenas 500 ha da área reivindicada durante
o processo. Os índios recuaram e cumpriram
o acordo mas, frente à demora, estavam na
iminência de ocupar novamente todo o território,
o que agravaria ainda mais a situação.
“Além disso, o reconhecimento dessas terras
é mais um passo importante e positivo na
luta dos índios do Mato Grosso do Sul”, avalia
o antropólogo. Ele diz que em 1978 só
havia oito reservas indígenas completamente
regularizadas no estado. “Hoje, já são
28, ou seja, 20 terras nesses últimos 23
anos.”
Guaranis
no Mato Grosso do Sul: uma história de injustiça
Oito áreas
foram demarcadas para os Kaiowá e Ñandeva
do atual Mato Grosso do Sul pelo Serviço
de Proteção ao Índio (SPI),
órgão antecessor à Funai, entre
1915 e 1928. Apesar de já diminutas - com
3,6 hectares cada - já no ato de demarcação
sofreriam reduções, algumas drásticas,
em função de arranjos entre agentes
de governo e interesses regionais. A área
Guarani-Ñandeva do PI Pirajuy, por exemplo,
perdeu 1.6 mil hectares entre sua definição
e demarcação. Sua localização
foi definida por funcionário do SPI em 1927,
mas que escolheu uma outra área, duas ou
três léguas de Pirajuy, para abrigar
“temporariamente” os mais de 500 Guarani sem residência
ou não aldeados. A comunidade Ñandeva
deste lugar, autodenominada Potrero Guasu, ali permaneceu
até os anos 1960; foram então impingidas
a se “aldearem” no PI Pirajuy e só retomaram
aquelas terras em 1998.
Assim, desde meados
da década de 1920, se processa uma contínua
desapropriação de terras Guarani no
Mato Grosso do Sul. Nas décadas seguintes,
e até poucos anos atrás, a existência
dos Guarani se “materializava” apenas quando matas
eram derrubadas para implantação de
empresas agropecuárias. Ao serem confinados
aos espaços estabelecidos pelo Estado, inúmeros
grupos macro familiares encamparam esforços
para permanecerem nas áreas de florestas
– não raro nos fundos de fazendas que toleram
sua presença. O desmatamento ocorrido ao
longo dos anos 70, entretanto, levou estes grupos
indígenas a se deslocarem continuamente,
fugindo de áreas ecologicamente descaracterizadas
e da hostilidade do homem branco. No começo
da década de 1980, já com exíguas
matas onde pudessem manter-se isolados, não
foi mais possível para os Guarani evitar
conflitos diretos os fazendeiros que queriam expulsá-los
para as áreas de Postos Indígenas,
o que levou os sub-grupos Ñandeva e Kaiowá
a se organizarem e reivindicar espaços territoriais
perdidos. A conquista e o reconhecimento de cada
hectare de terra são, diante de uma história
de injustiça, amplamente comemorados pelo
povo Guarani.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Lívia Chede Almendary)