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PROJETO QUE AUTORIZA IMPLANTAÇÃO
DE USINA DE BELO MONTE (PA) É APROVADO
PELA CÂMARA
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Julho de 2005
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13/07/2005 - Comunidades
locais afetadas não foram ouvidas, conforme
determina Constituição Federal. Projeto
pode significar, na prática, a concretização
da obra. Movimento contra a usina será retomado.
O plenário da Câmara dos Deputados
aprovou, no último dia 6 de julho, o Projeto
de Decreto Legislativo (PDC) nº 1.785/05, que
autoriza a implantação da Usina Hidrelétrica
(UHE) de Belo Monte, na chamada Volta Grande do
rio Xingu, na altura dos municípios de Altamira
e Anapu, no Pará. O projeto segue agora para
apreciação do Senado. A obra, uma
das mais polêmicas já projetadas no
País, pode afetar diretamente a vida de nove
povos indígenas que vivem na região
e vem suscitando mobilizações e intensos
protestos do movimento social da Amazônia
nos últimos dezessete anos (veja o especial
A Polêmica de Belo Monte).
Desde o final dos
anos 1970, sucessivos governos tentaram implantar
a UHE, originalmente denominada Kararaô. Em
2001, o Supremo Tribunal Federal (STF) paralisou
a elaboração do Estudo de Impacto
Ambiental (EIA) sobre o projeto atendendo um pedido
do Ministério Público Federal (MPF),
que então argumentava a inexistência
de autorização do Congresso Nacional
para o empreendimento. O governo Lula assumiu seu
mandato com a promessa de rediscutir e reavaliar
a implementação da usina.
A resistência
das populações locais à obra
mantém-se firme mesmo com as várias
alterações incluídas nos planos
originais: o reservatório da usina passou
de 1.225 para 400 quilômetros quadrados e
a estimativa de energia que poderá ser produzida,
segundo o governo, passou de 11 mil para 5 mil megawatts.
Além dos povos indígenas da região,
a Fundação Viver, Produzir e Preservar
(FVPP), o Movimento pelo Desenvolvimento da Transamazônica
e Xingu (MDTX), o Grupo de Trabalho Amazônico
(GTA), a Federação dos Trabalhadores
na Agricultura (Fetagri/Regional) e o Conselho Indigenista
Missionário (Cimi), entre várias outras
organizações, são contrários
à construção. A principal reclamação
desses setores é de que nunca foram ouvidos
em relação ao problema durante todo
este tempo. A Constituição Federal
afirma que o aproveitamento dos recursos hídricos
em Terras Indígenas só pode ser efetivado
com “autorização do Congresso Nacional,
ouvidas as comunidades afetadas”.
Comunidades
querem ser ouvidas
“Os governos anteriores
sempre quiseram enfiar o projeto goela abaixo. As
comunidades nunca foram ouvidas ou foram ouvidas
de forma tendenciosa. Isso continua do mesmo jeito”,
critica Antônia Melo da Silva, coordenadora
regional do GTA. Ela conta que muitas das empresas
interessadas no empreendimento já estão
divulgando que ele foi autorizado. “O que sempre
reivindicamos é a elaboração
de um estudo para o desenvolvimento econômico
sustentável de toda a Bacia do Xingu, que
apontasse alternativas como a pesca e o turismo
ecológico.” Antônia diz que o grande
movimento que lutou contra Belo Monte durante os
anos 11000 irá retomar suas ações
a partir de agora. De 13 a 15 de julho, em Altamira,
um seminário com a presença de vários
especialistas irá discutir com a comunidade
todas as implicações da construção
da usina. No dia 14, também será lançado
o livro Tenotã-Mõ, Alertas sobre as
consequências dos projetos hidrelétricos
no Rio Xingu, que tem a participação
do ISA (confira serviço abaixo).
“Os estudos não
foram concluídos. Então como o Congresso
pode autorizar alguma coisa que não conhece?
Além disso, a Constituição
deixa claro que as comunidades afetadas devem ser
ouvidas antes da autorização”, defende
o advogado do ISA Raul Silva Telles do Valle. Ele
lembra ainda que a Convenção 169 da
Organização Internacional do Trabalho
(OIT), ratificada pelo Brasil, também fala
em “anuência prévia” das comunidades
interessadas sobre projetos semelhantes. “Esta autorização
é ilegal e inconstitucional.”
O deputado Fernando
Ferro (PT-PE), autor do PDC 1.785/05, acredita que
ele se refere apenas à permissão para
o reinício e a revalidação
de estudos preliminares e que as comunidades locais
serão consultadas a partir de agora. Apesar
disso, o texto aprovado pela Câmara afirma
que “é autorizado o Poder Executivo a implantar
o Aproveitamento Hidrelétrico Belo Monte
(...) após estudos de viabilidade técnica,
econômica, ambiental e outros que julgar necessário.”
Por outro lado, o deputado também não
esconde sua posição favorável
à usina. “No curto prazo, o País só
tem duas alternativas para sua necessidade de energia:
ou aproveitamos o potencial hidrelétrico
da região Norte ou investimos em usinas nucleares.
Em relação a estas últimas
sou contra.” O parlamentar considera que os impactos
ambientais e sociais de Belo Monte podem ser mitigados.
Falso dilema
"Optar entre
a construção de hidrelétricas
ou de usinas nucleares é um falso dilema.
Se não discutirmos seriamente o destino da
energia gerada e quais são os limites socioambientais
para a expansão das usinas, em médio
prazo teremos que aceitar a construção
de hidrelétricas e também de usinas
nucleares”, avalia Raul Silva Telles do Valle. Ele
defende que é preciso rediscutir não
só formas de melhor aproveitamento da energia
elétrica mas, principalmente, a opção
de continuar direcionando 27% de toda a energia
gerada apenas para as indústrias eletrointensivas,
como a de alumínio, de siderurgia e de celulose.
“Só para citar um exemplo, a quantidade de
energia utilizada para produzir alumínio
para exportação, no ano de 2000, seria
suficiente para abastecer mais de 870 mil famílias
durante oito anos. Temos, portanto, que avaliar
se realmente é necessário expandir
dessa forma, a um custo social e ambiental altíssimo,
a geração de energia."
Para o deputado Fernando
Ferro o que existe é um certo preconceito
em relação às hidrelétricas.
“Este tipo de opinião é motivado por
interesses de alguns setores industriais que querem
investir em outras alternativas energéticas,
como as termoelétricas”. O parlamentar insiste
que o PDC apenas pretende regularizar o andamento
de estudos que já têm mais de 20 anos.
“Em sua ação, o MPF deixa claro a
necessidade de autorização do Congresso
Nacional. A partir de agora, essas pesquisas poderão
ser aprofundadas.”
O
passo que faltava
O deputado Zé
Geraldo (PT-PA), que tem sua base eleitoral na região
e conhece os movimentos sociais locais, também
considera que o prosseguimento dos estudos sobre
a usina atende uma expectativa legítima e
que a posição contrária à
obra não é majoritária entra
as organizações da sociedade civil.
“De qualquer forma, as cidades da região
precisam saber se vai haver ou não hidrelétrica.
Depois dos estudos podemos sentar e discutir melhor
com todos os interessados.” Apesar de repetir que
o PDC 1.785/05 apenas autoriza pesquisas preliminares,
Zé Geraldo também não esconde
sua opinião sobre a usina: “Existe em todo
o País medo de hidrelétrica. Isso
ocorre pela maneira autoritária com que elas
sempre foram feitas. Agora é diferente. Quanto
à posição contrária
de alguns setores, temos de discutir se ela é
a mais correta.”
Zé Geraldo
nega ainda que o governo esteja impedindo qualquer
tipo de discussão sobre o problema. Questionado
sobre a necessidade de o Congresso ouvir as populações
atingidas, o deputado também acha que o momento
propício ocorrerá a partir de agora.
“O governo Lula já está indo para
o segundo semestre de seu terceiro ano. Se tivermos
de ouvir as comunidades antes disso... Acho que
tem de ser assim, mesmo porque não há
questionamento sobre a legalidade dos estudos em
si.” O parlamentar não deixa dúvida
sobre a intenção da administração
Lula em relação à obra: “O
governo tem toda a vontade de começar a construção
da usina”.
Em virtude da pressão
exercida por vários setores econômicos
e da disposição da administração
Lula em levar adiante empreendimentos desse tipo,
a aprovação definitiva do PDC pelo
Senado poderá ser considerado, na prática,
o passo que faltava para o início efetivo
da obra. A ascensão da antiga ministra de
Minas e Energia, Dilma Rousseff, ao cargo de chefe
da Casa Civil da Presidência da República
acrescenta mais um componente a uma conjuntura já
favorável à construção
de novas hidrelétricas no País. A
pretensão do governo federal em implantar
projetos semelhantes (sem discutí-los com
a sociedade e apesar dos protestos de vários
segmentos organizados) pode ser exemplificada também
pela concessão da Licença de Operação,
no último dia 5 de julho, à usina
de Barra Grande, na divisa de Santa Catarina com
o Rio Grande do Sul. A obra foi feita com base em
um EIA reconhecidamente fraudulento e é apontada
como o maior escândalo ambiental dos últimos
anos (confira).
Um dos vários
pontos polêmicos sobre Belo Monte continua
dizendo respeito ao real potencial energético
da usina – mesmo depois da redução
da estimativa originalmente prevista. Por simulações
feitas para o período de 1931 a 1996, a usina
só seria capaz de garantir uma potência
de 1.356 MW ao longo do ano, com picos de 5 mil
MW durante apenas três meses, aponta o professor
Oswaldo Sevá, da Unicamp, em artigo do livro
Tenotã-Mõ. Isto é, a potência
máxima de 5 mil MW apregoada pelo governo
só seria possível durante uma pequena
parte do ano.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Oswaldo Braga de Souza)