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INVASÕES GARIMPEIRAS
VOLTAM A AMEAÇAR POVO YANOMAMI
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Julho de 2005
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20/07/2005 - Intrusos
fornecem armas de fogo para grupos indígenas
rivais, o que aumenta o número de mortes
nos conflitos entre aldeias da Terra Indígena
Yanomami, localizada nos estados de Roraima e Amazonas.
A presença de garimpeiros faz crescer também
o risco de epidemias de malária e outras
doenças.
A Campanha Nacional
de Desarmamento recolheu, desde agosto de 2004,
mais de 393 mil armas em todo o País. Na
contramão deste movimento, garimpeiros estão
invadindo a Terra Indígena Yanomami, que
abrange parte dos estados de Roraima e do Amazonas,
e fornecendo espingardas e munição
para os índios como salvo-conduto para permanecer
na região em busca de minérios como
ouro, cassiterita, urânio e nióbio.
O contato com os invasores também faz com
que os Yanomami contraiam malária, gripe
e doenças sexualmente transmissíveis.
A atividade garimpeira compromete ainda a qualidade
dos rios que abastecem as comunidades indígenas.
Em carta de 30 de junho, o Conselho do Distrito
Sanitário Especial Indígena (DSEI)
Yanomami e Ye`kuana relata estes problemas e afirma
que a invasão do território Yanomami
está fora de controle.
A carta do Conselho
é destinada ao ministro da Justiça,
Márcio Thomaz Bastos, à ministra do
Meio Ambiente, Marina Silva, aos presidentes da
Fundação Nacional do Índio
(Funai) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
e Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O
Ministério Público Federal também
recebeu uma cópia do documento. A carta,
assinada por 14 lideranças indígenas
e outros membros do Conselho, lista cinco pistas
clandestinas no território indígena,
demarcado e homologado há 13 anos. Outros
oito pontos de garimpo estão identificados.
“Não é difícil prever que estamos
a caminho de uma situação de caos
social e sanitário, como a vivida pelos Yanomami
no final dos anos 1980 e início dos anos
11000, quando, pelo menos, um quinto da população
Yanomami morreu devido às doenças
introduzidas pelos garimpeiros”, afirma o texto
do Conselho do DSEI. Leia aqui a carta na íntegra.
Davi Kopenawa, uma
das mais importantes lideranças Yanomami,
afirma que as ações dos órgãos
do governo federal não estão sendo
suficientes para expulsar os garimpeiros, nem ao
menos para intimidá-los. “Eles estão
tão à vontade na região que
chegam a pedir carona nos aviões da Fundação
Nacional de Saúde para buscar mantimentos
nas cidades e utilizam os rádios dos postos
da Funai para pedir novas cargas de munição”.
Procurada pela reportagem do ISA, a assessoria de
imprensa da Funai admite que a invasão da
TI está deflagrada e que a principal medida
proposta pelo órgão para combatê-la
é regulamentar o poder de polícia
de seus funcionários.
Espiral de
violência
Uma das mais graves
conseqüências da invasão garimpeira
é o constante armamento dos Yanomami, o que
nos últimos anos tem resultado no aumento
da letalidade dos conflitos entre as comunidades
indígenas. Hoje os ferimentos por arma de
fogo estão entre as principais causas de
mortalidade entre os Yanomami, muito acima da malária,
por exemplo. Em relatório do ano passado,
intitulado Armas de fogo, violência e assistência
à saúde entre os Yanomami, os antropólogos
Moisés Ramalho e Marcos Pelegrini, consultores
da Funasa, afirmam que “as armas de fogo fazem com
que os conflitos entre as aldeias tornem-se cada
vez mais sangrentos, produzindo muito mais vítimas
do que no passado, o que, por sua vez, prolonga
as hostilidades, já que cada morte é
vingada; o ciclo então se perpetua ao mesmo
tempo em que se amplia quando outras aldeias acabam
sendo envolvidas no conflito”.
Os conflitos intercomunitários
são parte integrante do universo sociocultural
dos Yanomami, caracterizando-se por um conjunto
de regras e um universo ritual que condicionam a
prática de ações violentas.
O antropólogo Rogério Duarte do Pateo,
do ISA, explica que os enfrentamentos, marcados
quase exclusivamente por emboscadas nas áreas
de roça ou no entorno das aldeias, se inserem
em um complexo sistema de relações
intercomunitárias que se articula a uma extensa
rede de aliança e inimizade entre os grupos.
“As relações de antagonismo podem
ser deflagradas por motivos banais e cotidianos”,
diz Rogério. “E são fruto da degeneração
progressiva das relações de aliança
e amizade entre dois ou mais grupos durante um determinado
período de tempo, articulando ataques efetivos,
feitiçaria guerreira e xamanismo agressivo”.
Balas no
lugar de flechas
O problema é
que as armas de fogo, ao contrário das flechas,
bordunas e zarabatanas, causam ferimentos muito
mais fatais e aumentam o número de mortos.
Com isso, potencializam os ciclos de vingança
entre os grupos, num espiral de violência
sem precedentes entre os Yanomami. “Antigamente
nossas disputas eram com flecha, agora muitos têm
bala e ficam mais fortes”, diz Davi Kopenawa. Os
consultores da Funasa recomendam a realização
de uma campanha de desarmamento entre os Yanomami,
com a troca de espingardas por ferramentas e outros
utensílios. A resistência dos índios,
porém, é grande. Davi Kopenawa conta
que as armas são objetos muito valorizados
e não utilizadas para caça. “Servem
apenas para matar os parentes”, relata. “Eu já
tentei duas vezes recuperar armas mas é difícil
dos índios se desfazerem delas”. Ao tentar
desarmar as aldeias da região do Surucucu,
Davi recuperou 3 espingardas. “Mas sei que enquanto
não tirarem os garimpeiros de lá outras
armas vão chegar”.
No relatório
sobre a escalada bélica na Terra Indígena,
Ramalho e Pellegrini relatam que, entre 1995 e 2003,
o DSEI Yanomami registrou a morte de 47 índios
por arma de fogo, e a de 17 por meio de pauladas,
flechadas ou zarabatana. Outros 15 homicídios
não tiveram a causa esclarecida. “Vale a
pena lembrar que, apesar de impressionantes, esses
números registram apenas as mortes, mas a
quantidade de feridos, principalmente à bala
nos conflitos, é também igualmente
significativa”, escrevem os consultores. Eles destacam
ainda que entre janeiro de 2000 e dezembro de 2003,
25 das 42 mortes violentas foram provocadas por
armas de fogo.
Saúde
na mira
O acirramento dos
conflitos armados entre as comunidades indígenas
atinge também os funcionários da saúde
que atuam na TI. Um dos episódios mais traumáticos
relacionados ao uso das armas fornecidas pelos garimpeiros
aos Yanomami ocorreu em 11 de dezembro de 2003,
quando o auxiliar de enfermagem Orisvam Araújo
da Silva, da ONG Urihi – Saúde Yanomami,
que prestava serviço na região, foi
morto com um tiro nas costas enquanto se banhava
em um rio nas proximidades da aldeia Kahusiki. Silva
teria sido confundido com um Yanomami por membros
de uma aldeia inimiga, que estavam de tocaia na
área com a intenção de matar
um rival. Entre 2001 e 2003, outros seis casos de
ataques de Yanomami na presença de agentes
de saúde ou educadores foram registrados.
Estes episódios,
o recrudescimento das invasões garimpeiras
e dos conflitos entre as comunidades indígenas
prejudicam diretamente o atendimento à saúde
na TI. O assessor técnico do Departamento
de Saúde Indígena da Funasa em Brasília,
Edgar Dias Magalhães, afirma que muitos garimpeiros
incitam os Yanomami contra os agentes de saúde.
“Nossa preocupação maior é
com a segurança das equipes de saúde
e a ação de cooptação
dos índios por parte dos garimpeiros, que
em algumas situações já chegaram
a vetar, a pedido dos garimpeiros, o acesso das
equipes de saúde a certas regiões”,
afirma. O assessor, que estima em 3 mil o número
atual de garimpeiros na TI, diz que o fornecimento
de bebidas alcoólicas para os índios
também compromete o desenvolvimento de trabalhos
de saúde na região.
Risco de
malária
Edgar Magalhães
garante que a Funasa está atenta à
deterioração sanitária relacionada
ao garimpo, mas que por enquanto não há
indícios que demandem ações
emergenciais. “A malária encontra-se controlada
na TI, havendo vigilância epidemiológica
dos casos e ações de controle. Estamos
levantando junto ao DSEI uma tabela atualizada dos
dados de malária para checagem da situação”,
afirma. O assessor técnico lembra ainda que
o garimpo traz o risco da volta da doença
em nível endêmico e epidêmico,
pois os garimpeiros não se tratam adequadamente.
“Eles funcionam como reservatórios de malária”.
Isso porque, ao picar um indívíduo
doente, o mosquito vetor da malária se contamina
e, ao picar outros indíviduos posteriormente,
lhes transmite o parasita causador da doença.
Outros problemas
decorrentes da presença dos intrusos na TI,
segundo o técnico da Funasa, é a poluição
dos rios, que provoca o aumento de casos de diarréia
entre os índios, e a escassez de caça,
que some das beiras de rios assustada com o barulho
das máquinas de garimpo. O missionário
Carlo Zacquini, da Diocese de Roraima, trabalha
com os Yanomami desde 1975 e afirma que as doenças
levadas às comunidades pelo contato dos índios
com os garimpeiros podem causar novos surtos da
doença. “Foram muitos anos para a malária
ser controlada na região e todo este trabalho
está sendo jogado no lixo”, alerta Zacquini.
O missionário denuncia a falta de atuação
dos órgãos responsáveis pela
fiscalização do território
indígena.
O fantasma
de Haximu
Cerca de 15 mil Yanomami
vivem no território de 9.6 milhões
de hectares organizados em aproximadamente 200 comunidades.
A presença de garimpeiros e o interesse minerário
na Terra Indígena Yanomami não são
novos. De acordo com a publicação
Mineração em Terras Indígenas
na Amazônia Brasileira, lançada pelo
ISA este ano, há 640 requerimentos de empresas
para pesquisa e lavra dentro da TI – a grande maioria
deles feita antes da Constituição
Federal de 1988. Tampouco são novas as trágicas
conseqüências da presença dos
garimpeiros. Entre 1987 e 11000, uma invasão
sem precedentes ocorreu na região, quando
cerca de 40 mil homens realizaram uma verdadeira
corrida do ouro no território indígena,
levando à morte um quinto da poulação
Yanomami da época. O episódio mais
conhecido desta trágica história ocorreu
em 1993, quando um bando de garimpeiros chacinou
16 Yanomami, principalmente mulheres e crianças,
no chamado “massacre de Haximu”. Até hoje,
os índios temem sua repetição.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Bruno Weis)