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AÇÃO CIVIL
PÚBLICA É AVALIADA AO COMPLETAR
20 ANOS
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Julho de 2005
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27/07/2005 - Pesquisa
do Instituto Socioambiental em parceria com o Ministério
da Justiça e a Procuradoria-geral da República
para avaliar a eficácia do instrumento revela
que sua utilização, em 20 anos de
existência, ainda precisa ser aprimorada para
permitir o efetivo acesso da sociedade à
Justiça na defesa de interesses difusos e
coletivos.
Há vinte anos,
no dia 25 de julho de 1985, era promulgada a Lei
Federal nº 7.347, conhecida como Lei da Ação
Civil Pública (LACP). Inaugurava-se assim
uma nova fase na luta em defesa do meio ambiente,
assim como de outros interesses difusos e coletivos.
A nova lei permitia que o Ministério Público
ou associações civis ingressassem
em juízo para defender o meio ambiente.
Para avaliar sua
eficácia ao longo desse tempo, o ISA pesquisou
468 ACPs relativas a temas socioambientais, arquivadas
e em curso, em seis seções judiciárias
da 1ª Região da Justiça Federal
(Distrito Federal, Mato Grosso, Minas Gerais, Bahia,
Pará e Goiás), no Tribunal Regional
Federal da 1ª Região, no Superior Tribunal
de Justiça e no Supremo Tribunal Federal.
Os dados ainda estão sendo analisados, mas
já permitem algumas conclusões interessantes.
Com a LACP, o Judiciário
passou a ter um papel relevante na defesa do meio
ambiente e o Ministério Público ampliou
suas funções, posteriormente concretizadas
e aprofundadas com a Constituição
Federal de 1988. Surgida no bojo da abertura democrática,
a lei inovou ao permitir que associações
civis também pudessem se utilizar dos tribunais,
sem necessidade de pagamento de custas, na luta
pela preservação ambiental. Entretanto,
a expectativa de que a sociedade se apoderasse desse
instrumento, infelizmente, não se concretizou.
De acordo com os
dados preliminares, das 468 ações
civis públicas pesquisadas, sob a coordenação
dos advogados do ISA André Lima e Raul Telles
do Valle, apenas 24 ações (5%) têm
associações civis como autoras. Quem
mais promove ações é, sem dúvida,
o Ministério Público. Em 50% das ações
pesquisadas, a instituição aparece
como autor. O Ministério Público Estadual
responde por 18% delas, seguido por órgãos
da Administração Pública (38%
órgãos federais, 1,5% órgãos
estaduais e 1,75% órgãos municipais).
A ênfase no MPF e na administração
federal deve-se ao fato de a pesquisa ter se debruçado
sobre seis seções judiciárias
da Justiça Federal e no TRF da 1ª Região,
além do STF e do STJ, onde foram encontradas
as ações movidas pelo Ministério
Público Estadual. Em muitos casos, há
ações movidas em litisconsórcio
pelo Ministério Público com órgãos
do executivo (como Ibama e Instituto do Patrimônio
Histórico e Arquitetônico Nacional),
motivo pelo qual não se pode somar os percentuais
acima. (Clique aqui para ler a relação
dos temas que foram objeto de ações,
concessões de liminares, sentenças,
tempo de demora entre a propositura da ação
e da sentença, autores e réus).
Baixo envolvimento
da sociedade civil
Para o advogado André
Lima, existem pelo menos duas grandes razões
que explicam o baixo envolvimento direto das associações
na proposição de ACPs. A primeira
delas é a obrigatoriedade de propor a ação
na comarca do local do dano (artigo 2º da LACP).
Além de arcar com as despesas dos advogados
que estudam e trabalham na formulação
da ação, é quase sempre necessário
ter mais um advogado que atue no local do dano para
acompanhar cotidianamente toda a tramitação
em primeira instância e a movimentação
decorrente. É bom lembrar que as organizações
médias e grandes, que têm maior poder
de articulação e de mobilização
junto aos órgãos que integram o Sistema
Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) e, portanto,
mais condições para mover ações
civis públicas com maior consistência,
possuem sede e atuam nas principais capitais do
País. Além disso, o distanciamento
em relação ao local do dano, em alguns
casos mais graves, é até mesmo necessário
em função das ameaças a que
estão vulneráveis os autores de ações
contra empreendimentos econômicos de grande
porte e de alto interesse político local.
Outro obstáculo
é o custo de perícias técnicas
e dos advogados. Embora a lei preveja que não
deve haver adiantamento de custas e outras despesas,
muitas vezes as ações travam exatamente
porque ninguém arca com os custos das perícias
ou não possui recursos para pagar advogados.
As ACPs movidas por
organizações da sociedade sem fins
lucrativos poderiam ser movidas nas capitais dos
Estados, como acontece com as ações
movidas contra o Poder Público, que pelo
mesmo motivo têm dificuldades de acompanhar
as ações nos locais do dano. Outra
idéia a ser explorada e discutida é
a possibilidade de os fundos judiciários
e fundos de defesa dos interesses difusos dos estados
preverem recursos (reembolsáveis) para o
custeio de perícias judiciais autorizadas
pelo juiz, no caso de danos verossímeis e
urgentes, e mesmo despesas com advogados das associações,
conforme tabela da Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB). Essas despesas seriam reembolsáveis
no caso de procedência da ação.
A inversão do ônus da prova nesses
mesmos casos de danos verossímeis e urgentes
também seria uma medida desejável
a ser aplicada como regra.
Ações
envolvem pessoas físicas e jurídicas
Das ACPs pesquisadas,
58% dizem respeito a réus pessoas físicas.
Entretanto, em muitas das ações que
envolvem pessoas físicas como réus,
os danos são localizados (em um imóvel).
Por exemplo: 146 ACPs, que têm pessoas físicas
como réus, referem-se a danos ao patrimônio
histórico em Minas Gerais, Distrito Federal
e Bahia. Outros 30% das ações têm
empresas privadas como rés e, em 18% delas,
o Poder Público Federal figura no pólo
passivo. Em 72% das que envolvem danos decorrentes
de infra-estrutura, o Poder Público (federal,
estadual e municipal) é o causador. E aqui,
surge uma dúvida que merece ser estudada.
Sabe-se que, muitas vezes, o Poder Público
prefere assinar o Termo de Ajustamento de Conduta
com o Ministério Público do que sofrer
uma ação civil pública. Portanto,
é necessário realizar um levantamento
sobre os termos de ajustamento de conduta vigentes,
que sofrem pouco ou quase nenhum controle social,
para qualificar essa informação. Esses
termos deveriam ser disponibilizados pela internet
à sociedade, com prazo para manifestação
e impugnação a partir da divulgação
pela internet.
A pesquisa do ISA
revela ainda que, em 43% dos casos, o dano apontado
era referente a área ou imóvel tombados
ou com valor histórico, artístico
ou paisagístico (meio ambiente cultural).
A defesa de áreas legalmente protegidas (Unidades
de Conservação, Terras Indígenas,
Reservas Legais e Áreas de Preservação
Permanente) também vem movendo o Judiciário
e é responsável por 22% das ações.
Entre as atividades degradadoras, merecem destaque
as que se referem a queimadas ou desmatamento (12%),
infra-estrutura (11%), mineração (5,7%)
e as que dizem respeito ao uso e ocupação
do solo urbano (7%).
O registro de volume
maior de ACPs sobre o patrimônio histórico
e cultural se explica porque das seis seções
judiciárias federais estudadas, três
são tradicionais jurisdições
onde o tema é preponderante: Belo Horizonte,
Salvador e Brasília. Mas isso reforça
a prioridade temática dada pelo Ministério
Público e pelo Poder Público Federal
nessas regiões. Merece destaque ainda a participação
do Ibama e do Iphan como autores de ACPs. O Poder
Público Federal foi autor em 38% das ações
pesquisadas.
Poder Judiciário
é simpático à causa socioambiental
Uma das constatações
surpreendentes da pesquisa é que, apesar
de existir há 20 anos, poucas ACPs chegaram
ao STF quanto ao seu mérito. Informações
fornecidas pelo próprio tribunal dão
conta de que apenas 23 Recursos Extraordinários
foram julgados ou estão sob análise
no STF. Já no STJ o número é
maior: 91 ações em fase de Recurso
Especial, mas ainda assim pouco expressivo. Isso
pode ser explicado pelo tempo excessivo que os juízes
de primeiro e segundo grau vem levando para julgar
as ações que tem de analisar. Esse
dado ainda carece de outros estudos. Das ACPs com
sentença, consideradas as datas da propositura
e da decisão, 54% tiveram de esperar dois
anos ou mais por uma sentença de primeiro
grau. Há casos de ações que
aguardaram até 10 anos. É o caso de
uma ação promovida em 1992 pelo Ministério
Público Federal em Belém. Tentava
evitar que um imóvel tombado desabasse devido
ao seu mau estado de conservação.
Porém, apesar da aparente urgência,
a ação foi julgada só em 2002,
condenando o réu a fazer uma reforma “imediata”
no imóvel.
Apesar da demora,
o Judiciário vem se mostrando simpático
à causa socioambiental. Em 50% dos casos,
o juiz de primeiro grau deu sentença acolhendo
integralmente o pedido dos autores e, em 17,5%,
acolheu parcialmente o pedido, muitas vezes modificando
apenas o valor da indenização requerida.
Isso significa que, na maioria dos casos, o juiz
de primeiro grau deu uma decisão favorável
ao meio ambiente. O mesmo pode ser dito dos tribunais
de segundo grau (Tribunais de Justiça e Tribunais
Regionais Federais), que confirmaram cerca de 80%
dos casos julgados procedentes em primeira instância.
Ainda de acordo com
os dados levantados pelo ISA, 63% dos casos em que
foram registrados pedidos de medidas liminares ou
antecipação de tutela houve concessão
integral ou parcial ao pedido. O que demonstra que,
em geral, os juízes têm adotado medidas
acautelatórias para assegurar que o bem ambiental
não venha a ser definitivamente perdido no
curso do processo. Para avaliar quantas dessas liminares
foram efetivamente cumpridas seria necessário
fazer uma pesquisa por amostragem.
A fase de coleta
de dados da pesquisa durou um ano e envolveu sete
advogados e sete estagiários pesquisando
pela internet, nas seções judiciárias
e nos tribunais. Agora inicia-se a fase do cruzamento
final das informações para detalhamento
e hierarquização dos dados. A previsão
é que em setembro já se tenha um relatório
final consolidado, com informações
mais detalhadas sobre o funcionamento das Ações
Civis Públicas. O ISA pretende discutir esses
dados com instituições como a Associação
dos Juizes Federais, a Associação
do Ministério Público e Meio Ambiente
e a OAB. O Fundo de Direitos Difusos do Ministério
da Justiça e a 4ª Câmara de Meio
Ambiente da Procuradoria Geral da República
apoiam e são parceiros nesse estudo.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa