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DECISÃO DA JUSTIÇA
FEDERAL PARALISA OBRAS
DE RECUPERAÇÃO DA RODOVIA
BR-169
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Agosto de 2005
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05/08/2005 - Determinação
deve começar a valer a partir da semana que
vem. Estrada pode significar uma nova frente de
desmatamento na Amazônia e pesquisadores temem
fluxo migratório descontrolado. Obra põe
em xeque políticas do governo federal na
região.
A Justiça Federal do Amazonas determinou,
no último dia 28 de julho, a paralisação
da recuperação da rodovia BR-319,
que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO) e foi concluída
no final dos anos 1970, mas ficou sem manutenção
desde esta época. A liminar em ação
cautelar foi pedida pelo Ministério Público
Federal no Amazonas sob argumento de que a obra
não tem Estudo de Impacto Ambiental (EIA-Rima)
nem licenciamento do Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama). A decisão
já foi publicada, mas só deve começar
a valer a partir da semana que vem, quando o Departamento
Nacional de Infra-estrutura de Transportes (DNIT)
e as empresas responsáveis forem notificadas.
O descumprimento da determinação pode
acarretar o pagamento de uma multa diária
de R$ 10 mil pelo órgão subordinado
ao Ministério dos Transportes (MT).
A intenção
de revitalizar a Manaus-Porto Velho coloca em xeque
a capacidade do governo federal de gerenciar políticas
coordenadas para toda a Amazônia. A obra contradiz
uma outra orientação de Brasília:
a de priorizar a pavimentação da rodovia
BR-163 (Cuiabá-Santarém), que já
conta com um plano de gestão ambiental que
consumiu vários meses de debates, consultas
e planejamento. Exatamente como neste caso, pesquisadores
e entidades ambientalistas temem que, sem planejamento
e a antecipação da presença
do Estado na região, o reasfaltamento da
BR-319 possa abrir mais uma frente de ocupação
e desmatamento descontrolados no centro da Amazônia
enquanto as iniciativas governamentais de controle
ambiental patinam e 26 mil quilômetros quadrados
de floresta foram derrubados entre 2003 e 2004,
o segundo maior índice da história.
Desde o ano passado,
apesar da garantia dada pelo Ministério do
Meio Ambiente (MMA) de que a BR-163 receberia a
maior parte da atenção e dos recursos
da administração federal, o ministro
dos Transportes, Alfredo Nascimento (PL), fez várias
declarações apontando a reconstrução
da BR-319 como uma prioridade e uma das principais
alternativas para o desenvolvimento econômico
da Amazônia, sobretudo para o escoamento da
produção da Zona Franca de Manaus
(ZFM). O ministro já foi superintendente
do órgão e também tem sua base
eleitoral na região.
A movimentação
de Nascimento vem produzindo resultados concretos
e torna mais explícitas as contradições
dentro do governo federal. No dia 9 de julho, o
chefe da pasta dos Transportes anunciara a liberação
de R$ 100 milhões para começar os
reparos do trecho da rodovia entre Careiro Castanho
e Humaitá, no Amazonas (o custo para a reforma
completa da estrada está estimado em R$ 300
milhões). Alguns dias depois, os trabalhos
foram iniciados.
A verba disponibilizada
para a Manaus-Porto Velho faz parte de um pacote
de medidas, no valor total de R$ 200 milhões,
para obras de infra-estrutura em todo o Amazonas,
incluindo também reparos na rodovia BR-174
(Manaus-Boa Vista), reformas de portos, dragagem,
sinalização e balizamento de rios,
como o Madeira, por exemplo. A União liberou
também outros R$ 27 milhões para investimentos
em 30 portos de toda a Amazônia. O ministro
também pode anunciar, nas próximas
semanas, investimentos na rodovia Transamazônica
(BR-230).
Enquanto isso, o
asfaltamento da Cuiabá-Santarém deve
receber, este ano, apenas R$ 13,6 milhões,
segundo entrevista concedida por Alfredo Nascimento
ao jornal Amazonas Em Tempo, em março. No
início desta primeira semana de agosto, o
consórcio de várias empresas privadas
que pretendia participar da licitação
para o asfaltamento da BR-163 anunciou a desistência
da empreitada em razão da queda dos preços
da soja e do alto endividamento dos sojicultores
na região Centro-oeste.
A recuperação
da BR-319 passou a ser reivindicação
de entidades empresariais, políticos, governo
amazonense e prefeituras de cidades localizadas
ao longo da estrada. Dessa mobilização
surgiu um “Fórum de Defesa da BR-319” e uma
“Frente Parlamentar de Apoio à BR-319”.
A decisão
da Justiça Federal
A juíza substituta
da 2ª Vara Federal do Amazonas, Marília
Gurgel de Paiva, admite, em sua decisão,
que uma portaria conjunta do MT e do MMA (273/2004)
passou a dispensar o EIA-Rima no caso da recuperação
de rodovias federais. A juíza argumentou,
no entanto, que, neste caso, os responsáveis
pelo projeto deveriam assinar, antes de seu início,
um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério
Público Federal prevendo as medidas necessárias
à diminuição dos impactos ambientais.
Marília Gurgel afirma ainda que a portaria
obriga o MT a fazer o levantamento dos problemas
ambientais nas rodovias do País antes da
realização das obras. Por outro lado,
a juíza aponta que, no caso da BR-319, não
se trata apenas da recuperação, mas
também de construção de alguns
trechos de estrada que ainda não existem.
O MT insiste no argumento
de que a reforma da BR-319 não precisa de
EIA-Rima. “Estamos fazendo uma obra de restauração.
Este ano já disse isso umas 300 mil vezes:
esta estrada já existe e é uma estrada
asfaltada. Com pontes que ruíram e com o
rompimento de alguns bueiros, o tráfego é
interrompido, às vezes, mas o asfalto não
evaporou”, rebate José Roque Marques, assessor
especial do MT para questões ambientais.
Ele garante que, nos últimos anos, o fluxo
de veículos vem sendo intenso, apesar de
cerca de metade dos 800 quilômetros de percurso
estarem em situação precária.
“Se tivéssemos que fazer um EIA-Rima na BR-319
teríamos que fazer em todas as outras estradas
do País que precisam ser recuperadas. Poucas
vezes, uma obra foi tratada com tanta responsabilidade”.
Marques afirma que
os reparos na BR-319 não poderiam esperar
a elaboração de um EIA-Rima, o que,
segundo ele, levaria cerca de cinco anos. O assessor
coordena o Comitê Inter-institucional da BR-319,
formado, entre outros, pelo DNIT, pelo governo do
Amazonas, Ministério Público Estadual,
Tribunal de Justiça do Estado, Universidade
Federal do Amazonas (UFAM), Instituto de Terras
do Amazonas (Iteam), Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária (Incra) e pela organização
Cooperação Técnica Alemã
(GTZ). O MT assinou vários acordos de cooperação
e convênios com as instituições
do grupo para a realização de uma
série de estudos e relatórios com
previsões dos principais impactos socioambientais
e alternativas de ações para mitigá-los.
O comitê está
finalizando o documento denominado “Estratégias
para o combate ao desmatamento e promoção
do desenvolvimento sustentável na região
sul do Amazonas”. Entre outros pontos, o texto lista
propostas como a implantação de centros
integrados para operações conjuntas
dos órgãos ambientais, fundiários,
policiais e judiciais; a criação de
Unidades de Conservação; o funcionamento
de programas de regularização fundiária
e de estímulo à produção
sustentável; a implementação
de um Sistema Georreferenciado de Licenciamento
Ambiental em Atividades Rurais (SGLAR); e a elaboração
de um Zoneamento Ecológico-econômico.
O assessor do Ministério
dos Transpórtes José Roque Marques
diz também que os acordos de cooperação
contemplam a criação de uma Vara e
uma Promotoria especializadas em meio ambiente e
questões fundiárias, em Humaitá,
além do reforço do policiamento ambiental
em toda a região. Marques assegura que o
MT deverá entregar, até outubro, o
diagnóstico socioambiental da área
de influência da BR-319. “Também estamos
concluindo a elaboração do Sistema
Nacional de Gestão de Rodovias Federais,
com o levantamento dos passivos ambientais de mais
de 40 mil quilômetros de estradas federais
e dos principais pontos de vulnerabilidade”, afirma.
Quanto aos recursos
necessários a todas as inciativas previstas
pelo Comitê, ainda não existe uma estimativa
definida. Os governos federal e estadual estariam
“redirecionando mais fortemente ações
do Poder Público que já estão
previstas no orçamento”.
“O MPF sempre deixou
muito claro que entende que a obra da estrada é
muito importante para a população,
o comércio e a indústria locais. Agora,
ela precisa ser feita de forma responsável.
O reconhecimento da importância da construção
não significa que possamos esquecer as regras
ambientais”, argumenta a procuradora Ariane Alencar,
responsável pelo pedido de suspensão
da recuperação da estrada. Ela afirma
que a portaria do MT e do MMA não se aplica
ao caso e que continua sendo necessário o
EIA-Rima, documento no qual seriam apontadas todas
as iniciativas necessárias à diminuição
dos impactos ambientais.
“Quanto tempo leva
para recuperar uma floresta degradada? Será
que uma floresta degradada é recuperável?”,
responde, com mais perguntas, a procuradora Ariane
Alencar, ao ser questionada sobre o tempo necessário
para a realização do EIA-Rima. Ela
considera que a retomada dos reparos na BR-319 está
sendo feita de forma apressada. “Essas verbas não
foram liberadas de um dia para o outro. Por que
os estudos não começaram antes?”
Migração
O temor de pesquisadores
e entidades socioambientalistas de que a restauração
da rodovia BR-319 poderia impulsionar o desmatamento
numa região ainda bem preservada da Amazônia
está baseado em experiências concretas.
Desde o final do ano passado, especialistas têm
divulgado estimativas que dão conta de que,
no caso da BR-163, apenas o anúncio da pavimentação
da estrada foi responsável por um estrago
ambiental que já é do tamanho do que
se previa para dez anos depois da finalização
da construção, num cenário
sem iniciativas governamentais de controle.
A BR-319 parte da
capital de Rondônia, uma das áreas
de maior pressão pela expansão da
fronteira agrícola, e corta a Amazônia
ocidental na direção sudoeste-nordeste.
As duas BRs (319 e 163) poderiam significar, assim,
dois rasgos na maior floresta tropical contínua
do mundo, partindo perpendicularmente do chamado
“Arco do Desmatamento”. “Não há quem
possa afirmar ao certo o que representará
a interrupção de fluxos genéticos,
ou qual poderá ser o impacto sobre o regime
de chuvas, mas é provável que as conseqüências
se façam sentir também em outras partes
da região”, lembra Márcio Santilli,
do ISA, em artigo publicado no final do ano passado,
sobre a manutenção de índices
alarmantes de desmatamento na Amazônia e a
fragmentação de seu bioma.
A capacidade de grandes
obras de infra-estrutura, principalmente rodovias,
de desencadear processos violentos de desmatamento
indiscriminado e grilagem de terras é um
consenso até entre os técnicos do
governo, inclusive do MT, como admite o assessor
José Roque Marques. No caso da BR-319, entretanto,
outros impactos de conseqüências ainda
não calculadas também podem ocorrer.
“A estrada, quando
pronta, pode abrir um fluxo intenso de migração
para regiões mais distantes, como Manaus
e Roraima”, explica Paulo Maurício de Lima,
engenheiro florestal do Instituto Nacional de Pesquisas
da Amazônia (Inpa), responsável por
um estudo, ainda em andamento, sobre a reconstrução
da BR-319. Ele comenta que as cidades que poderão
receber novos contingentes populacionais não
têm os serviços e a infra-estrutura
adequados. “Já existe uma grande pressão
em Humaitá. É um processo dinâmico.
As pessoas ocupam uma área, depois a vendem
para proprietários maiores e saem à
procura de novas áreas. Enquanto houver terras
disponíveis, haverá este movimento”.
O trabalho de Paulo
Maurício de Lima também pretende fazer
propostas alternativas à construção
de novas rodovias na região. Um levantamento
preliminar do pesquisador já permite concluir
que, com a diminuição de algumas taxas
e impostos, o transporte por barco é sem
dúvida alguma mais barato. “A grande chamada
do estudo é alertar para a necessidade de
se planejar primeiro, entender os impactos, preparar
as cidades, resolver a questão fundiária
e se criar Unidades de Conservação
antes da obra”.
“A prioridade dada
à BR-319 significa que o Plano Amazônia
Sustentável e o Plano de Combate ao Desmatamento
não existem”, critica André Lima,
advogado do ISA. Ele confirma que a obra faz desacreditar
da capacidade do governo federal de conseguir coordenar
ações de controle ambiental em áreas
e situações diferentes. O advogado
entende que as medidas propostas acabam se tornando
inócuas diante dos processos de ocupação
desordenada provocados por obras como a restauração
da estrada.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Oswaldo Braga de Souza)