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TIJUCO ALTO ESBARRA EM PASSIVO SOCIAL

Panorama Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Agosto de 2005

Ao retomar o licenciamento ambiental da Usina Hidrelétrica de Tijuco Alto, empresa se depara com o passivo social do empreendimento, composto pelo abandono de famílias de pequenos agricultores, desarticulação dos bairros rurais e ausência de investimento público nas localidades.
A Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), dona do projeto da Usina Hidrelétrica (UHE) de Tijuco Alto, realizou no final de julho uma série de encontros com as comunidades ribeirinhas da região do Alto Vale do Ribeira para apresentar uma proposta de reassentamento às famílias que poderão ser atingidas diretamente pela barragem (leia mais aqui), se o licenciamento ambiental for aprovado. De olho no futuro, entretanto, a empresa se deparou com o passado. Um dos principais assuntos levados pelos atuais moradores aos representantes da empresa e da Cnec Engenharia - que está produzindo o novo Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da UHE - foram os problemas criados para a região e seus moradores pela compra de terras executada pela empresa entre 1988 e 1997. É o chamado passivo social de Tijuco Alto.

Veja as propriedades na região da UHE

Naquele período, a CBA adquiriu 379 imóveis rurais - que hoje representam 60% da área do reservatório projetado em 59 quilômetros quadrados. A compra dos imóveis – interrompida em 1997, quando a Justiça Federal anulou o processo de licenciamento da usina - teria provocado a queda na renda e o aumento do desemprego de ex-proprietários e ex-moradores, alterado o perfil sócio-econômico de toda a região do Alto Vale do Ribeira e prejudicado a vida dos atuais habitantes.
Aproximadamente 228 famílias de meeiros, arrendatários, parceiros ou posseiros teriam sido largadas à própria sorte. “O destino dos moradores prejudicados pelas compras realizadas pela CBA está na cabeça de todos”, admite a socióloga Ana Corbisier, da Cnec, responsável pela condução das reuniões. “Os atuais habitantes dizem que muitos ex-moradores encontram-se em precárias condições de vida, com filhos se prostituindo e se drogando. E falam que isso se deve a compra de terras pela CBA”. A socióloga afirma que um dos objetivos do atual projeto de reassentamento é fixar as pessoas na região, “pois a CBA foi responsável pelo êxodo de muitas famílias e não quer repetir o erro”.
Um dos erros da companhia, ao comprar os imóveis, teria sido o de não exigir dos então proprietários garantia de que repassariam parte do pagamento aos moradores responsáveis pelos cultivos e benfeitorias existentes (leia abaixo entrevista com Aldo Briguetti, funcionário da CBA que conduziu a aquisição das terras). “A CBA entrou na região adquirindo as terras sem um plano de comunicação conformado”, afirma Ronaldo Crusco, engenheiro da Cnec e atual responsável pela produção do EIA, que deve ser entregue ao Ibama ainda neste mês de agosto.
“Quando a terra onde eu trabalhava foi vendida, recebi uma casinha na beira do rio, sem terreno nenhum para plantar. Fiquei dois anos comendo de favor”, diz Ilso Rodrigues, que era arrendatário de uma propriedade na Ilha Rasa e hoje trabalha como motorista da própria CBA. Outros não obtiveram socorro equivalente. O presidente do Sindicato dos trabalhadores rurais da cidade de Doutor Ulisses, no Paraná, Luís Manoel da Silva, estima que 120 famílias foram embora da área rural do município após a compra das terras. “Quem não era proprietário ficou em situação complicada, pois não conseguiu arrendar outra, e foi embora sem dinheiro algum”.
O impacto assusta ainda hoje a população local. Um dos 19 funcionários da CBA, que atua na área do projeto da barragem, teme pelo próprio futuro caso o reservatório seja formado. “Não sei o que acontecerá comigo quando as águas chegarem, não tenho nenhuma garantia de continuar empregado”. O funcionário, cujo nome será preservado, conta que os moradores vizinhos da barragem estão preocupados com a possibilidade de serem transferidos para outros locais. “O pessoal sabe que muita gente que já vendeu as terras se arrependeu pois não encontrou os mesmos benefícios nos novos lugares, não conseguiu abrir uma roça nem criar galinhas e porcos”.
A reportagem do Instituto Socioambiental acompanhou duas das nove reuniões promovidas pela CBA no mês passado. Em uma delas, no bairro de Ilha Rasa, no município de Ribeira, o fantasma da compra das terras estava presente. “Antes da CBA chegar aqui havia 80 famílias, era um lugar movimentado. Hoje vivem aqui 45 famílias e parece que o bairro acabou”, reclama o agricultor Anderson Sales Ricardo, 34 anos. Ele conta que seu pai tinha um armazém no lugarejo e teve que fechá-lo por falta de movimento. “A empresa comprou os grande imóveis e acabou minando os pequenos produtores. E o pior é que as terras que a CBA comprou são produtivas, mas ficam fechadas para regime de comodato”, afirma Anderson.

Êxodo rural e favelização

O passivo social de Tijuco Alto será inclusive objeto de capítulo específico no novo EIA do empreendimento. O trabalho deve apontar que os antigos proprietários também foram prejudicados pela maneira como a CBA conduziu o processo de aquisição de terras. Isso porque uma pesquisa da Cnec recuperou o paradeiro de 186 dos 286 donos que venderam suas terras para a CBA. Os técnicos da empresa entrevistaram 46 ex-proprietários. Um dos pontos do questionário tratou da negociação para a compra dos imóveis. O levantamento identificou uma série de problemas na compra das propriedades, como a falta de informação sobre o projeto de Tijuco Alto e a ausência de entidades sociais na intermediação entre os agricultores e a empresa. “A população não tinha informação nenhuma e era contatada por funcionários da CBA que faziam a medição dos imóveis, sem preparo algum para falar de negócio”, conta Maria Aparecida de Carvalho, coordenadora da pesquisa. “Só depois vinha um funcionário da CBA para negociar, em um processo realmente muito desarticulado”.
O Ministério Público Federal também constatou problemas na aquisição dos imóveis. Em laudo pericial produzido em 2001, a partir de consultas à população do Alto Vale do Ribeira – e no qual o órgão se baseou para solicitar ao Ibama o cancelamento do licenciamento da obra -, técnicos do MPF reproduzem relatos de parte da população atingida que fazem referência ao atendimento desigual conferido aos ocupantes das áreas, como empregados, posseiros e parceiros de produção dos proprietários. O laudo aponta que a falta de atendimento a estas categorias de moradores resultou em “processos de expulsão, êxodo rural e favelização”.

Um dos 379 imóveis adquiridos pela empresa: MPF aponta uso de truculência na negociação

Os relatos colhidos pelos técnicos do Ministério Público dão conta ainda da falta de critérios claros por parte da CBA para indenizar cultivos e benfeitorias presentes nos imóveis. Durante as reuniões sobre reassentamento, este problema foi confirmado por moradores. “As plantações de banana não foram indenizadas por serem consideradas nativas. Quem me garante que agora serão?”, indaga o agricultor Miguel Grati Voner, que cultiva a fruta há 14 anos na Ilha Rasa.
O laudo pericial do MPF de 2001 também registra relatos que dão conta do “uso de truculência e coação nos processos de negociação, práticas especulativas expressas em sucessivas avaliações tendentes a depreciar o valor da terra para fins de aquisição e ação de oportunistas como intermediadores nas negociações de compra da terra”. E afirma ainda que a compra de terra por atacado provocou o aumento do custo da terra na região, impedindo que as famílias permanecessem próximas a suas antigas propriedades.

Desarticulação e isolamento

A entrada para Tijuco Alto e, ao fundo, Ribeira: agricultores perderam qualidade de vida nas cidades

De acordo com o MPF, a aquisição dos imóveis sem a realização da obra provocou a desarticulação social entre as famílias e comunidades rurais do Alto Vale do Ribeira, muitas das quais permaneceram na região isoladas de antigos vizinhos. “As relações comunitárias entre parentes e vizinhos sempre foi a base da coletividade destes bairros rurais, com muita relação de ajuda e troca entre as pessoas. Mas essa solidariedade se perdeu com a compra das terras”, confirma Maria Aparecida de Carvalho, da Cnec. “Qualquer empreendimento que é interrompido na metade deixa a população num vácuo”.
Débora Stucchi, antropóloga do Ministério Público Federal, afirma que a resolução deste passivo social deveria condicionar a continuidade do licenciamento da UHE. “Mesmo que estes ex-moradores fossem localizados, os laços quebrados nestes anos todos não poderiam ser refeitos”, diz. A antropóloga chama de “face oculta” do licenciamento o destino dos ex-moradores. “Como a aquisição das terras foi totalmente irregular, não dá para falar em novo licenciamento sem que este passivo seja resolvido”. Para ela, a população que foi obrigada a sair da região deve receber o mesmo tratamento daquela que será abordada pela empresa daqui em diante. Ronaldo Crusco, da Cnec, concorda. “Aqueles que trabalhavam numa terra alheia que foi vendida e que saíram sem nada, esses temos que buscar para envolver no reassentamento. É a única solução”.

“Abandonaram a gente”

O levantamento feito pela Cnec ainda aponta o agravante de que toda a região incluída no projeto do reservatório de Tijuco Alto deixou de receber investimentos privado ou público. “Hoje ninguém pensa em investir na propriedade, em sua terra, imagine então um gestor público na hora de construir uma escola, criar uma linha ônibus. Ele vai pensar em fazer isso numa região que não corra o risco de ser inundada”, afirma a consultora Maria Aparecida de Carvalho. A permanente perspectiva da região ser inundada teria afetado inclusive o investimento das prefeituras locais em serviços básicos em saúde, educação, transporte e iluminação pública.

Dona Dolinda não quer sair de onde nasceu, mas desconfia que vai ser obrigada

Os bairros rurais localizados dentro do projeto do reservatório teriam sido abandonados pelo poder público. “Antes pelo menos tinha ônibus que levava todo mundo para a cidade. Agora nem os doentes conseguem transporte”, reclama Dona Dolinda Mello, 56 anos, moradora da Mina da Rocha, bairro rural da cidade paranaense de Adrianópolis. A agricultora, que mantém plantações de feijão, milho, palmito e legumes para subsistência, acredita na existência um acordo entre as prefeituras locais para dificultar a vida dos moradores que vivem nas áreas que serão alagadas caso o projeto de Tijuco Alto seja executado. “Abandonaram a gente, fecharam até o posto médico, para que a gente não resista na hora de sair”, acusa. “Eu nasci aqui e por mim ficava aqui até o final, mas parece que não tem jeito”.

Piora no padrão de vida

Maria Aparecida de Carvalho justifica parte dos problemas posteriores à venda dos imóveis ao momento turbulento pelo qual o País passava no final da década de oitenta e início da de noventa. Segundo ela, os sucessivos planos econômicos da época, incluindo o confisco da poupança do Plano Collor, provocaram a perda de boa parte do dinheiro adquirido na venda das terras. “Além disso, a região sofria com o fim dos ciclos de exploração mineral e, com a chegada da cultura do Pinus, o aumentou o preço da terra. Nesse contexto, “a compra em massa de terras pela CBA foi mais um fator que provocou o infortúnio da população”.
De acordo com as entrevistas feitas pela Cnec, ex-proprietários que se mudaram para as cidades da região pioraram de padrão de vida porque deixaram de usufruir dos ganhos ligados à vida no campo, como alimentos mais baratos ou mesmo gratuitos. Os técnicos do MPF também registram que muitos agricultores que venderam suas terras para a CBA não conseguiram comprar, com o valor pago pelos seus imóveis, novas propriedades com condições equivalentes para a realização de suas atividades econômicas ou de subsistência. Por tudo isso, a consultora Maria Aparecida de Carvalho, da Cnec, é objetiva: “o impacto de Tijuco Alto já aconteceu”.

"Os proprietários ficaram com todo o dinheiro"

Aldo Briguetti, 63 anos, é funcionário da Companhia Brasileira de Alumínio há 33 anos. Chegou há 15 anos na região do Alto Vale do Ribeira, junto com o projeto da UHE de Tijuco Alto. Hoje é o principal funcionário da empresa na região, onde é conhecido e respeitado por gozar da confiança do dono da companhia, o empresário Antônio Ermírio de Morais. “Ele diz que me deve Tijuco Alto”, diz Briguetti, um pouco em tom de brincadeira. Nascido em Bolonha, na Itália, o funcionário da CBA foi o responsável pela compra de todas as propriedades na região para a formação do reservatório da barragem. Ele deu a seguinte entrevista ao ISA sobre este processo de aquisição de terras:

ISA - Como o senhor avalia a aquisição de terras pela CBA entre 1988 e 1997?

Aldo Briguetti - Eu fico às vezes um pouco chateado com o que pessoal fala. Que nem nessa região de Ilha Rasa, nós não adquirimos quase nada lá, umas duas ou três propriedades, quase não mexemos nesse núcleo, mas o que aconteceu: quando eu fiz a aquisição das propriedades, paguei até por lucro-cessante, os donos receberam tudo o que tinham direito. E os proprietários tinham meeiros, e o que eles fizeram? Até tinham me dito que precisavam disso e daquilo para indenizar os meeiros. Tudo bem, está no processo de compra, tudo registrado. Só que eles não repassaram. Ficaram com todo dinheiro. E agora o pessoal joga isso pra nós, que a CBA tirou o pessoal e não indenizou.

Para o senhor a responsabilidade é exclusiva dos proprietários?

Havia nas propriedades um regime de meeiros, que plantavam maracujá. Então, quando negociamos, eles exigiram o que tinham direito, as benfeitorias, a produção que seria feita nos próximos anos. E disseram que passariam isso para os meeiros.

Mas isso foi feito em compromisso escrito ou apenas verbalmente?

Foi de palavra falada.

Não seria o caso de ter o compromisso por escrito, como garantia?

Eu vejo que tenho que fazer isso. Mas não fui eu, Aldo, a CBA, que tirou as famílias das terras. Temos que voltar atrás e ver que a região produzia muito maracujá e chuchu e quando o preço de mercado caiu então o povo começou a sair e jogaram na CBA, que tem as costas largas. Eu estou aqui 20 anos e sei de tudo isso.

Então o senhor não vê uma relação direta entre a compra de terras e saída das famílias?

Não vejo, queria que me demonstrassem isso. Regiões como a Ilha Rasa estão intactas. Quantas famílias você acha que tinha numa fazenda de gado, como algumas das que compramos lá? Uma ou duas famílias, não mais do que isso. Então quando falam de 40, 60 famílias que nós...olha, eu gostaria de ter isso...

Ainda assim o senhor faria diferente hoje, teria um documento por escrito do proprietário garantindo um repasse?

Tanto é que estamos com esse trabalho agora, estudando essa nova maneira de reassentamento para segurar o pessoal no campo e, se formos comprar hoje, vamos no sindicato, porque senão o sujeito gasta mal o dinheiro e vai pra debaixo da ponte e quem é o culpado? A CBA.

É possível a CBA recuperar o paradeiro dos ex-moradores, como meeiros e arrendatários, para o futuro reassentamento?

Tudo isso está sendo feito neste estudo, neste novo recadastramento. Estamos conversando com as pessoas para sentir isso também.

O senhor tem idéia de quantas pessoas saíram das terras adquiridas pela CBA?

Não tenho idéia, transferi tudo para a Cnec.

Como foi o processo de compra?

O proprietário que vinha a nós, quando queria vender, e era uma negociação amigável. Era um processo amigável.

Porque a CBA não envolveu alguma entidade social, como sindicatos, para participar como garantia?

Não sei, nem posso te falar, se passou despercebido, a gente estava tão bem com o povo.

Olhando para trás o senhor faria tudo de novo?

Hoje só compramos com a participação do sindicato, para que ele veja que querem vender para nós. Queremos segurar o pessoal no campo. E estamos abertos para vários negócios.

Como o doutor Antônio Ermírio coloca a construção de Tijuco Alto entre as prioridades da CBA?

Olha, todo o material mecânico, as turbinas, está tudo adquirido. Só falta a obra civil. Sempre que ele me encontra me diz “pô Aldo, estou devendo Tijuco para você”. Eu estou quase aposentando mas tenho tanto amor nisso tudo que gostaria de ver o projeto certo. Ele sempre me dá esse apoio. Eu gostaria de fazer isso antes de parar.

O Ministério Público Federal produziu um relatório em 2001 sobre a compra de terras pela CBA que apresenta relatos de negociações pouco justas.

Quem fez todas as compras fui eu e lhe digo que estou pronto para dar qualquer resposta, caso por caso. Se fosse isso, seria eu que teria feito isso. E nós não forçamos as compras, era o pessoal que nos procurava. Hoje a gente sente que o correto é a gente deixar a pessoa na região. E ocorreram coisas absurdas, mas deixa para lá, não vamos entrar em detalhes...

Fonte: ISA – Instituto Socioambiental (www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Bruno Weis)

 
 
 
 

 

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