Na festa deste ano foram homenageados três
índios e um branco, o sertanista Apoena Meireles,
assassinado em outubro do ano passado em um assalto.
O cacique Nahu, morto após uma parada cardíaca
com quase 100 anos, sua mulher, Sesuaka, que morreu
de tristeza logo depois que o companheiro se foi,
e a índia Auamajá, que faleceu de
velhice, também teve seu espírito
evocado durante a festa.
Francisco Meirelles, um dos
filhos de Apoena esteve presente ao Kuarup, com
Ana Valéria Cassola, segunda mulher do
sertanista, e Susi, filha caçula do casal.
Para Francisco, a festa foi uma grande homenagem
ao pai, mas ele ainda lamenta que o assassinato
de Apoena tenha ficado impune -o menor que assassinou
o sertanista, escapou da prisão.
A cerimônia se inicia
com os índios cortando e carregando sob
os ombros as toras de madeira, que são
enfeitadas com faixas e cocar. O Kuarup começou
no fim da tarde de quinta-feira, quando os cantores
das tribos entoaram cânticos de homenagem
aos mortos. De madrugada, os anfitriões
Kuikuro ofereceram peixe e beiju aos convidados.
Neste ano estiveram presentes representantes das
etnias Yawalapiti, Kalapalo, Kuikuro, Kamayurá,
Matipu, Mehinaku e Nahukuá.
Quando o dia amanheceu na sexta-feira
(26), o choro pela morte começou a se transformar
em alegria, e logo houve uma dança para
comemorar o fim do luto. Naquele momento, todas
as atenções estavam voltadas para
um grupo de 12 meninas que foram confinadas na
época em que tiveram sua primeira menstruação.
Esse ritual marca a passagem entre a infância
e a vida adulta -ao final, as meninas já
estão prontas para casar.
A luta do Huka-Huka marca o
fim do funeral. No meio da aldeia, os guerreiros
lutam representando sua aldeia. Eles se enfrentam
imitando o rugido das onças. Ganha quem
derruba o adversário. Após as lutas,
as moças que estavam em reclusão
na aldeia foram apresentadas aos visitantes. Uma
delas chegou a se casar, no início da tarde.
Protesto
Os índios do Parque do Xingu aproveitaram
as festividades do Kuarup para denunciar que a
região começa a sofrer com a ameaça
do desmatamento das madeireiras e das plantações
de soja. A poluição das nascentes
dos afluentes do Rio Xingu também é
outro problema que preocupa os cerca de 4.800
índios que vivem na região. Segundo
o cacique da aldeia sede do Kuarup, Afukaká
Kuikuro, os líderes do Xingu não
estão de acordo com a retirada de madeira
do parque e pretendem fazer uma nova reunião
depois da homenagem aos mortos.
O presidente da Funai, Mércio
Gomes Pereira, também presente ao Kuarup,
explicou que o órgão fechou uma
serraria e que a grande dificuldade é o
fato de a Fundação ainda não
possuir poder de polícia. Uma medida provisória,
no entanto, já está sendo preparada
para que os funcionários da Funai possam
autuar empresas irregulares e prender os responsáveis
por crimes ambientais.
Apoena
José Apoena Soares de Meirelles conviveu
com índios desde os quatro anos de idade,
acompanhando o pai, Francisco Meirelles, no contato
com os índios isolados da floresta. Desde
essa época, desenvolveu a vocação
que o consagrou como um dos maiores sertanistas
do país. Desde os 20 anos, Apoena era sertanista
de destaque da Funai. Para ele “o índio
é um ser dotado das mesmas capacidades
de desenvolvimento dos não índios”.
Apoena Meirelles foi assassinado
na noite do dia 09 de outubro de 2004, aos 55
anos, depois de ser vítima de um assalto
em uma agência do Banco do Brasil de Porto
Velho, Rondônia. Em sua última missão,
o sertanista coordenava a força-tarefa
criada para impedir a entrada de garimpeiros na
terra dos Cinta-Larga e na área de mineração
de diamantes da Reserva Roosevelt.