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PREFEITO DE QUERÊNCIA
(MT) PROPÕE AUMENTAR APPS E EXTINGUIR
RESERVA LEGAL
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Agosto de 2005
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Fernando Gorchen
resolveu discutir e levar adiante uma idéia
que para muitos ambientalistas soa como um contra-senso,
mas que, para ele, representa uma maneira inteligente
de aliar agropecuária e proteção
ambiental. O prefeito de Querência (MT) quer
mostrar que mais vale fixar e proteger grandes Áreas
de Preservação Permanente (APP) do
que manter pequenos trechos de Reserva Legal (RL)
isolados entre si.
Localizado inteiramente
na bacia do rio Xingu e com cerca de 40% de sua
área dentro do Parque Indígena do
Xingu, o município de Querência, a
800 quilômetros de Cuiabá, se parece
com vários outros do nordeste do Mato Grosso.
Também teve uma colonização
liderada por gaúchos iniciada no fim dos
anos 1970. A base da economia local é a agropecuária.
Mas esta cidadezinha pacata com uma população
total de pouco menos de 8,5 mil habitantes é
mais do que um ponto perdido no mapa da Amazônia.
Foi lá que
o maior sojicultor individual do mundo, Blairo Maggi
(PPS), atual governador do Mato Grosso, resolveu
comprar 81,5 mil hectares de terra – quase o equivalente
ao território do município de São
Paulo – para instalar a fazenda Tanguro. Querência
tornou-se um dos pólos mais dinâmicos
da sojicultura no Mato Grosso e no Brasil. Em 2002,
foi responsável pela produção
de quase 90 mil toneladas de soja. Um símbolo
do modelo econômico defendido pelo agronegócio.
E um desafio para quem quer fixar limites e critérios
socioambientais para este modelo.
Também foi
em Querência que o paranaense Fernando Gorchen,
38 anos, resolveu finalmente realizar o sonho de
ter sua propriedade rural, depois de arrendar por
mais de 14 anos uma fazenda em Chapadão do
Céu (GO). Em 1998, ele comprou 20 mil hectares
de terra e tornou-se um dos maiores produtores de
soja da região. Nunca tinha se filiado a
um partido político antes de participar da
mobilização que levou Maggi ao governo
estadual, em 2002. “Mas sem nunca pensar em ser
prefeito nem muito menos mexer com política”,
garante. Nas últimas eleições
municipais, candidatou-se e foi eleito prefeito
pelo PPS com 2.965 votos e o apoio de oito dos nove
partidos do município.
Sensibilizado pela
campanha ‘Y Ikatu Xingu, que pretende preservar
e recuperar as nascentes e as matas ciliares do
rio Xingu no Mato Grosso, Gorchen resolveu levar
adiante uma idéia que para muitos ambientalistas
soa como um contra-senso, mas que, para ele, pode
se transformar numa maneira inteligente de aliar
agropecuária e conservação
ambiental. O prefeito acha que se deve extinguir
a figura da Reserva Legal (RL) e que toda Área
de Preservação Permanente (APP) deveria
ter, no mínimo, 400 metros (saiba o que é).
Ele quer mostrar que mais vale fixar e proteger
grandes APPs, que são fundamentais para a
conservação da biodiversidade e dos
recursos hídricos, do que manter trechos
de RL isolados entre si.
A definição
da RL em 80% da área de cada propriedade
localizada na Amazônia Legal é considerada
uma conquista por grande parte dos ambientalistas.
O Código Florestal (MP 2.166-67/01) permite,
hoje, que a APP seja somada no cálculo da
área da RL, no caso de recuperação
desta área. A Lei, no entano, não
prevê casos em que a RL possa ser dispensada.
Gorchen quer discutir
com representantes da campanha `Y Ikatu Xingu e
outros produtores rurais a viabilidade de projetos-piloto
que possam testar sua teoria. Veja a seguir os principais
trechos da entrevista que ele concedeu à
reportagem do ISA sobre o tema.
ISA – Qual exatamente
é a sua proposta?
Fernando Gorchen
– Estamos dispostos a repor, a recuperar as nascentes
e as matas ciliares e não deixar só
50, 100, 150 metros no máximo, mas no mínimo
400 metros na margem dos córregos e das nascentes.
Que a RL fique junto com as APPs, para que não
seja apenas uma tirinha estreita de 100, 150 metros
que a lei exige. Não adianta desmatarmos
apenas 20% e desmatarmos no lugar errado. É
muito pior desmatarmos 20% no lugar errado do que
90% no lugar certo. Então, a nossa proposta
não é desmatar 80%, não. O
que queremos? Queremos deixar, no mínimo,
400 metros. Se isso der 70% ou 30% do total [da
propriedade], mantemos os 400 metros. Queremos uma
proposta que seja boa para o meio ambiente, mas
que não inviabilize economicamente o nosso
município. Não dá para fazer
uma coisa que seja ótima para o meio ambiente
e ruim para a viabilidade econômica. E também
não dá para fazer uma coisa ótima
economicamente e ruim para o meio ambiente. Vamos
fazer um acordo.
O senhor já
tem algum tipo de levantamento para saber quanto,
com a sua proposta, ficaria preservado, em média,
em cada propriedade, em Querência?
Nós não
fizemos um levantamento. Mas sabemos que, em alguns
lugares, teremos problemas, vamos encontrar resistência
porque existem pessoas que têm uma área
com mais alagamento. Essas pessoas terão
de entender que será preciso deixar uma reserva
maior. Por outro lado, aqueles que têm mil
hectares de terra, por exemplo, em uma área
seca, longe de todas as nascentes, de toda a água,
essas pessoas vão ser beneficiadas.
Como o senhor iria
compensar isso?
Eu acho que aquelas
pessoas com propriedades localizadas só em
brejo deveriam ser compensadas com essas áreas
secas. Aquelas pessoas que têm 100% em áreas
secas teriam de ceder para as outras pessoas que,
no caso, foram infelizes em comprar só brejo.
No município de Querência, se houver
um, dois casos... Mais que isso, não há.
É fácil de solucionar porque no nosso
município poucas pessoas compraram área
com brejo. Porque sempre é loteado. O fundo
da fazenda é um córrego, uma nascente,
um rio. Ninguém comprou só brejo.
Não existe problema em fazermos este tipo
de projeto.
Existe alguma estimativa
sobre o que está preservado no município
hoje em relação à integridade
das áreas de RLs e APPs?
O município
já tem uma reserva pela vida toda que são
os 40% de sua área que ficam no Parque Indígena
do Xingu. Se nós deixarmos, no município,
30% de reserva, tudo junto das APPs, isso vai dar
uma imensidão de reserva. Eu tenho certeza
que isso é muito melhor do que deixar 80%
e continuar desmatando errado como estão
fazendo. Temos de fazer um trabalho bem feito.
O senhor quer fazer
projetos-piloto que comprovem a viabilidade da idéia
para depois mobilizar as pessoas para mudar a legislação?
É isso?
Exatamente. Temos
de mostrar isso na prática. Mostrar o antes
e o depois. E levar o pessoal para olhar... Tenho
certeza que vai dar certo.
Como funcionaria
este projeto-piloto? Como está a articulação
para a sua implantação?
Esta é uma
idéia que surgiu e ainda está engatinhando.
Estamos juntando os parceiros. Vamos conversar agora
com os agricultores, com os pecuaristas, para fazermos
a primeira reunião. Depois vamos sentar junto
com a Famato [Federação da Agricultura
e Pecuária do Estado do Mato Grosso], com
o ISA, com a Embrapa e outros órgãos
que possam ajudar, para definirmos, irmos lá
e discutirmos, com todas essas entidades, para saber
qual a melhor forma de agir. Qual a primeira proposta?
Repormos o que foi destruído. Onde houver
problema de erosão, fazer a contenção
dessas águas. Para quem for fazer o primeiro
desmate, já fazer conforme o combinado. Queremos
tirar fotos de satélites das nascentes e
ir lá, no chão, na serra, para mapearmos
isso.
Qual tem sido a receptividade
dos produtores com os quais o senhor está
conversando?
Acho que a grande
maioria vai aceitar. Convencer alguns vai ser mais
difícil, mas isso existe em todo setor. Se
mostrarmos o projeto para eles, levando lá,
vamos ter sucesso. O que é preciso ter? A
boa vontade do outro lado. Então, podemos
mostrar que é possível ter um selo,
uma marca diferenciada...
Os produtores consideram
que a legislação, como está
hoje, inviabiliza a produção?
Não
tem madeira em Querência para fazer manejo.
A região fica inviável: você
comprar mil hectares de terra para abrir 200...
Quem vai abrir estradas por causa de 200 hectares?
O governo do Estado? Não. A União?
Não. O município não dá
conta porque fica inviável. Você não
vai ter nem acesso para abrir aqueles 200 hectares.
As coisas têm de ser boas para os dois lados.
Não pode inviabilizar. A região é
boa, com uma produção fantástica.
Desconheço um lugar onde se produza tão
fácil como Querência.
Fonte: Instituto Socioambiental
(www.isa.org.br)
Assessoria de imprensa (Oswaldo Braga de Souza)