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MMA APRESENTA PONTOS DE NOVO ANTEPROJETO DE LEI SOBRE ACESSO A RECURSOS GENÉTICOS E PROVOCA POLÊMICA

Panorama Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Outubro de 2005

06/10/2005 - O secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA), João Paulo Capobianco, apresentou os principais pontos de uma nova e inédita versão do anteprojeto de lei (APL) sobre o acesso aos recursos genéticos e a proteção aos conhecimentos tradicionais. O documento veio a público, pela primeira vez, na manhã de hoje, 6/10, último dia do seminário As Encruzilhadas das Modernidades: da luta dos povos indígenas ao destino da Convenção de Diversidade Biológica. (Veja glossário logo abaixo).

Segundo João Paulo Capobianco, a proposta não foi discutida nem mesmo dentro do governo. A apresentação do texto causou polêmica tanto entre os participantes brasileiros quanto os estrangeiros do evento, que está sendo promovido pelo Instituto Socioambiental (ISA), pelo Instituto Indígena Brasileiro de Propriedade Intelecutal (Inbrapi) e pela organização francesa Institut du Développement Durable et des Relations Internationales (IDDRI).

Depois de ter sido discutido por representantes da administração federal, dos povos tradicionais, do setor empresarial, de organizações da sociedade civil e pesquisadores no Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), o anteprojeto está parado na Casa Civil da Presidência da República, desde 2003, aguardando ser encaminhado para o Congresso Nacional. A proposta vem sendo alvo de uma verdadeira guerra de bastidores entre ministérios do governo Lula envolvidos com a questão (saiba mais). O CGEN é o colegiado interministerial que regula os assuntos relativos ao acesso aos recursos genéticos e aos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade.

O documento trazido a público por Capobianco foi elaborado por determinação da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, para tentar contornar o impasse que se estabeleceu entre dois grupos ministeriais. De um lado, está o MMA, que capitaneia a defesa dos direitos dos povos tradicionais. De outro, os ministérios da Agricultura, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, e da Ciência e Tecnologia, que pretendem flexibilizar a legislação e facilitar ao máximo o acesso de empresas e pesquisadores aos conhecimentos e recursos naturais desses povos. O MMA detém a presidência do CGEN.

Novidades

Entre outras novidades, a projeção em arquivo Powerpoint feita pelo secretário de Biodiversidade e Florestas durante o seminário faz menção a um Fundo de Proteção e Valorização dos Conhecimentos Tradicionais, gerido pelas próprias organizações dos povos tradicionais para repartição dos benefícios oriundos do uso de recursos genéticos e conhecimentos tradicionais entre comunidades diferentes, quando elas detiverem um mesmo conhecimento. Também aponta mecanismos de autorização e repartição de benefícios para acesso em fontes secundárias, ou seja, para o uso de conhecimentos tradicionais já publicados, inseridos em bancos de dados, disponíveis em feiras ou herbários, por exemplo. A nova proposta abre ainda a possibilidade de investimentos em Unidades de Conservação (UCs) em troca da utilização de seus recursos biológicos, mas não obriga a repartição de benefícios no caso de estudos que não visem, pelo menos a princípio, objetivos econômicos.

Alguns participantes do seminário questionaram se haveria autonomia efetiva dos povos tradicionais para autorizar ou não pesquisas feitas com seus recursos e informações. A pesquisadora Eliane Moreira, do Centro Universitário do Pará (Cesupa), considerou ainda que o documento apresentado por Capobianco tem muitas diferenças em relação ao anteprojeto formulado no CGEN e classificou de antidemocrática a elaboração de uma nova versão. "Peço que o MMA reconsidere e reabra todo o processo de discussão. Não podemos começar este processo de forma democrática e acabá-lo de forma autoritária", criticou.

"Não aceito insinuações de que o MMA esteja querendo desrespeitar o acordo feito no CGEN para proteger os direitos dos povos tradicionais. Não acho válida a crítica de que o processo não é democrático", respondeu Capobianco. Ele reforçou que a iniciativa do MMA decorre da necessidade de se resolver um impasse e foi irônico ao aconselhar a fazer "greve de fome" aqueles que querem que a Casa Civil encaminhe rapidamente para o Congresso o anteprojeto elaborado no CGEN. O comentário foi uma referência ao jejum realizdo pelo bispo da Diocese de Barra (BA), D. Luís Flávio Cappio, em protesto ao projeto da administração federal de transposição do rio São Francisco. Cappio conseguiu que o governo prometesse prolongar o debate sobre o assunto antes do início das obras.

O secretário de Biodiversidade e Florestas disse também que a ministra Marina Silva considera ter legitimidade para intermediar as negociações e tentar resolver as divergências sobre o anteprojeto dentro do governo. Garantiu que o documento ainda não foi finalizado e está aberto a contribuições e aperfeiçoamentos, não sendo, portanto, definitivo. Questionado sobre a possibilidade de realização de uma consulta pública para discutir o texto antes de seu envio ao Congresso Nacional, Capobianco respondeu que isto seria o ideal. "Só acho que existe um problema de tempo. Queremos que o projeto seja votado no ano que vem. Vamos ver."

Autonomia e patenteamento

Na opinião de Debra Harry, do Conselho dos Povos Indígenas para o Biocolonialismo (IPCB, na sigla em inglês), a proposta do MMA fere a autonomia das comunidades sobre seus saberes e recursos. "Acho que esta proposta é um exemplo dos extremos a que pode ir o princípio da soberania nacional dos países sobre os recursos existentes em territórios indígenas. Esta soberania é relativa. O direito de autodeterminação dos povos indígenas é garantido no direito internacional”, avaliou a indígena representante de comunidades do Havaí. Ela argumentou também que o documento não prevê nenhuma forma de compensação para as comunidades para pesquisas sem fins comerciais.

Capobianco assegurou que está garantido o direito de qualquer comunidade tradicional inclusive de negar o acesso a seus conhecimentos e recursos. "A proposta tem o objetivo de garantir a soberania do País sobre seus recursos genéticos e os direitos dos povos tradicionais, além de definir regras claras para a repartição de benefícios", defendeu. O representante do MMA lembrou que, no caso de atividades desenvolvidas por instituições e cientistas estrangeiros, também será necessário o consentimento prévio da comunidade pesquisada e um contrato de repartição de benefícios preliminar. Ele confirmou ainda que está prevista a possibilidade de revisão do contrato no caso de alguma população tradicional sentir-se prejudicada.

"Acho que a proposta traz avanços e é bem intencionada, mas permanece o problema fundamental de continuar sendo possível o patenteamento de produtos e processos obtidos a partir de conhecimentos tradicionais. Isso me traz tristeza", lamentou Laymert Garcia dos Santos, professor da Universidade de Campinas (Unicamp). Ele avaliou que, se for mantida a possibilidade, o Brasil, país com a maior biodiversidade do mundo, não poderá apresentar uma proposta inovadora nos debates internacionais sobre o tema que vá na direção contrária à lógica do mercado da biotecnologia. Uma das principais polêmicas do seminário, que começou na terça-feira e termina hoje, foi justamente a relação entre o sistema de propriedade intelectual e os conhecimentos tradicionais. Parte do movimento indígena internacional e vários especialistas consideram que o patenteamento de produtos e processos feito a partir dos recursos ou conhecimentos das populações tradicionais é uma forma de privatização e apropriação indevida.

Para saber mais

:: Populações tradicionais - povos ou grupos que, vivendo em áreas periféricas à nossa sociedade, em situação de relativo isolamento face ao mundo ocidental, construíram formas de se relacionar entre si e com os seres e coisas da natureza muito diferentes das formas vigentes na nossa sociedade. Entre eles, estão: quilombolas, ribeirinhos, extrativistas, caiçaras, raizeiros, sertanejos, geraizeiros, comunidades de "fundos de pasto" e "faxinais".

:: Conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade - Incluem conhecimentos, inovações e práticas relativos às propriedades e características da diversidade biológica. Por exemplo: informações sobre o poder curativo de raízes e extratos vegetais.

:: Recurso genético - É todo o material de origem vegetal ou animal que contenha a informação genética (DNA) responsável pela produção das substâncias e tecidos essenciais ao organismo (hormônios, proteínas, órgãos etc).

:: Repartição dos benefícios oriundos da biodiversidade - É a compensação financeira ou de outra natureza que devem receber os povos tradicionais pelas pesquisas feitas a partir de seus recursos naturais ou conhecimentos.

:: Consentimento prévio informado - É a autorização preliminar dada por uma comunidade a uma pesquisa ou estudo realizado em seu território, com seus conhecimentos ou recursos biológicos.

:: Sistema de propriedade intelectual - Confere direitos de propriedade a descrições e estudos sobre processos que visam a obtenção de invenções, as quais, por sua vez, apresentem uma inovação e permitam o uso comercial. Em todo o mundo, existem organizações e escritórios responsáveis por conceder esses direitos, que podem ser patentes, marcas, registros e copyrights, entre outros. No Brasil, o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (Inpi) tem a competência de conceder e registrar tais direitos.

Fonte: ISA – Instituto Socioambiental (www.isa.org.br)
Assessoria de imprensa (Oswaldo Braga de Souza)

 
 
 
 

 

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