|
POVOS INDÍGENAS
DISCUTEM ESTRATÉGIAS A ADOTAR DURANTE
SEMINÁRIO SOBRE CONHECIMENTOS TRADICIONAIS
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Outubro de 2005
|
|
03/10/2005 - Em
reunião preparatória realizada hoje
(3/10), em Brasília, representantes indígenas
debateram posições sobre o acesso
aos recursos genéticos e a proteção
aos conhecimentos tradicionais que querem defender
no seminário sobre o tema, promovido pelo
ISA, Inbrapi e IDDRI, com início nesta terça-feira
(4/10).
Começou na
manhã desta segunda-feira, dia 3 de outubro,
o Caucus Indígena Internacional, a reunião
indígena preparatória para o seminário
As encruzilhadas das modernidades: da luta dos Povos
Indígenas no Brasil ao destino da Convenção
da Diversidade Biológica (CDB), promovido
pelo Instituto Socioambiental, o Instituto Indígena
Brasileiro para a Propriedade Intelectual (Imbrapi)
e a organização francesa Institut
du Développment Durable et des Relations
Internationales (IDDRI). O evento começa
nesta terça-feira (4/10), e termina na quinta-feira
(6/10), em Brasília. O Caucus discute as
estratégias que as organizações
e populações indígenas adotarão
nos debates sobre o tema do acesso aos recursos
genéticos e da proteção aos
conhecimentos tradicionais durante o seminário.
Participam do evento
45 representantes indígenas e especialistas
de mais de 30 organizações do Brasil,
Colômbia, Panamá, Peru, Estados Unidos,
Filipinas e Grã-Bretanha. São esperados
ainda participantes da França e da Alemanha.
No total, mais de 120 pessoas deverão estar
no seminário, que vai discutir, entre outros
temas, a legislação nacional e internacional
sobre o acesso aos recursos genéticos e o
cenário internacional que se desenha para
as negociações sobre o assunto com
a realização da 8ª Conferência
das Partes Signatárias (COP-8) da Convenção
da Diversidade Biológica (CDB), em Curitiba,
em março de 2006.
Aprovada durante
a Rio-92, a CDB estabeleceu normas e princípios
que devem reger o uso e a proteção
da diversidade biológica nos países
signatários. Seus objetivos são assegurar
a conservação e uso sustentável
da biodiversidade e a repartição justa
dos benefícios provenientes do uso dos recursos
genéticos. A CDB reconhece a importância
dos povos tradicionais e de seus conhecimentos para
a conservação da diversidade biológica.
Os conhecimentos
tradicionais incluem conhecimentos, inovações
e práticas relativos às propriedades
e características da diversidade biológica,
por exemplo, informações sobre o poder
curativo de raízes e extratos vegetais. Recurso
genético é todo o material de origem
vegetal ou animal que contenha a informação
genética (DNA) responsável pela produção
das substâncias e tecidos essenciais ao organismo
(hormônios, proteínas, órgãos
etc).
Progresso
Na primeira mesa
da reunião, iniciada às 9h, Tony Gross,
pesquisador da Universidade das Nações
Unidas e sócio-fundador do ISA, e Fernanda
Kaigang, advogada do Inbrapi, fizeram um histórico
da CDB, seus principais objetivos e as negociações
em curso nos fóruns internacionais sobre
ela.
Fernanda lembrou
que os povos indígenas têm dificuldades
para participar dos debates sobre o tema tanto no
exterior - por falta de recursos financeiros e apoio
do governo -, quanto no Brasil, especialmente aqueles
ocorridos no Conselho de Gestão do Patrimônio
Genético (CGEN), colegiado interministerial
que tem a competência de regulamentar a questão
do acesso aos recursos genéticos. “Na última
reunião, em que estava sendo discutido um
sistema facilitado de acesso aos recursos genéticos,
representantes de alguns ministérios questionaram
a legitimidade dos representantes indígenas.
Eles dizem que a pesquisa está acima de tudo
e é o motor do progresso. Muitos povos indígenas
foram massacrados por causa deste progresso”, denunciou.
A advogada indígena citou os ministérios
da Ciência e Tecnologia (MCT), da Agricultura
(MAPA) e do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio (MDIC). A integrante do Inbrapi
ressaltou ainda a necessidade de que os povos indígenas
unifiquem seu discurso para fortalecer sua posição
no CGEN.
Já Tony Gross,
depois de fazer uma exposição didática
sobre os princípios e objetivos da CDB, lembrou
que o governo brasileiro não tem permitido
a participação de representantes indígenas
na delegação oficial do País
na COP, mas afirmou que esta situação
pode mudar no ano que vem. “Como a COP é
uma reunião entre governos, a melhor maneira
de os povos indígenas conseguirem influenciar
as negociações é intensificar
as articulações políticas e
tentar fazer com que as representações
oficiais de cada país defendam as suas posições”.
O pesquisador lembrou que as negociações
sobre a CDB não são diferentes de
nenhuma outra negociação internacional
que envolva interesses poderosos e conflitos de
poder, mas que, mesmo assim, há espaço
para avanços, sobretudo no processo de implementação
dos princípios da convenção
em cada país. “O próprio reconhecimento
da soberania dos países sobre seus recursos
biológicos e genéticos é uma
amostra desses avanços.”
O segundo painel
da manhã contou com a participação
de Debra Harry, do Conselho dos Povos Indígenas
para o Biocolonialismo. A indígena estadunidense
lembrou que durante a ECO-92, quando foi assinada
a CDB, um representante indígena teve apenas
cinco minutos para falar sobre as negociações
da convenção. “Hoje continuamos marginalizados,
mas, por ter de respeitar os direitos humanos, os
governos não podem mais desprezar o fato
de que temos o direito de ter o direito de proteger
nossos territórios e nossos conhecimentos.”
Debra considerou que a prática de acessar
conhecimentos tradicionais sem o consentimento das
comunidades detentoras é o mesmo que roubo.
“Quando falamos em conhecimentos tradicionais estamos
falando da própria identidade e da própria
cultura de um povo e isso não pode ser reduzido
a valores monetários.”
A pesquisadora Eliane
Moreira, da Universidade Federal do Pará
(UFPA) e da Rede Norte de Propriedade Intelectual,
Conhecimentos Tradicionais e Biodiversidade, também
participou do segundo painel da manhã e falou
principalmente sobre a repartição
dos benefícios provenientes da biodiversidade
e o chamado consentimento prévio informado,
que é a autorização de uma
comunidade para que seus conhecimentos e recursos
biológicos sejam pesquisados. “Vivemos um
momento onde há risco de perda total de direitos
da parte dos povos tradicionais.” Eliane também
criticou a atuação de alguns ministérios
que participam do CGEN e reforçou o pedido
de que os povos indígenas se organizem e
se unam na luta pelos direitos sobre seus conhecimentos
e territórios. Ela também chamou a
atenção para o perigo do discurso
de alguns pesquisadores e empresas que teimam em
considerar de “domínio público” os
conhecimentos de algumas comunidades. “Quando um
determinado conhecimento é considerado difuso
ou público, ele não gera direitos
nem obriga a repartição de benefícios.”
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.isa.org.br)
Assessoria de imprensa (Oswaldo Braga de Souza)