Vice-presidente do CNPq
propõe desmilitarização
do Programa Antártico Brasileiro,
mas civis ainda não sabem como assumir
a gerência da Estação
Comandante Ferraz
Península de
Keller (Antártica) - Por sugestão
do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico (CNPq), uma comissão
especial será montada, ainda sem data
marcada, para discutir a transferência
do comando do Programa Antártico Brasileiro
(Proantar), hoje na mão da Marinha,
para a comunidade científica do país.
A proposta é do vice-presidente do
CNPq, Manuel Domingos Neto. Convidado pelo
ministro da Defesa, José Viegas, o
cientista foi à Antártica participar,
na semana passada, das comemorações
dos 20 anos da presença brasileira
na região. “Essa presença hoje
é basicamente geopolítica”,
avalia Domingos Neto. “Temos que ampliar e
tornar visível o teor científico
dessa permanência aqui na Antártica”,
defende.
Ana
Nascimento/Abr |
Concebida,
executada e mantida, até hoje,
graças a um esforço institucional
da Marinha, a Estação
Comandante Ferraz, na Antártica,
tornou-se, em 20 anos, uma base de pesquisa
científica com um certo ar de
caserna. O comando da unidade fica a
cargo de um oficial e os outros nove
membros permanentes da unidade, o chamado
“grupo base”, também são
da Marinha - do cozinheiro ao médico.
O clima, no entanto, não é
de quartel. Os militares |
Ana
Nascimento/Abr
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não usam armas
e a relação com os pesquisadores
civis é tranqüila e cordial. O fato,
no entanto, é que a Marinha gasta muito
mais (R$ 20 milhões por ano) do que o
CNPq (R$ 1,3 milhão em bolsas, em 2004)
para manter o Proantar andando. Cada uma das
operações logísticas na
Antártica, coordenadas pela força
naval e pela Aeronáutica, custa, em média,
R$ 10 milhões. Isso sem falar na manutenção
da Estação Ferraz, também
bancada pela Marinha, cujo déficit anual
já está em R$ 1,5 milhão
em relação ao orçamento
destinado a ela. Para inverter a lógica
do comando, portanto, o Ministério da
Ciência e Tecnologia teria que investir
muito mais do que gasta hoje no programa.
“Se quiserem mudar o comando
do programa, não há problema,
é só assumir as despesas”, resume
o almirante José Geraldo Fernandes
Nunes, secretário da Comissão
Interministerial para os Recursos do Mar (Secirm).
Ele afirma desconhecer a proposta de criação
de uma comissão para discutir mudanças
no gerenciamento da Estação
Ferraz. Segundo o almirante, o Proantar não
é uma atividade fim da Marinha, mas
se mantém em funcionamento por ser
uma ação estratégica
do país. “Nós decidimos manter
presença no continente antártico,
e por isso estamos lá”. Ele lembra
que, nos primeiros anos do projeto, apenas
o grupo base da força naval se mantinha
na Estação Ferraz durante o
inverno polar _ nove meses de escuridão
e temperaturas próximas de 30 graus
negativos. “Muitas vezes foi a Marinha que
pagou para garantir a continuação
das pesquisas científicas”, afirma.
Domingos Neto reconhece
essa realidade. “No momento não há
condição de se alterar o comando
do programa, mas, no futuro, será realmente
necessário colocar os cientistas na
coordenação geral do programa
e no gerenciamento da Estação
Ferraz”, afirma. “Mas isso será feito
naturalmente, com a participação
da Marinha nessa discussão”. Atualmente,
o CNPq não tem sequer um orçamento
específico para pagar as bolsas dos
pesquisadores instalados na Antártica.
Foi preciso tirar dinheiro de outras áreas
do Ministério da Ciência e Tecnologia
para garantir a verba de 2004. Uma forma de
capitalizar as pesquisas, diz Domingos Neto,
é dar mais transparência aos
trabalhos realizados no gelo pelos cientistas
brasileiros. “Pretendemos editar uma publicação
com os resultados das pesquisas”, informa.
Cientistas
Alheios à discussão
sobre o comando do Proantar, os pesquisadores
brasileiros pedem apenas para não haver
solução de continuidade nos
trabalhos científicos realizados na
Antártica. Pioneira no Brasil neste
tipo de pesquisa, a professora Teresinha Monteiro
Absher, idade não revelada, participa
do Proantar desde dezembro de 1983. Formada
em Agronomia, tem mestrado em Oceanografia
pela Universidade São Paulo (USP),
e doutorado, na mesma especialização,
pelo Instituto Antártico Britânico,
na Inglaterra. Há 12 anos, toca um
projeto de estudos de invertebrados nos mares
antárticos. Mexendo no gelo, acredita
ser possível entender o que acontece
nos trópicos. “Aqui, estamos em condição
de igualdade com o resto do mundo”, afirma.
Teresinha Absher conta com
a ajuda de um mergulhador profissional, Maurício
Gil Viana, 26 anos, pesquisador da Universidade
Federal de Santa Catarina. É ele que
desce nas profundezas da Baía do Almirantado
para buscar as armadilhas preparadas pela
cientista. Estrelas-do-mar, pepinos-do-mar
e moluscos de toda ordem são separados,
estudados e fertilizado artificialmente em
um laboratório da Estação
Ferraz. A idéia, explica, Teresinha,
é provar que há uma relação
semelhante entre a reprodução
desses animais, tanto no frio, como em mares
tropicais.
Também veterano no
Proantar, Armando Hadano, 45 anos, é
pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas
Especiais (Inpe). Assim como Teresinha Absher,
ele foi homenageado pelo governo brasileiro
durante as comemorações dos
20 anos da Estação Ferraz. Hadano
fez parte da primeira expedição
brasileira à Antártica, em 1982.
Desde então, passou nove invernos na
região. Ele pesquisa fenômenos
naturais ligados à ionosfera _ camada
da atmosfera por onde circulam as chamadas
ondas de rádio de baixa freqüência,
ou VLF (Very Low Frequency).
É um projeto voltado
para o setor de telecomunicações,
ainda pouco explorado pelo Brasil. Os submarinos
nucleares dos Estados Unidos, por exemplo,
utilizam a VLF para se comunicar com segurança.
“Na Antártica, podemos entender como
funcionam as interferências”, explica.
“Pode parecer um estudo distante, mas é
uma importante aquisição de
conhecimento científico para o país”.
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