Vlice Klausz completou
96 vôos nos aviões Hércules
C-130 que fazem a rota para a Antártica.
É uma comissária de bordo
muito especial que garante comida quentinha
e de boa qualidade às tripulações
que se destinam à base Comandante
Ferraz
Punta Arenas (Chile)
- Alice Klausz, 76 anos, é uma aeromoça
muito especial. E não porque o termo
“moça” soa distante do registro da
idade. Mas, justamente, porque faz coisas
que moça nenhuma ainda se arriscou
a fazer. Há 15 anos, Alice se espreme
nas entranhas de lonas e engrenagens dos aviões
C-130 “Hércules”, da Força Aérea
Brasileira, para garantir comida de boa qualidade
_ e quente _ para os tripulantes e passageiros
das missões antárticas.
Ana
Nascimento/Abr |
É a única comissária
a fazer esse serviço no país.
É tratada por “tia”, tanto na
FAB, força responsável
pelos sete vôos anuais do Programa
Antártico Brasileiro, como na
Marinha, gerente do Proantar. O tratamento,
carinhoso na origem, virou uma espécie
de patente alternativa, inclusive para
os passageiros. Firme nos modos, leve
nos movimentos, tia Alice completou,
na semana passada, 96 vôos de
C-130. Cada um deles é |
Ana
Nascimento/Abr
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representado por um broche
em forma de pingüim fixado em uma inseparável
touca de lã. O paramento, pesado de tantos
adereços, só é usado, no
entanto, na hora em que ela pisa no gelo. “Se
Deus quiser, completo 100 vôos até
dezembro”, diz Alice. É bem provável
que essa breve profecia se realize. Saudável
e bem disposta, a aeromoça também
é responsável pela organização
dos horários dos passageiros em Pelotas
(RS), onde a Marinha distribui as roupas de
frio do Proantar, e em Punta Arenas, no Chile,
ponto de partida para a travessia em direção
à Antártica.
Gaúcha de Porto Alegre,
Alice Klausz foi comissária de bordo
da Varig por 35 anos. Em outubro de 1989,
já aposentada, foi convidada a participar
de um dos vôos antárticos da
FAB. Ficou horrorizada com o serviço
de bordo, umas caixinhas com sanduíches
frios, chocolates e torradas. Na volta, foi
conversar com o pessoal da Marinha sobre a
péssima alimentação apresentada
à tripulação e aos convidados.
Propôs, então, uma dieta à
base de comida quente, chá, café
e chocolate com leite. “O pessoal da Marinha
arregalou os olhos”, conta, divertida. “Eles
não tinham dinheiro para comprar essas
coisas e, ainda por cima, instalar um forno
dentro de um C-130”. Foi quando tia Alice
entrou em ação pela primeira
vez: conseguiu tudo de graça com a
Varig, e virou a aeromoça do “Hércules”.
O trabalho de Alice é
voluntário. Ela não recebe nenhuma
remuneração. Nos primeiros cinco
anos de serviço, também pagava
do próprio bolso as despesas de hospedagem
e alimentação em Pelotas e Punta
Arenas. Depois, a Marinha autorizou que ao
menos os gastos com hotel fossem aliviados.
Até hoje, no entanto, ela espera os
grupos de vinte taifeiros _ dez da Marinha
e dez da Aeronáutica _ que deveriam
ter sido treinados para substituí-la
nos vôos. “Ainda bem que eles nunca
vieram”, afirma, sorriso estampado no rosto.
Gaúcha de Porto Alegre,
tia Alice começou a fazer vôos
regulares para a Antártica em dezembro
de 1989. No ano seguinte, foi atropelada por
uma bicicleta no Rio de Janeiro, onde mora.
Passou nove meses fora de combate. Por isso,
perdeu quatro vôos. Mas não desistiu.
Depois disso, só deixou de participar
de uma única missão, em 1999.
Naquele ano, a lista de convidados incluiu
a turma de humoristas do “Casseta & Planeta”,
da TV Globo. “Eu sabia que aquela gente iria
desrespeitar a Marinha, a FAB, o programa
antártico”, reclama. “Então,
avisei que não iria participar de uma
palhaçada com o meu trabalho”. Os cassetas
foram, tia Alice ficou. Mas treinou uma outra
pessoa para servir a comida.
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