01/11/2005 - O vencedor
do Prêmio Nobel de Literatura defende
a adesão de editoras e autores à
campanha do Greenpeace e critica atuação
do governo brasileiro na Amazônia.
Apontado pelo crítico
literário Harold Bloom como o maior romancista
vivo, José Saramago fez na última
sexta-feira no Brasil o lançamento mundial
de seu novo livro, “As Intermitências
da Morte”, que fala sobre uma história
de amor entre um violoncelista obcecado pela
suíte no. 6 de Bach e a morte, personalizada
na figura de uma mulher sedutora.
Em entrevista exclusiva
ao Greenpeace, o autor contou por
que decidiu aderir à campanha
de proteção às
florestas primárias do mundo
e como pediu a suas editoras que lançassem
sua nova obra em papel certificado.
Para Saramago, único autor
de língua portuguesa vencedor
do Prêmio Nobel de Literatura,
se várias editoras e autores
aderirem à campanha do Greenpeace,
isso poderia ser o princípio
de uma pequena revolução
para salvar as florestas do planeta.
O escritor falou ainda sobre os problemas
ambientais e a crise política
no Brasil, afirmando que o último
referendo feito no País foi
um sinal de que o governo brasileiro
está sem rumo. “A quem ocorreu
essa idéia absurda?” E ironizou:
“Vamos agora
|
referendar tudo. Amanhã,
se o governo decidir fazer um novo referendo
para decidir se deve defender ou não
a Amazônia, espero que o povo brasileiro
vote 100% a favor.
Leia abaixo os principais
trechos da entrevista com o escritor:
Por que o senhor decidiu
aderir à campanha do Greenpeace e pedir
a suas editoras para que lançassem
seu livro em papel certificado?
Confesso que nunca tinha pensado nisso antes.
Eu estava interessado no que estava se passando
no mundo neste particular, mas nunca tinha
pensado em fazer algo a respeito. Então
o pessoal do Greenpeace da Espanha procurou
a mim e a minha mulher e me deram toda a documentação
a respeito. Daí me dei conta da urgência
de fazer alguma coisa. A partir desse momento
decidi que meu próximo livro seria
lançado de forma sustentável,
utilizando papel certificado. E isso aconteceu
tanto na edição portuguesa,
quanto na brasileira (Companhia das Letras),
nas espanholas (que irão para toda
a América Latina) e na catalã.
Provavelmente, as próximas edições
a serem traduzidas, a alemã e a francesa,
também terão um papel que respeite
o meio ambiente. E os editores de Portugal
e do Brasil foram tão receptivos à
idéia que já acertamos que todas
as reedições de meus livros
anteriores também serão feitos
com papel certificado.
O senhor espera que seu
exemplo seja copiado por outros autores?
Espero que esse tipo de atitude se espalhe
e, se editores e autores pensarem que essa
é uma boa solução para
a defesa do meio ambiente, isto pode ser o
princípio de uma pequena revolução
para salvar a vida do planeta.
Como o senhor vê hoje
a crise ambiental que atinge o planeta?
Bom, a Amazônia vive hoje uma tragédia
ambiental com a seca, e há uma grande
preocupação com as tragédias
como os furacões e inundações
em todos os continentes. Deve-se pensar que
o planeta é um planeta vivo, que já
passou por períodos de secas, glaciações
e está sujeito a essas catástrofes
ambientais. Mas deve-se diferenciar as ações
climáticas naturais daquelas causadas
pelo homem. Por exemplo, o que está
a acontecer na Amazônia por causa do
corte de árvores. 17% da Amazônia
já desapareceu. Se isso chegar a 30%,
todo o regime de chuvas e umidade se modificará,
com conseqüências drásticas
para o planeta. O que realmente me preocupa
é que a Amazônia não tem
dono, ou não deveria ter. É
tudo do Estado. Mas o que está acontecendo
é uma total impotência do governo
para controlar o processo de grilagem e invasão
de terra públicas na Amazônia.
A Amazônia está no Brasil e vocês
são brasileiros. Então resolvam
o caso.
O senhor sempre teve muita
preocupação com as questões
sociais. O que deve ser priorizado, a produção
de alimentos ou a preservação
ambiental?
O ideal é que não haja nenhuma
prioridade. A única solução
é garantir a produção
de alimentos sem afetar a preservação
ambiental. Porque, se não, ou acabamos
por morrer de fome, ou o planeta se torna
inabitável, e terminamos por morrer
também. E as duas opções
são péssimas.
O que o senhor acha dos
transgênicos?
Não tenho muita informação
sobre isso. O importante é que as pessoas
entendidas no assunto passem informações
objetivas e claras e não manipuladas
para que não tomemos partido levianamente
só porque lemos um artigo que diz que
os transgênicos são bons ou ruins.
Temos que estar informados. Quando dizemos
que vivemos em uma sociedade da informação,
isso não significa grande coisa. Significaria
muito mais se vivêssemos em uma sociedade
de pessoas informadas.