11/11/2005 - Gro Brundtland,
“mãe” do conceito de “desenvolvimento
sustentável”, vem ao Brasil e afirma
que os Estados Nacionais e seus governos pensam
a curto prazo e assim são incapazes
de tratar dos problemas ambientais que atingem
todo o planeta. E acredita que a sustentabilidade
não pode ser privilégio de países
ricos, mas sim uma conquista daqueles que
consolidarem regimes democráticos,
nos quais a sociedade tem maior poder de cobrança.
A figura da médica
norueguesa Gro Harlem Brundtland transmite
uma solidez compatível com sua trajetória
profissional. Aos 66 anos, Brundtland ostenta
no currículo a chefia do governo da
Noruega (foi primeira-ministra entre 1986
e 1996) e da Organização Mundial
da Saúde (OMS) de 1998 a 2002. Primeira-Ministra,
ficou famosa por nomear oito mulheres para
cargos-chaves de seu gabinete. Na OMS, por
lançar uma campanha bem-sucedida contra
a indústria do tabaco.
Mas sua consagração
como liderança mundial – o jornal Financial
Times a qualificou no ano passado como uma
das quatro personalidades européias
mais influentes dos últimos 25 anos,
ao lado do Papa João Paulo II, Mikhail
Gorbachev e Margaret Thatcher – passa obrigatoriamente
por seu trabalho à frente da Comissão
Mundial sobre o Desenvolvimento e o Meio Ambiente,
das Nações Unidas, que, em 1987,
publicou o relatório “Nosso Futuro
Comum”. A Comissão Brundtland, como
ficou conhecida, cunhou neste trabalho o conceito
de “desenvolvimento sustentável” e
recolocou na agenda mundial a perigosa relação
do homem com o meio ambiente.
O relatório alertava
para a forma insustentável como a humanidade
vinha crescendo. Pedia investimentos em fontes
alternativas de energia (para substituir os
combustíveis fósseis), em transporte
público (para reduzir a poluição
nas grandes cidades) e na gestão de
recursos hídricos. Suas informações
ajudaram a transformar a III Conferência
das Nações Unidas para o Meio
Ambiente e Desenvolvimento, conhecida como
ECO 92 - realizada no Rio de Janeiro há
13 anos –, em um marco na história
do movimento ambientalista mundial.
Apesar distas conquistas,
Gro Brundtland ainda teme pelo mundo que seus
nove netos herdarão. Em visita ao Brasil
esta semana, para participar da entrega de
um prêmio para empresas socioambientalmente
responsáveis, diz que o desenvolvimento
sustentável é uma meta atingida
em poucos e insuficientes locais do planeta.
“As futuras gerações não
votam nem pagam impostos, por isso não
são prioridade para os atuais governantes”.
Mas faz questão de frisar: “A democracia
é a única forma de sociedades,
por mais pobres que sejam, de cobrar ações
transformadoras dos governos. É o caminho
para um futuro melhor”. O ISA participou de
entrevista coletiva com Brundtland. Leia abaixo
alguns trechos da conversa.
Pergunta - Como a senhora
avalia o impacto do relatório “Nosso
Futuro Comum”?
Brundtland - O relatório
teve impacto muito grande, foi além
do movimento ambientalista. E isso levou a
uma mudança em políticas públicas
que prepararam o terreno para a ECO-92. Mas
tivemos muitas decepções depois,
como a enorme dificuldade de comprometer países
em relação à políticas
climáticas. O problema é que
compromissos como o Protocolo de Kioto foram
assinados por mais países pobres do
que ricos, como os Estados Unidos. A não
adesão americana é um grande
problema, pois permite que países como
Brasil, China e Índia se esquivem de
estabelecer metas próprias [de redução
de emissão de gases de efeito estufa].
E torna o ritmo demasiado lento. De todo modo,
não há milagre que faça
o meio ambiente se tornar uma prioridade para
os governos. Temos que dar passo por passo
até chegar um ponto de maturidade real.
A senhora acredita que o
conceito de desenvolvimento sustentável
foi realmente assimilado pela comunidade mundial?
Posso dizer que se trata
de um conceito conhecido, em alguns países
mais do que em outros. Muitas pessoas sabem
que é preciso oferecer qualidade de
vida ao maior número de pessoas possível,
sem comprometer as futuras gerações.
O problema é que o papel de cada um
ainda não está claro. Enquanto
muitas empresas lideram processos de transformação
em seus setores de atividade, outras permanecem
ignorando os avisos do relatório. Nossa
sorte é que muitas ONGs trabalham duro
para alertar a sociedade sobre as atividades
das empresas em relação ao meio
ambiente. Isso é uma ajuda importante.
Como a senhora avalia a
falta de acordos multilaterais em questões
relacionadas à preservação
ambiental?
Isso equivale a perguntar
como a humanidade enfrenta seus problemas.
Temos que nos lembrar que, ainda que as questões
ambientais ignorem fronteiras e a existência
de Estados-Nações, o mundo é
controlado por governos, que fazem acordos
muito difíceis. As ações
para chegarmos ao desenvolvimento sustentável
têm um alto custo e vão beneficiar
as futuras gerações. Acontece
que os que estão por vir ainda não
votam nem pagam impostos. E os organismos
multilaterais não têm poderes
sobre países. Essa perspectiva provoca
muita decepção, mas acredito
que em cem anos teremos mais acordos internacionais
que fortaleçam ações
sobre assuntos como a preservação
ambiental.
De que forma países
como o Brasil podem, na prática, conquistar
um modelo de desenvolvimento sustentável?
Acredito que seja pela via
democrática, que decide as regras do
jogo. Não estou a par da política
interna brasileira, mas sei que falta uma
política eficiente para a proteção
da bacia amazônica. O uso de energias
poluentes é um problema para todos
os países, e alternativas, como o biocombustível,
devem ser pensadas e receber investimentos.
Mas nenhum país vai crescer de forma
sustentável isoladamente. O cenário
mundial tem um peso muito grande nessa balança.
Acredito que tanto no Brasil como na Noruega,
por mais diferentes que sejam suas realidades,
os governos são responsáveis
pelo que fazem as empresas, e devem ser cobrados
por instituições e pela sociedade
civil. A cobrança permanente dos governantes
é fundamental para que a democracia
caminhe numa direção desejável.
Como soluções
para problemas ambientais podem ser aplicadas
em locais onde questões sociais básicas,
como a fome e o desemprego, ainda não
foram resolvidas?
A Prêmio Nobel da
Paz do ano passado, Wangari Maathai, do Quênia,
que é um país muito mais pobre
que o Brasil, mobilizou centenas de comunidades
locais para plantar árvores, pensando
numa sustentabilidade futura. Esse é
um exemplo forte de que a pobreza não
pode ser um obstáculo para se atingir
o desenvolvimento sustentável. A questão
no Brasil é saber se os governos podem
fazer mais do que estão fazendo para
apoiar atividades locais. Nas comunidades
do interior do país é que podem
se encontrar soluções. As antigas
vilas pobres da área rural da Noruega,
por exemplo, hoje oferecem uma qualidade de
vida muito melhor do que a existente na capital,
Oslo, graças à presença
de serviços públicos eficientes.
A senhora acredita que a
gripe aviária e outras doenças
contagiosas são uma ameaça global?
É preciso agir com
eficiência para o problema não
se agrave. Enquanto centenas de países
têm planos contra a gripe, muitos outros
ignoram o assunto. E já há indícios
de que a doença atingiu animais selvagens
na Europa, o que aumenta muito a chance de
que chegue a outros continentes, como a África,
em razão dos ciclos migratórios
da aves.