10/12/2005 - Naquela conversa
com o bispo da Prezalia do Xingu, Dom Erwin
Krautler, em 1982, começava a luta
da missionária Dorothy Stang por uma
das áreas mais pobres e necessitadas
da região Amazônica. Cortada
pela rodovia Transamazônica, a pequena
Anapu, cidade abandonada após uma colonização
fracassada durante a ditadura militar, foi
indicada à missionária como
uma das mais carentes da região.
"Ela queria dedicar
a vida às famílias isoladas
que estão na miséria. Daí
eu indiquei a Transamazônica leste,
o trecho entre Altamira e Marabá. E
para lá ela foi", contou o bispo.
O nome Anapu vem do tupi-guarani e quer dizer
"ruído forte". Segundo habitantes
da região, o nome "provavelmente
faz referência ao barulho produzido
pelo volume de água do rio Anapu".
Com uma área de 11.895 quilômetros
quadrados e pouco mais de 8 mil habitantes,
a cidade se tornaria anos mais tarde um dos
principais pontos de conflito na luta pela
terra.
A partir da década
de 80, a região de Anapu, o centro
do estado, mais conhecido como Terra do Meio,
e o sul e sudeste passaram a formar a área
de maior pressão de desmatamento da
floresta, o que gerava conflitos entre grileiros,
madeireiros, pequenos produtores e posseiros.
Dorothy denunciou por diversas vezes a situação
às autoridades brasileiras. "Ela
começou a trabalhar pela criação
das reservas. Dorothy é o símbolo
de luta defensora das reservas e das unidades
de conservação. Os moradores
que estavam nesses lugares sempre eram retirados
porque chegava alguém e dizia que já
era dono daquela terra", explica Antonia
Melo, a "Toinha", do Grupo de Trabalho
Amazônico em Altamira, uma antiga companheira
da missionária assassinada.
Em junho de 2004, Dorothy
esteve presente na Comissão Parlamentar
Mista de Inquérito sobre a violência
no campo e denunciou que o quadro de impunidade
agravou os conflitos. Para ela, os grileiros
não respeitam as terras já demarcadas,
uma vez que as promessas de ações
no estado não vêm sendo cumpridas.
A audiência contou com a presença
do ministro do Desenvolvimento Agrário,
Miguel Rossetto, e o próprio relator
da Comissão, o deputado federal João
Alfredo (PT-CE), pediu a criação
de uma força-tarefa entre Ministério
Público e Polícia Federal para
atuar no Pará.
Segundo aqueles que conheciam
Dorothy Stang, seu maior sonho – que em parte
estava materializado na luta pelos projetos
de desenvolvimento sustentável – era
que os trabalhadores rurais conquistassem
o direito a um pedaço de terra para
cultivar. Os amigos a viam como uma mulher
destemida. Toinha define Dorothy como "uma
força de mulher comprometida com a
justiça, com as causas sociais, com
o meio ambiente e com um desenvolvimento responsável".
Nascida em 7 de junho de
1931, na cidade de Dayton, no Estado de Ohio,
Dorothy veio para o Brasil em 1966. Fazia
parte de uma congregação internacional
da Igreja Católica – Irmãs de
Notre Dame de Namur – que tem como princípio
ajudar os mais pobres e marginalizados. Sua
primeira experiência foi em Coroatá
(MA), onde acompanhou o trabalho dos agricultores
nas comunidades eclesiais de base. Com o passar
do tempo, o povo já não tinha
onde plantar e precisava se submeter aos mandos
e desmandos dos latifundiários. Diante
da situação, muitos migraram
para o Pará e Dorothy acompanhou esse
movimento.
Aos 73 anos, voz baixa e
mansa, andava sempre sorridente e determinada.
"Ela levou até o fim aquilo que
acreditava, que era a solução
para aquela terra. Defendeu e lutou para a
criação de um modelo de assentamento
que respeitasse a floresta", diz o senador
Sibá Machado (PT-AC).
O engajamento para a criação
dos PDSs – novo modelo de assentamento baseado
na produção agrícola
familiar, atividades extrativistas de subsistência
e baixo impacto ambiental – alimentou a ira
dos fazendeiros e grileiros e atraiu os olhares
para Dorothy. "Quando se levanta a voz
contra aqueles que se dizem donos do poder,
certas coisas acontecem. O projeto de desenvolvimento
sustentável veio de encontro aos interesses
dos grandões. O PDS era uma ameaça
para eles", afirma padre Amaro. "Muitos
atribuíam a idéia do projeto
a Dorothy. Aí, deu no que deu",
acrescenta Toinha, referindo-se à morte
da amiga.
Segundo a irmã Maria
Alice, também da congregação
das irmãs de Notre Dame em Anapu, pouco
tempo depois da destinação de
uma área para o PDS, os grileiros se
apossaram do lugar. "Eles chegam com
um testa-de-ferro, chamado de varredor, dizem
que as famílias têm que sair
e fazem diversas ameaças. Com isso,
afastaram muita gente de áreas de PDS",
conta.
Da mesma forma que morreu
Dorothy Stang, os interesses dos grandes fazendeiros,
grileiros e madeireiros ilegais calaram vários
líderes brasileiros, como Chico Mendes,
irmã Adelaide e Padre Josimo. A luta
da freira pelo direito dos pequenos agricultores
na Amazônia foi interrompida por seis
tiros à queima roupa no dia 12 de fevereiro.