De Rondônia a São
Paulo, operação sigilosa expõe,
a olho nu, a falta de controle sobre a atividade
madeireira na Amazônia
19/12/2005 - Ativistas
do Greenpeace entregaram na manhã desta
segunda um carregamento de madeira amazônica
ilegal na sede da Polícia Federal em
São Paulo. A carga de 29 metros cúbicos,
transportada por uma carreta, foi comprada pelo
Greenpeace em Rondônia, em uma espetacular
operação de inteligência
que levou quatro meses para ser completada com
sucesso.
Junto com a madeira
ilegal, a organização
ambientalista entregou à PF documentos
utilizados na legalização
da madeira – notas fiscais e Autorizações
de Transporte de Produto Florestal (ATPFs)
– e um dossiê com locais, nomes
de pessoas e empresas envolvidas na
extração e ‘lavagem’ do
produto. O Greenpeace também
pediu formalmente ao Ministério
Público Federal, em Rondônia
e São Paulo, que apure as denúncias.
|
A operação
sigilosa ganhou destaque no domingo no “Fantástico”,
programa da Rede Globo de Televisão.
“Esta denúncia tem dois objetivos: mostrar
como o comércio clandestino de madeira
amazônica abastece o mercado interno e
contribuir para que o governo federal corrija
as falhas do atual sistema de monitoramento
e controle da atividade madeireira”, disse Paulo
Adário, coordenador da campanha Amazônia
do Greenpeace. De acordo com Adário,
o sistema atual, a cargo do Ibama, “precisa
ser radicalmente modificado”.
“Há
um novo sistema de controle em estudo
há tempos pelo Ibama que ainda
não foi implementado”, disse
Adário. “Enquanto espera, o consumidor
é obrigado a comprar madeira
muitas vezes ilegal, impostos são
sonegados, crimes são cometidos,
o poder público se desmoraliza
e a Floresta Amazônica é
destruída.” Segundo o Greenpeace,
o governo federal deve dar prioridade
absoluta ao reaparelhamento e fortalecimento
das |
instituições
encarregadas de fazer valer a lei, como o próprio
Ibama e a Polícia Federal. O Greenpeace
defende também a aprovação
urgente, pelo Congresso, do projeto de lei que
modifica a gestão de florestas públicas
para aumentar a oferta de madeira legal ao mercado.
A madeira ilegal entregue hoje à Polícia
Federal foi extraída de áreas
no entorno dos municípios de Cujubim
e Machadinho D’Oeste, nordeste de Rondônia.
A maior parte destas áreas está
sendo desmatada para servir de pastagens de
gado. As toras foram serradas na Serraria Fortaleza,
em Cujubim (RO). A nota fiscal e a ATPF (1),
documentos verdadeiros que acompanharam a carga
em seu transporte até São Paulo,
foram compradas de um “atravessador” no município
de Ariquemes, também em Rondônia.
O caminhão carregado de madeira ilegal
percorreu mais de 3 mil quilômetros de
rodovias federais e estaduais, atravessou três
fronteiras interestaduais e dois postos de fiscalização
do Ibama – Trevo de Vilhena, em Rondônia,
e Trevo do Lagarto, no Mato Grosso. Ao chegar
em São Paulo, a carga foi estocada em
um galpão até sua entrega na PF.
“Este carregamento ilegal
jamais seria identificado pelas autoridades
por estar lastreado com documentos legais”,
afirmou Rebeca Lerer, coordenadora do programa
Cidade Amiga da Amazônia do Greenpeace.
“Nossa ação mostra que, além
de atividades criminosas clássicas,
como falsificação de documentos,
existe um fato ainda mais grave: o uso de
documentos oficiais para ‘lavar’ produtos
ilegais”.
De acordo com a instituição
de pesquisa Imazon, o mercado brasileiro consome
64% da madeira extraída da Amazônia
– apenas São Paulo responde por cerca
de 15% deste total. O presidente do Ibama,
Marcus Barros, declarou recentemente à
imprensa que 90% da madeira amazônica
têm origem ilegal. Ainda segundo o Ibama,
são emitidas mais de 1 milhão
de ATPFs por ano na Amazônia Legal.
A operação do Greenpeace revela
que muitas vezes esses documentos oficiais
são usados para legalizar madeira ilegal.
“Isso pode explicar o fato
de que o mercado de madeira em São
Paulo não foi paralisado pela Operação
Curupira I, do Ibama e da Polícia Federal,
que levou intensa presença do estado
ao Mato Grosso, principal fornecedor do mercado
paulista”, disse Rebeca Lerer.
O Greenpeace reconhece que
poucas vezes houve um esforço tão
grande por parte do Ibama para combater a
exploração ilegal de madeira
como há agora. Mas, para a organização
ambientalista, apenas operações
de fiscalização não resolvem
o problema. Em 2005, o governo federal realizou
três grandes operações
policiais para combater o tráfico de
madeira ilegal.
A prefeitura de São
Paulo, que aderiu ao programa Cidade Amiga
da Amazônia em junho de 2005, foi informada
hoje formalmente sobre a denúncia.
A expectativa do Greenpeace é que o
governo municipal intensifique ações
de fiscalização na cidade a
fim de combater o comércio de madeira
amazônica de origem ilegal.
O programa, lançado
pelo Greenpeace em maio de 2003 , estimula
prefeituras a implementar leis e normas para
evitar o consumo de madeira amazônica
ilegal ou proveniente de desmatamentos e extração
criminosa. “As prefeituras querem comprar
madeira de origem legal e sustentável,
mas dependem da eficácia do sistema
federal de controle da madeira para cumprir
seus compromissos”, afirma Rebeca Lerer, coordenadora
do Cidade Amiga da Amazônia.
O Greenpeace enviou ainda
comunicado às cidades participantes
do programa sugerindo que as prefeituras expressem
sua preocupação com a denúncia
e solicitem ao Ibama a verificação
dos documentos da madeira utilizada nas obras
públicas. A maioria destas prefeituras
exige ATPF como comprovação
de origem legal da madeira que consomem. Atualmente,
26 municípios participam do programa,
incluindo São Paulo, Campinas, Guarulhos
e as sete cidades do Grande ABC, no estado
de São Paulo; Manaus, no Amazonas;
e Rio Grande, Santa Maria e São Leopoldo,
no Rio Grande do Sul.