04/01/2006
- Análise da biologia de determinada
espécie de mosca, que participa do
processo de decomposição de
animais, pode revelar dia exato da morte.
Vista sob uma nova ótica,
a morte deixou de representar o fim de uma
história. Ausentes de espíritos,
mas ainda ricos em massa orgânica, os
cadáveres têm muito a revelar,
inclusive a causa de suas mortes. É
o que mostram estudos avançados na
área da Entomologia Forense. Alguns
insetos que ajudam na decomposição
desses corpos podem revelar há quanto
tempo uma pessoa está morta. “É
a aplicação dos estudos sobre
insetos em questões legais, como a
solução de crimes”, afirma Alexandre
Ururahy, doutorando nesse campo de pesquisa,
pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
(Inpa).
Ururahy revela que os insetos são os
principais decompositores de matéria
orgânica. O estudo em torno da biologia
desses animais pode garantir a base para qualquer
investigação criminal prosseguir:
o dia da morte. Como são várias
espécies de insetos que parasitam carcaças,
é necessário que sejam analisadas,
separadamente, cada uma delas em interação
com o material. “A minha pesquisa tem como
objetivo maior identificar e quantificar um
determinado tipo de mosca varejeira que participa
do processo de decomposição
desses corpos e em que época elas são
mais abundantes”, explica o pesquisador.
Essas moscas são conhecidas da população.
Apresentando uma coloração esverdeada
e visivelmente maiores que os tradicionais
exemplares que têm o hábito de
visitar as residências, as varejeiras
podem ser encontradas em feiras livres, pousando
em carnes e peixes. Seu ciclo de vida está
condicionado à alimentação
e reprodução.
A identificação das moscas e
do estágio (idade) de suas larvas que
já habitam o corpo em decomposição
é o primeiro passo a ser dado pelos
cientistas. Amostras do material são
encaminhadas a laboratórios que revelarão
a espécie e a etapa do ciclo de vida
em que se encontra o inseto. Além destes,
outros componentes também devem ser
considerados para o cálculo do intervalo
pós-morte (IPM). “É preciso
tirar uma média da temperatura da cena
do crime, a partir da máxima e a mínima,
e da massa de larvas encontrada no corpo do
animal. Esse procedimento deve ser feito durante
pelo menos um mês, para captarmos a
temperatura ambiente dos dias que antecederam
o encontro do cadáver. Isso é
importante para garantir a precisão
do cálculo”, aponta Ururahy.
Cada espécie de larva tem um tempo
de desenvolvimento específico em diferentes
regimes de temperatura. De acordo com Ururahy,
uma das espécies por ele estudadas
leva 118h para chegar ao terceiro estágio,
no qual a larva já está maior,
mas ainda não transformou-se em pupa
(casulo que abriga a larva e lhe garante proteção
durante sua evolução). “Se um
corpo foi descoberto em determinado dia e
nele foram encontradas larvas nesse estágio,
automaticamente, nós que conhecemos
a espécie encontrada, já podemos
arriscar dizer quanto tempo a pessoa ou o
animal está morto”, ratifica o pesquisador.
Experimentos – A pesquisa encabeçada
por Ururahy tem apoio financeiro do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico (CNPq) e conta com a
logística do Inpa. Os experimentos
começaram a ser desenvolvidos em julho
desse ano na Reserva Adolpho Ducke. São
sacrificados suínos de 60kg, dois a
dois por experimento, com acompanhamento da
decomposição durante 30 dias
consecutivos, para coleta das moscas varejeiras.
Análises feitas em outros ambientes,
que não a Reserva, mostrarão
outros resultados, por que o clima e a fauna
nativa de cada região são fatores
que fazem a diferença no IPM.
Nesse caso, o interesse pela Reserva Ducke,
tendo sido esta escolhida como sede dos experimentos,
deve-se ao fato de que, tanto na região
amazônica quanto na maior parte dos
estados, os autores de crimes, em sua maioria,
procuram lugares distantes, de mata fechada,
como florestas, pântanos, etc., para
“desovarem” os corpos.
A determinação do dia da morte
por meio desse método só é
válida em ambiente abertos. “Corpos
encontrados em porta-malas ou ensacados dificultam
o acesso dos insetos. Um mosca leva mais dias
para conseguir chegar a um corpo que se encontra
nessas situações. Portanto,
o estágio das larvas poderá
não corresponder ao dia exato em que
a pessoa morreu. Mas se estiver em ambiente
aberto, bate no dia certo o calculo da morte”,
destaca Ururahy.
Repasse das informações – Aqui
na região Norte, somente o Inpa coordena
pesquisas na área da Entomologia Forense.
Está localizada em Brasília,
na Universidade Federal, a sede das pesquisas
nesse campo, no Centro Nacional de Entomologia
Forense. Apesar de incipiente no Brasil, esse
meio de “investigação científica”
já é trabalhado na França
desde 1855.
Ao contrário do que a maioria das pessoas
pensa, essa não é uma demanda
própria das Instituições
de Pesquisa e das Universidades. “Nosso objetivo,
a partir dos estudos desenvolvidos, é
treinar as polícias civil e federal
- especialmente os peritos criminais – e os
médicos legistas para a execução
desse ofício. Coletar uma amostra no
tempo certo e armazená-la adequadamente
não é trabalho para qualquer
um. E esse é um grande problema. Quando
são encaminhados materiais para nós
analisarmos, muitas vezes temos dificuldade
em fazer nosso trabalho por que a pessoa que
teve acesso ao material no local não
soube manejá-lo corretamente”, ressalta
Ururahy.
Nesse sentido, desde 2004 o pesquisador vem
ministrando, junto a outros cientistas, um
curso sobre Entomologia Forense em Brasília
para esses públicos.
Segundo Ururahy, em Manaus, reuniões
entre o Instituto Médico Legal (IML)
e pesquisadores do Inpa já apontam
para um avanço na área. “O IML
procurou o Dr. José Albertino, que
é o orientador da minha pesquisa, no
início desse mês para verificar
a possibilidade de montarmos um núcleo
de Entomologia Forense dentro do instituto.
A meta é treinarmos os médico
legistas de lá. Nada ainda está
definido. Ainda estamos em fase de negociação”,
declara.