18/01/2006
- (título original: Manifesto contra
declarações do Presidente da
Funai, Mércio Gomes, que propõe
limitar o direito territorial dos Povos Indígenas
do Brasil)
A Coordenação das Organizações
Indígenas da Amazônia Brasileira
(Coiab), em resposta às declarações
do presidente da Fundação Nacional
do Índio (Funai), Mércio Pereira
Gomes, veiculadas na imprensa no dia 12 de
janeiro de 2006, questionando o direito originário
dos povos indígenas às terras
que tradicionalmente ocupam, vem a público
manifestar:
Incomodado com a divulgação
de informações sobre o elevado
número de mortes de índios durante
o ano de 2005, decorrentes na sua maior parte
da lentidão nos processos de regularização
das terras indígenas, conseqüentemente
da pressão e atos de violência
cometidos contra a população
indígena por os mais diversos tipos
de invasores, o Presidente da Funai, Mércio
Gomes, declarou à Agência de
notícias Reuters, no dia 12 de janeiro
de 2006, que os povos indígenas do
Brasil têm terra demais: “Até
agora, não há limites para suas
reivindicações fundiárias,
mas estamos chegando a um ponto em que o Supremo
Tribunal Federal terá de definir um
limite”.
A Coiab reafirma publicamente
que as mortes de índios no Brasil,
seja pela violência praticada pelos
invasores das Terras Indígenas ou pela
incapacidade de definir e implementar políticas
públicas eficientes e de qualidade
nas áreas da saúde, da educação
e da sustentabilidade para os povos indígenas
são, sim, de responsabilidade do atual
Governo, que esses anos de mandato esqueceu
totalmente dos seus compromissos assumidos
durante mais de 20 anos junto às lideranças
e instâncias representativas dos povos
indígenas. Só durante o ano
de 2005 que esse governo abriu-se para dialogar
com o movimento indígena, após
de muita pressão desses povos e suas
organizações, que sempre foram
ignorados e desrespeitados, de modo particular
pelo presidente do órgão indigenista.
Com relação
à demarcação das terras
indígenas e às reivindicações
dos povos indígenas, envolvendo não
só a regularização, mas
também Programas de vigilância,
proteção e sustentabilidade
das terras indígenas, é lamentável
que o antropólogo Mércio Gomes
tente descaracterizar a importância
da terra e as implicâncias da falta
dessa terra para os povos indígenas,
contradizendo afirmações que
ele próprio explicitou em trabalho
desenvolvido com o povo Tenetehara (Guajajara),
no Maranhão: “um povo indígena
sem terras suficientes para exercer seu modo
de ser se vê forçado a mudar,
a deixar de lado muitas características
sociais e culturais que reforçam sua
etnicidade, e se adaptar a um novo modo, mais
parecido com o modo camponês de ser.
No limite, a etnia pode se desagregar em grupos
familiares ou indivíduos desconectados
que passam a buscar sua sobrevivência
por conta própria...”.
Ao declarar que “É
terra demais. Até agora não
há limites para suas reivindicações
fundiárias”, o presidente da Funai
parece na verdade querer que este seja o destino
dos povos indígenas. E essa intenção
etnocida ele propõe que seja institucionalizada
através de decisão do Supremo
Tribunal Federal (STF), limitando o direito
territorial dos povos indígenas.
Na prática, o presidente
da Funai já agiu nesse sentido, ao
ser um dos principais responsáveis
pela paralisação dos processos
de regularização das terras
indígenas desde fins de 2003. Não
adianta agora tentar desmentir as suas deslavadas
afirmações, porque estas já
foram há muito tempo legitimadas ao
concordar com medidas inconstitucionais como
a redução da Terra Indígena
Baú, do povo Kaiapó, no Pará.
Querer que o STF limite
os direitos territoriais dos povos indígenas,
é induzir ao cometimento de um ato
ditatorial de inversão do direito constitucional
dos povos indígenas, em favor de interesses
econômicos e políticos que como
o presidente da Funai propõem e defendem
a redução das terras indígenas,
no Congresso Nacional, desprezando a grande
diversidade étnica e cultural composta
por mais de 230 povos indígenas diferentes,
realidade essa que dispensa comparações
estúpidas como a de que a área
ocupada pelos índios no Brasil é
maior que a de países da Europa.
Vangloriar o Governo Lula
por ter homologado a Terra Indígena
Raposa Serra do Sol e dizer que o Brasil tem
uma das políticas indigenistas mais
avançadas é querer tapar o sol
com a peneira, pois o atual Governo cumpriu
nada mais do que seu papel constitucional
de fechar administrativamente o processo de
regularização desta terra, que
por sinal só aconteceu depois de muita
pressão e longos desgastes e sofrimentos
para as organizações e povos
indígenas da região, provocados
pela morosidade dos próprios órgãos
e autoridades de Governo. O volume reduzido
de Terras Indígenas regularizadas e
a situação de calamidade pública
em que anda a saúde indígena
em todo o país, por citar apenas dois
aspectos do leque de direitos dos índios,
não condizem com a retórica
de uma política indigenista louvável.
Bem que a Coiab tinha razão
quando discordou da indicação
pelo Governo Lula do antropólogo Mércio
Gomes para a Presidência da Funai, pois
agora ele próprio assumiu-se como inimigo
declarado dos povos indígenas ao questionar
o direito territorial desses povos, fazendo
eco a interesses de fazendeiros, madeireiros
e outros invasores interessados nas riquezas
das terras indígenas e que anseiam
a extinção física e cultural
dos indígenas.
Cabe agora ao Governo do
Presidente Luis Inácio Lula da Silva
atestar perante a opinião pública
nacional e internacional se o ponto de vista
defendido pelo presidente da Funai é
a visão que norteia a sua política
indigenista. Se não for, que dê
uma demonstração de quem é
que manda neste país, exonerando imediatamente
o antropólogo Mércio Pereira
Gomes, antes que faça mais estragos
não só a seu governo mas sobretudo
ao direito sagrado dos povos indígenas
de usufruir das terras que tradicionalmente
ocupam. Mas não basta essa substituição.
O Governo tem que demonstrar que de fato tem
compromisso com os povos indígenas
e que a tão pregoada Nova Política
Indigenista de início de mandato venha
a se concretizar com ações concretas,
com políticas públicas coerentes
com os anseios, demandas e aspirações
dos povos indígenas.
Manaus, 17 de janeiro de 2005.
A Coordenação das Organizações
Indígenas da Amazônia Brasileira
(COIAB)