01/02/2006
- Encaminhamos a seguir carta de cinco antropólogos
membros do Conselho Indigenista da Fundação
Nacional do Índio solicitando seu desligamento
do Conselho. "Nossa atitude pretende
questionar enfaticamente procedimentos da
política indigenista constatada nas
ações da FUNAI, que se fundamentam
em concepções arcaicas sobre
os povos indígenas, seja no campo da
ação política, seja nas
orientações teóricas
dos métodos das Ciências Sociais
e da Antropologia. Nesse sentido, os problemas
fundiários enfrentados por diversos
povos indígenas brasileiros não
têm sido considerados e enfrentados
pelo órgão responsável
pela política indigenista de Estado",
afirmam os antropólogos que assinam
a carta.
No texto, eles questionam
também a “judicialização”
dos processos administrativos de reconhecimento
das terras indígenas, e afirmam que
ela é "usada como desculpa para
a paralisação" dos mesmos
processos.
Veja abaixo o texto completo:
Ao Senhor
Márcio Thomáz Bastos
Ministro de Estado da Justiça
Esplanada dos Ministérios, Bloco T
70064 – 000 Brasília, DF
Brasília, 30 de janeiro
de 2006
Nós, antropólogos
membros do Conselho Indigenista da Fundação
Nacional do Índio – FUNAI, nomeados
por V.Exª e abaixo assinados, vimos por
meio desta solicitar nosso desligamento desse
Conselho. Nossa atitude pretende questionar
enfaticamente procedimentos da política
indigenista constatada nas ações
da FUNAI, que se fundamentam em concepções
arcaicas sobre os povos indígenas,
seja no campo da ação política,
seja nas orientações teóricas
dos métodos das Ciências Sociais
e da Antropologia. Nesse sentido, os problemas
fundiários enfrentados por diversos
povos indígenas brasileiros não
têm sido considerados e enfrentados
pelo órgão responsável
pela política indigenista de Estado.
Classificados, não raro explicitamente,
como “aculturados” ou “em vias de integração”,
figuram como impertinentes com suas reivindicações,
absolutamente legítimas e históricas.
De outro lado, o Conselho Indigenista, do
qual estamos nos desligando, não foi
acionado para discutir e aconselhar o órgão
indigenista, reproduzindo a inoperância
e ineficácia de Conselhos passados.
As declarações do Sr. Mércio
Pereira Gomes, Presidente da FUNAI, à
agência de notícia Reuters em
12 de janeiro último, expressam cabalmente
uma perspectiva de retrocesso face à
história recente de inúmeros
povos indígenas quanto ao reconhecimento
de novas Terras Indígenas no Brasil
– posição em última instância
referendada por esse Ministério. Não
podemos aconselhar ou subsidiar um Presidente
da FUNAI que conclama o Supremo Tribunal Federal
a impor limites às reivindicações
fundiárias dos povos indígenas
do país. Entendemos que o papel da
FUNAI é ouvir, discutir e entender
todas as dimensões das reivindicações
dos indígenas e encaminhá-las
para que encontrem ressonância e reconhecimento
junto ao Estado brasileiro. As referidas declarações,
divulgadas pela imprensa, contrariam nosso
entendimento da questão indígena
no país, por advogar um “fim” às
reivindicações indígenas
pela via judicial – reproduzindo o que já
vem ocorrendo neste governo: a “judicialização”
dos processos administrativos de reconhecimento
das terras indígenas usada como desculpa
para a paralisação dos mesmos.
Dadas estas razões, pedimos o nosso
desligamento do Conselho Indigenista da Fundação
Nacional do Índio.
Bruna Franchetto
Gilberto Azanha
Isa Maria Pacheco
José Augusto Laranjeira Sampaio
Rubem Ferreira Thomas de Almeida