14/02/2006
- Hábitos peculiares de um determinado
grupo de borboleta vêm despertando ao
longo de décadas a curiosidade e, conseqüentemente,
o interesse de cientistas do mundo todo pela
classificação correta desses animais.
Essa borboleta pertence à família
dos hedilídeos, um grupo pouco estudado,
que agrega características tanto de mariposas,
quanto de borboletas, inclusive a preferência
em desempenhar suas atividades no período
noturno, marca registrada das mariposas. Parte
dessas informações está
reunida na dissertação de Gilcélia
Lourido, que está finalizando o Mestrado
em Entomologia, oferecido pelo Instituto Nacional
de Pesquisas da Amazônia (Inpa), vinculado
ao Ministério da Ciência e Tecnologia.
Em sua pesquisa, Gilcéia
Lourido busca, desde 2004, concretizar os
seguintes objetivos: trabalhar a taxonomia
(processo de identificação e
classificação das espécies
de animais) dos hedilídeos que ocorrem
na Amazônia brasileira; e estudar a
biologia da Macrosoma tipulata, uma espécie
de hedilídeo com bastante ocorrência
na região. O interesse pela tipulata
surgiu a partir de uma demanda do setor agrícola,
no Amazonas. “Em 1999, houve um surto populacional
desse inseto em cupuaçuzeiros, de Manaus.
Ainda existe a falta de conhecimentos sobre
as técnicas de manejo e cultivo da
fruta por grande parte dos produtores da região,
sobre alguns cuidados necessários para
evitar a incidência de pragas. O único
modo de se projetar medidas de controle de
insetos é conhecendo a sua biologia.
E é isso que estamos fazendo com a
tipulata, entendendo para poder controlar”,
explica a pesquisadora.
O resultado do ataque aos
cupuaçuzeiros pode ser drástico.
As lagartas dessa espécie de “borboleta”
desenvolveram um sistema de camuflagem eficiente,
ao ponto de tornarem-se invisíveis
aos seus predadores naturais, se as mesmas
estiverem sob à superfície de
uma folha. Com período de desenvolvimento
natural rápido - em apenas 25 dias
um ovo transforma-se em um adulto - a tipulata
pode ser considerada uma praga em potencial.
Isentos de informações a respeito
da lagarta, os produtores de cupuaçu
do estado tentam, sem muito sucesso, estancar
e prevenir a ação dos insetos.
Na tentativa de entender
um pouco do modo de vida da tipulata, Gilcéia
Lourido conseguiu criar em viveiros essa espécie.
“A maioria das lagartas foi coletada em cultivos
em Manaus, Presidente Figueiredo e Rio Preto
da Eva. O levantamento dos exemplares adultos
dessa e de outras espécies de hedilídeos
estendeu-se por Museus como o de Zoologia
da Universidade de São Paulo, o Nacional
do Rio de Janeiro, entre outros locais. Livres,
imaginamos que elas vivam em ambientes altos,
como as copas das árvores”, diz a pesquisadora.
No laboratório, foi
possível observar alguns aspectos intrigantes
relacionados à alimentação
e reprodução do inseto. Em média,
um exemplar adulto vive 12 dias (em viveiro).
Em ambiente aberto, a dieta alimentar do adulto
ainda é um mistério para a ciência,
mas no viveiro, eles foram alimentados com
solução de mel de abelha, 10%
dissolvido em água. No entanto, as
dúvidas e especulações
ainda convergem para o fato delas, mesmo sendo
consideradas borboletas, desempenharem suas
atividades no período da noite, fato
inédito, jamais visto em outra espécie
de borboleta. “Os testes nos viveiros comprovaram
que elas somente se alimentam e reproduzem-se
em ambiente escuro. Tanto que para acompanharmos
esses processos tivemos que utilizar uma lanterna
coberta com papel celofane vermelho, evitando,
ao máximo, causar qualquer interferência”,
destaca a pesquisadora.
Mesmo adequando o viveiro
às condições que se assemelhavam
ao meio ambiente em que as borboletas vivem
– ou eram encontradas – em três casais
que acasalaram não foi possível
acompanhar a finalização do
processo reprodutivo, que é o ato de
gerar os ovos. Dados como o período
de desenvolvimento larval, foram obtidos a
partir de estudos com ovos coletados em campo.
A dificuldade em se obter
informações mais detalhadas
sobre a biologia da tipulata esbarra em um
problema ainda maior. Do universo dos hedilídeos,
somente 35 são conhecidas. Desse montante,
21 ocorrem no Brasil e 16 encontram-se presentes
na Amazônia brasileira. “Mesmo diante
das nossas dificuldades com a tipulata, para
se ter uma idéia, das 35 espécies
conhecidas, somente duas são de fato
melhor estudadas pela comunidade científica.
Uma delas é a tipulata, que é
objeto de estudos do meu trabalho, e a outra
é a Macrosoma semiermes, pesquisada
no Panamá. O obstáculo maior
é conseguir coletar material (ovos,
pupas, adultos) das demais espécies
no ambiente”, salienta Lourido.
Atualmente, acredita-se
que o Peru abriga a maior diversidade de espécies
conhecida de hedilídeos, com 26 ao
todo. No entanto, tudo indica que, com o avanço
nas pesquisas, novas espécies serão
descobertas.