04/03/2006
- Publicada no Diário Oficial de sexta-feira,
3 de março, a lei foi sancionada pelo
presidente Lula com quatro vetos ao texto
aprovado pelo Congresso, em fevereiro. Apesar
de várias ressalvas, a norma está
sendo saudada por grande parte do movimento
socioambientalista como um marco nas políticas
ambientais, especialmente no combate à
grilagem de terras e ao desmatamento.
Pouco mais de um ano depois
de ser enviado ao Congresso Nacional, o projeto
de lei nº 4.776/05, que vai regulamentar
a gestão de florestas públicas
no Brasil, foi sancionado na tarde da última
quinta-feira, dia 2 de março, em Brasília,
pelo presidente Luiz Inácio Lula da
Silva. A nova Lei (nº 11.284/06) foi
publicada no Diário Oficial desta sexta-feira.
Alguns dispositivos já estão
valendo e outros ainda precisam ser regulamentados.
A norma prevê a concessão de
florestas públicas para exploração
sustentável, a criação
do Serviço Florestal Brasileiro (SFB),
de um Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal
(FNDF) e de um Cadastro Nacional de Florestas
Públicas, entre outros pontos.
Lula vetou quatro itens
do texto aprovado definitivamente pela Câmara,
no dia 6 de fevereiro, depois de ter passado
uma primeira vez pela própria Câmara
(leia mais) e pelo Senado, dias antes. O primeiro
parágrafo vetado determinava que as
concessões de florestas com mais de
2.500 hectares precisariam ser aprovadas pelo
Congresso Nacional. O segundo ponto rejeitado
previa a instituição de um conselho
gestor para o SFB e o FNDF com participação
de representantes de oito ministérios.
O terceiro veto retirou da lei uma restrição
que impedia modificações na
dotação orçamentária
dos recursos gerados pelas concessões
que serão destinados ao Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama). O último tópico cortado
da redação original definia
que a indicação dos diretores
do SFB deveria ser referendada pelo Senado.
Com exceção
do item relacionado à questão
orçamentária, os outros pontos
vetados foram inseridos no texto do PL no
Senado pelo relator da matéria, senador
Agripino Maia (PFL-RN). O Ministério
do Meio Ambiente (MMA) afirma que as alterações
quebraram o acordo firmado entre o governo
e a oposição, ainda na Câmara,
para que a proposta fosse aprovada no Senado
rapidamente e sem modificações.
Segundo os técnicos do governo, os
novos dispositivos acrescentados por Maia
são todos inconstitucionais.
A aprovação
do projeto no Senado chegou a ficar ameaçada
por obstáculos colocados por parlamentares
de oposição. Alguns deles tentaram
usar as negociações em torno
da proposta para conseguir do governo o atendimento
de reivindicações que nada tinham
a ver com a matéria, como a liberação
de verbas e concessões nas Comissões
Parlamentares de Inquérito (CPIs) que
estão em andamento no Congresso. Um
novo acordo com a oposição definiu
que as alterações propostas
pelo PFL deveriam ser aprovadas imediatamente
pela Câmara, o que acabou ocorrendo
no dia 6/2.
"Reforma florestal"
Em seu discurso durante
a solenidade de assinatura da nova lei, no
Palácio do Planalto, o presidente Lula
qualificou-a como uma “revolução
na ocupação das florestas” e
uma “reforma florestal”. Lula voltou a dizer
que a política ambiental de seu governo
vem sendo executada por todos os setores da
administração federal. “O PL
de gestão é a coroação
de uma série da ações
integradas que apontam para uma novo tipo
de desenvolvimento na Amazônia”, afirmou.
O presidente citou a redução
em 31% do desmatamento na região, entre
os períodos 2004-2005 e 2003-2004,
a criação de 15 milhões
de hectares em Unidades de Conservação
e o Plano BR-163 Sustentável, que prevê
uma série de ações socioambientais
para a rodovia que liga Cuiabá (MT)
a Santarém (PA), como conquistas da
política ambiental adotada em seu mandato.
Apesar de várias
ressalvas, a nova lei também está
sendo saudada por grande parte do movimento
socioambientalista como um marco nas políticas
ambientais, especialmente para o combate à
grilagem de terras e ao desmatamento. “Quem
ganha com o novo sistema de gestão
das florestas são os Estados, os municípios
e o setor florestal brasileiro, que, até
então, não tinha um marco legal
definido. O principal objetivo do projeto
é combater a grilagem de terras”, comentou
Mauro Armelin, coordenador de Políticas
Públicas do WWF-Brasil.
O comércio madeireiro
no País, em grande parte, hoje, é
alimentado com extrações ilegais
– há estimativas apontando que mais
de 70% da madeira comercializada em território
nacional teria origem ilegal. De acordo com
o governo, a intenção da lei
seria justamente tentar proteger e estimular
as empresas que operam na legalidade sustentavelmente
o mais rápido possível e, assim,
diminuir o espaço para o mercado negro
e as madeireiras que trabalham de forma predatória.
Além disso, ao obrigar a identificação
e o cadastramento das terras onde estão
localizadas as florestas, a norma também
seria eficaz no combate à grilagem,
considerada uma das principais causas dos
conflitos hoje existentes na Amazônia.
Mais de 60% das florestas da região
estão em terras públicas.
“Esta lei não é uma panacéia,
mas mais um instrumento para tentar manter
as florestas de pé por meio do casamento
entre a exploração econômica
sustentável e a conservação”,
afirmou a ministra do Meio Ambiente, Marina
Silva. Ela fez questão de dizer que
o governo Lula nunca “satanizou” nenhum setor
econômico e que a nova legislação
é fruto de negociações
realizadas inclusive com a indústria
madeireira.
“Esta é uma das ações
mais importantes já adotadas no Brasil
para tentar responder ao desafio de se conservar
a floresta e, ao mesmo tempo, explorá-la
de forma racional. Acho que estamos tirando
um atraso de mais de cem anos com esta lei”,
avaliou Jorge Viana (PT), governador do Acre.
Ele esteve presente ao Palácio do Planalto
e foi um dos maiores entusiastas do projeto
de lei desde o seu envio ao Congresso, no
ano passado. “A partir deste novo marco legal,
poderemos garantir uma economia sustentável
para a população de toda a Amazônia”.
O PL causou polêmica
durante o ano passado entre alguns ambientalistas,
pesquisadores, parlamentares e servidores
públicos, que consideram a concessão
de florestas mediante licitação
pública por até 40 anos - conforme
determina a nova legislação
- uma forma de privatização
e até de internacionalização
de grandes porções de terra
na Amazônia. Em carta que circulou pela
Internet, o renomado geógrafo Aziz
Ab´Saber, por exemplo, citou os modelos
florestais de países do Sudeste Asiático
e da África como causadores de “gigantesco
desastre ecológico-ambiental, com perdas
irreparáveis nos domínios da
flora e da fauna”. No caso da Austrália,
o professor Aziz apontou a “perda de controle
na gerência e fiscalização
das atividades” (saiba mais).
Caráter experimental
Em seus primeiros dez anos,
o novo sistema será operado em caráter
experimental e, segundo estimativa do MMA,
deverá dispor aproximadamente 13 milhões
de hectares de florestas na Amazônia
para exploração comercial, o
que equivale a 3% do território amazônico.
De acordo com o diretor de Florestas do MMA,
Tasso Azevedo, é possível que,
até o início do ano que vem,
as primeiras concessões comecem a ser
licitadas. Azevedo diz ainda que as primeiras
áreas concedidas estarão localizadas
no Sul do Pará, na área de influência
da rodovia BR-163 (Cuiabá-Santarém),
dentro do Distrito Florestal Sustentável
(DFS) criado pelo governo no dia 13 de fevereiro.
Também devem começar a ser exploradas
nessa primeira leva de concessões as
Florestas Nacionais do Jamari (RO) e do Carajás
(PA), além das Florestas Estaduais
de Maués (AM) e de Antimari (AC).
A nova legislação
prevê a concessão de unidades
de manejo pequenas, médias e grandes,
para garantir o acesso de pequenos e médios
produtores ao novo sistema. Além disso,
também determina que, antes da destinação
de uma área para concessões
comerciais, deverão ser feitos estudos
para criação de Unidades de
Conservação de uso sustentável
(Florestas Nacionais, Reservas Extrativistas
e Reservas de Desenvolvimento Sustentável)
e assentamentos florestais, que configuram
as outras duas formas de gestão das
florestas públicas delineadas pela
lei.
As concessões autorizam
a exploração de serviços
(turismo ecológico, por exemplo) e
produtos, mas não significarão
qualquer tipo de posse ou domínio sobre
a área explorada. Os contratos terão
prazos de até 40 anos e serão
alvo de auditorias independentes de três
em três anos. Além disso, ao
final de cinco anos de aplicação
da lei, será realizada uma avaliação
geral do sistema. O Ibama vai fiscalizar os
planos de manejo florestal e o SFB será
responsável pelo cumprimento dos contratos
de concessão, pela gestão do
FNDF e pelo fomento à atividade florestal.
Até 20% da receita
gerada pelas concessões servirá
para custear todo o modelo, incluindo verbas
para o SFB e o Ibama. Os 80% restantes serão
divididos da seguinte forma: 30% para os Estados
onde estiver localizada a floresta, 30% para
os municípios e 40% para o FNDF. No
caso das Flonas, 40% daquele total irão
para o Ibama e o restante será igualmente
dividido entre Estados, municípios
e o FNDF.
Leia editorial do Instituto
Socioambiental, publicado em junho de 2005,
sobre o o projeto de lei que agora virou lei.
Confira os principais
pontos da lei
:: Formas de gestão
– Hoje existem duas formas de manejo em terras
públicas: a produção
florestal comunitária (populações
tradicionais e locais, Projetos de Desenvolvimento
Sustentável-PDS, assentamentos agroflorestais,
Reservas Extrativistas) e, por gestão
direta do Estado, em Unidades de Conservação
específicas (Florestas Nacionais e
Estaduais). O projeto acrescenta a essas duas
uma terceira, que são as concessões
para manejo florestal para empresas privadas
mediante licitação pública
com critérios ambientais e sociais.
:: Exigência de licenciamento
e EIA/Rima – Os procedimentos necessários
às concessões deverão
ser acompanhados de licenciamento ambiental.
As obras de infra-estrutura associadas às
atividades desenvolvidas (estradas, construções,
portos etc.) e, nos casos onde for constatado
risco ambiental, as próprias atividades
também precisarão de Estudo
de Impacto Ambiental (EIA/Rima).
:: Limites e prazos das
concessões – O prazo máximo
da concessão será de 40 anos.
Todo o sistema de concessões será
reavaliado depois dos cinco anos iniciais.
Em cada lote de concessões, o concessionário
(individualmente ou em consórcio) poderá
deter no máximo dois contratos e sua
concessão ficará limitada a
10% da área total disponível
para concessões num prazo de dez anos.
:: Concessões para
empresas e organizações nacionais
– Apenas empresas ou pessoas jurídicas
nacionais poderão concorrer às
licitações.
:: Regras de transição
– Os órgãos ambientais e fundiários
competentes vão averiguar o andamento
dos planos de manejo em operação
legalizados até a data em que a lei
entrar em vigor e o tipo de ocupação
da área onde eles estão ocorrendo.
Caso não sejam identificadas irregularidades
técnicas ou em relação
à posse da área (grilagem),
os planos poderão ser mantidos até
que seja realizado processo licitatório
na área.
:: BR-163 – Foi criada uma
regra de transição especial
para a área de influência da
rodovia BR-163: até a primeira licitação,
o Poder Público poderá realizar
concessões florestais na região
numa faixa de cem quilômetros ao longo
da estrada (unidades de manejo em áreas
públicas não ultrapassando,
somadas, os 1000 mil hectares) e em florestas
nacionais.
:: Garantia dos direitos
territoriais das populações
tradicionais e locais – O Plano Anual de Outorga
Florestal (PAOF) de uma área deverá
prever zonas de uso restrito destinadas às
comunidades locais; antes de dar a concessão,
o Poder Público terá de identificar
e regularizar a posse das comunidades locais
e tradicionais que eventualmente vivam na
área apta à concessão.
O conceito de comunidade local utilizado é
o definido pela Convenção de
Diversidade Biológica (CDB): “populações
tradicionais e outros grupos humanos, organizados
por gerações sucessivas, com
estilo de vida relevante à conservação
e à utilização sustentável
da diversidade biológica”.
:: Serviço Florestal
Brasileiro (SFB) – Deverá atuar como
gestor do sistema e fomentar o desenvolvimento
florestal. A idéia é restringir
a atuação do órgão
à gestão das florestas de domínio
público federal e deixar as atividades
relativas às florestas plantadas (silvicultura)
em áreas privadas sob responsabilidade
do Ministério da Agricultura (MAPA).
Também deverá gerir o Fundo
Nacional de Desenvolvimento Florestal (FNDF).
:: Fundo Nacional de Desenvolvimento
Florestal (FNDF) – Os recursos do Fundo deverão
ser investidos prioritariamente em: pesquisa
e desenvolvimento tecnológico em manejo
florestal; assistência técnica;
recuperação de áreas
degradadas com espécies nativas; aproveitamento
econômico racional e sustentável
dos recursos florestais; controle e monitoramento
das atividades florestais e desmatamentos;
capacitação em manejo florestal
e formação de agentes multiplicadores;
proteção e conservação.
Os recursos do fundo somente poderão
ser destinados a órgãos e entidades
públicas – principalmente de pesquisa
– ou de entidades privadas sem fins lucrativos.
Não há definição
específica sobre percentuais a serem
aplicados em cada área.
:: Estímulo à
criação de novas Unidades de
Conservação – A proposta determina
que, antes de fazer as concessões florestais,
o Poder Público deverá definir
as áreas prioritárias para as
concessões, para o manejo comunitário
e para a criação de novas UCs.
O projeto, portanto, impõe a necessidade
de se estudar e criar novas áreas protegidas.
:: Recursos e competência
do Ibama – O Ibama será responsável
pela autorização, fiscalização
e controle das atividades florestais desenvolvidas
em áreas federais. Também deverá
expedir licenças e estudos de impacto
ambiental para obras associadas à produção
florestal. O percentual de 30% da parcela
fixa anual destinada ao SFB ou 9% do preço
total pago pela concessão deverá
ser destinado ao órgão. A Taxa
de Controle e Fiscalização Ambiental
(TCFA), que hoje, muitas vezes, não
tem destinação certa, será
vinculada ao orçamento da área
de fiscalização do Ibama.
:: Transferência de
competências para Estados e Municípios
– Descentralização das atribuições
do Ibama. Órgãos ambientais
estaduais poderão autorizar e fiscalizar
a exploração florestal em áreas
sob sua jurisdição. As esferas
de governo estadual e municipal também
deverão criar órgãos
gestores das concessões florestais
em áreas de domínio não
federal. Os órgãos ambientais
municipais terão esfera de atuação
sobre florestas públicas e UCs municipais
ou quando forem firmados convênios com
o órgão ambiental competente.