27/03/2006 O ato foi promovido
no centro de Curitiba, no mesmo horário
em que o presidente Lula e a ministra do Meio
Ambiente, Marina Silva, abriam a reunião
de alto nível da COP-8, que reuniu
ministros brasileiros e autoridades de vários
países signatários da Convenção
da Diversidade Biológica.
CURITIBA - Por volta das
10h30, cerca de 300 agricultores familiares
vindos do Paraná e do Vale do Ribeira
reuniram-se em frente ao Shopping Estação,
no centro de Curitiba, para expressar sua
indignação e preocupação
contra tecnologias trazidas de fora e utilizadas
pela agricultura tradicional em prejuízo
dos agricultores familiares. O fortalecimento
da agricultura familiar e a preservação
do meio ambiente também estavam entre
as principais preocupações do
grupo.
Ao mesmo tempo, dentro do
shopping, no Centro de Convenções
da Embratel, o presidente Lula e a ministra
do Meio Ambiente, Marina Silva, abriam a reunião
de alto nível, novidade introduzida
pelo Brasil nesta 8ª Conferência
das Partes da Convenção da Diversidade
Biológica (CDB).
A manifestação
foi promovida pela Federação
dos Trabalhadores na Agricultura Familiar
do Brasil (Fetraf-Brasil) e contou com a participação
de lideranças de movimentos sociais,
além de parlamentares que se revezaram
no caminhão de som, como os deputados
estaduais Pedro Ivo e Luciana Rafagnin, ambos
do PT.
A idéia dos manifestantes
foi chamar a atenção da ministra
Marina Silva e do presidente Lula. “Queremos
que nos apóiem, que fiquem ao lado
dos pequenos”, disse Adriano Briatori, da
Associação Sindical dos Trabalhadores
na Agricultura Familiar (ASSTRAF) de Cerro
Azul, município paranaense do Vale
do Ribeira. Briatori aproveitou também
para reforçar que a população
do Vale do Ribeira não quer a construção
da Usina Hidrelétrica de Tijuco Alto,
cujo EIA/Rima está sendo analisado
pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama). Saiba mais.
O projeto de construção
da usina no Rio Ribeira de Iguape é
da Companhia Brasileira de Alumínio
(CBA), do Grupo Votorantim.
Pouco antes, Laura Jesus
de Moura e Costa, do Centro de Estudos, Defesa
e Educação Ambiental (Cedea),
também de Cerro Azul, havia afirmado
que o movimento social estava convencido de
que Tijuco Alto era um erro político
e administrativo que ia destruir a agricultura
familiar no municipio e favorecer um grupo
empresarial muito rico. E terminou com a palavra
de ordem: “Desenvolvimento sim, usina não.
Fora Votorantim do nosso ribeirão”.
Paulo Sergio Sgroi Pupo,
da organização não-governamental
Amainan Brasil, prosseguiu no tema. “Estamos
aqui para falar contra a construção
de Tijuco Alto. Precisamos nos indignar contra
os abusos e o favorecimento de poucos grupos
empresariais em detrimento de muitos agricultores
familiares”.
Os movimentos sociais e
organizações não-governamentais
presentes ainda entregaram uma carta à
ministra Marina Silva, assinada pela Associação
Sindical dos Trabalhadores na Agricultura
Familiar de Cerro Azul (Asstraf), Centro de
Estudos, Defesa e Educação Ambiental
(Cedea), CUT Vale, Colônia de Pescadores
de Cananéia e Iguape, Instituto Vid`água,
Instituto Socioambiental, Movimento dos Ameaçados
por Barragens (Moab), o Sindicato dos Trabalhadores
Rurais do Vale do Ribeira (Sintravale) e Equipe
de Assessoria e Articulação
das Comunidades Negras (Eaacone).
No texto, expressam sua
apreensão quanto à possibilidade
de construção da usina ao longo
do rio Ribeira e alertam para a importância
do Vale do Ribeira na conservação
da diversidade, já que a região
abriga a maior área contínua
e bem preservada de Mata Atlântica do
Brasil. A carta diz ainda que a usina inundará
corredores ecológicos e expulsará
agricultores. “Não precisamos de mais
alumínio, mas de mais dignidade para
os agricultores familiares, quilombolas, indígnas
e pescadores”, escrevem. A mesma carta, endereçada
ao governador Roberto Requião, foi
entregue ao vice-governador Orlando Pessuti.
Leia abaixo a carta na íntegra.
Curitiba, 27 de março
de 2006
Ilma. Sra. Marina Silva
Ministra de Estado do Meio Ambiente
CC Ilmo.Sr Roberto Requião
Governador do Estado do Paraná
Senhora Ministra,
Aproveitamos a oportunidade
da realização da 8ª Conferência
das Partes da Convenção da Diversidade
Biológica aqui em nossa país
para renovar nossa apreensão quanto
à possibilidade de construção
de usinas hidrelétricas ao longo do
rio Ribeira de Iguape.
Como já tivemos oportunidade
de comunicar a esse ministério, durante
visita da ministra ao quilombo de Ivaporunduva,
e sabemos que é de conhecimento de
V. Sa., o estudo de inventário aprovado
para o rio Ribeira de Iguape, baseado em estudos
elaborados há mais de vinte anos, prevê
a implantação de quatro barragens
(Tijuco Alto, Itaóca, Funil e Batatal).
Se construídas, essas hidrelétricas
inundarão permanentemente uma área
de aproximadamente 11 mil hectares no médio
e alto curso do rio, o que implicará
na perda de terras agricultáveis, no
deslocamento forçado de milhares de
agricultores familiares, muitos deles moradores
de bairros remanescentes de quilombos, na
destruição de áreas hoje
ambientalmente protegidas, na inundação
de cavidades subterrâneas e na alteração
inexorável do regime hídrico
do Ribeira de Iguape, com prejuízos
que se estenderão até sua foz,
onde residem diversas colônias de pescadores
artesanais que dependem da manutenção
do equilíbrio ecológico do complexo
estuarino para poderem sobreviver.
Não precisamos lembrar
da importância do Vale do Ribeira para
a conservação da biodiversidade
em nosso país, já que é
a região que abriga o maior contínuo
bem preservado do bioma mais ameaçado
do país, a Mata Atlântica. Pela
sua importância ambiental, a região
foi declarada Patrimônio Natural da
Humanidade pela UNESCO e hoje tem 24 unidades
de conservação, que protegem
uma rica e única biodiversidade. Por
tudo isso, a região merece atenção
redobrada do Estado brasileiro, que a par
de aprovar a Lei da Mata Atlântica,
deve também zelar pela conservação
de seus últimos remanescentes.
Não aceitamos a construção
de barragens em nossa região, especialmente
a de Tijuco Alto, que nesse momento está
sendo licenciado pelo IBAMA. Essa hidrelétrica
não só afetará irremediavelmente
a vida do rio Ribeira de Iguape, último
rio de médio porte em São Paulo
que ainda não teve seu curso interrompido,
mas também inundará importantes
corredores ecológicos e expulsará
de suas terras agricultores familiares que
há gerações estão
na região. Tudo isso para que um determinado
grupo empresarial possa aumentar sua produção
de alumínio, algo que o país
não necessita, já que exporta
cerca de 70% de sua produção.
Como já afirmamos em outra ocasião,
esse é um modelo de desenvolvimento
socialmente excludente e ambientalmente irresponsável,
e contra ele vimos lutando há mais
de 15 anos.
Sabemos do compromisso do
Ministério do Meio Ambiente, e especialmente
de Vossa Senhoria, em implementar uma agenda
ambiental transversal, que faça com
que os diversos setores do governo federal
levem verdadeiramente em consideração
a dimensão ambiental quando do planejamento
de programas, obras ou projetos de grande
impacto. E essa transversalidade deve ser
de mão dupla, vale dizer, tem que ser
capaz não só de fazer os demais
setores de governo incorporarem a variável
ambiental, mas também deve tornar os
órgãos ambientais capazes de
fazerem uma avaliação econômica
e social dos projetos de infra-estrutura.
Em todos esses quesitos fica claro que a Usina
Hidrelétrica de Tijuco Alto não
interessa ao país, e muito menos ao
Vale do Ribeira. Não precisamos de
mais alumínio, mas de mais dignidade
para os agricultores familiares, quilombolas,
indígenas, pescadores. Não precisamos
de mais uma hidrelétrica privada, mas
de mais proteção à já
desvalida biodiversidade da Mata Atlântica.
Não queremos mais uma privatização
de um rio público, mas a sua recuperação
e destinação para usos múltiplos.
Nesse sentido o grupo de
entidades ora signatárias vem iniciando
uma ampla mobilização para a
proteção e recuperação
das matas ciliares do rio Ribeira de Iguape
e seus afluentes. Tal como ocorre com outros
importantes rios nacionais, o Ribeira sofreu
ao longo dos séculos com a mineração
e com o desmatamento descontrolados, o que
se reflete hoje num acentuado assoreamento
e na fragilidade de sua biodiversidade nativa.
Assim mesmo, continua prestando imensuráveis
serviços ambientais à região
e ao país, permitindo a reprodução
da vida marinha no complexo estuarino lagunar
de Iguape/Cananéia/Paranaguá.
Renovamos o apelo para que
seja feita a Avaliação Ambiental
Integrada da bacia do Ribeira de Iguape antes
do licenciamento ambiental de qualquer hidrelétrica.
Esse é um passo fundamental para que
possamos planejar o futuro da região
e garantir a preservação de
sua riqueza socioambiental. A única
forma de termos tranqüilidade quanto
ao futuro de nosso rio, de nossas terras e
de nossa região é com a realização
de uma avaliação ambiental integrada
das quatro barragens, na qual tenhamos o direito
de participar da forma mais ampla e efetiva
possível, e pela qual se defina de
uma vez por todas se é possível
construir barragens no rio Ribeira de Iguape
e, em caso afirmativo, quais serão
construídas e quais nunca o serão.
Temos certeza de que a realização
dessa importante reunião internacional
no Brasil deverá deixar frutos duradouros,
e um deles deve ser o de garantir a proteção
integral e intransigente dos poucos remanescentes
de Mata Atlântica. Por essa razão
renovamos nosso repúdio á construção
da UHE Tijuco Alto e rogamos seja feita a
avaliação ambiental integrada
da bacia do Ribeira de Iguape.
Assinam a carta:
Associação
Sindical dos Trabalhadores na Agricultura
Familiar (Asstraf) – Cerro Azul/PR
Centro de Estudos, Defesa
e Educação Ambiental (Cedea)
- Paraná
Central Única dos
Trabalhadores (CUT) – Vale do Ribeira
Colônia de Pescadores
de Cananéia e Iguape
Equipe de Assessoria e Articulação
das Comunidades Negras (Eaacone) – Vale do
Ribeira
Instituto Ambiental Vidágua
Instituto Socioambiental
(ISA)
Movimento dos Ameaçados
por Barragens (Moab) – Vale do Ribeira
Sindicato dos Trabalhadores
na Agricultura Familiar do Vale do Ribeira
(Sintravale)