29-03-2006 - São
Paulo - Projeto havia sido aprovado às
pressas pelo Congresso em 2005 sem ouvir os
povos indígenas que seriam afetadas
pela usina
O juiz federal Antonio Carlos
de Almeida Campelo, de Altamira (PA), acatou,
ontem, pedido do Ministério Público
Federal no Pará e mandou suspender
o processo de licenciamento ambiental da usina
hidrelétrica de Belo Monte. O processo
foi iniciado pela Eletronorte em 2005, após
tramitação-relâmpago de
decreto legislativo no Congresso Nacional.
O decreto aprovava a execução
de estudos preliminares e a posterior construção
da usina, sem a realização de
consulta aos povos indígenas que seriam
atingidos pelo empreendimento, o que é
exigido pela Constituição Federal.
O juiz Campelo afirmou que
“a interrupção do curso do rio
Xingu afetará a viabilidade de locomoção
no mesmo, diminuirá a oferta de peixes
– principal fonte alimentar das comunidades
indígenas – facilitará a proliferação
de doenças, mudará o regime
de vazões e a qualidade da água,
reduzindo a fertilidade natural das várzeas
e aumentando a erosão das margens”.
E acrescentou que, no caso, “não estão
em salvaguarda apenas o meio ambiente e direitos
de comunidades indígenas, mas também
questões que refletem na sociedade,
na economia e na cultura das populações
envolvidas e principalmente das gerações
futuras, que merecem receber um meio ambiente
ecologicamente equilibrado de seus antepassados”.
“Essa é uma vitória
para a Amazônia, para o rio Xingu e
para o seu povo, que desde a década
de 80 vem lutando contra a instalação
de usinas hidrelétricas na região”,
afirmou Carlo Rittl, coordenador da campanha
de Clima do Greenpeace. “Belo Monte, além
de inundar mais de 40.000 hectares de florestas,
afetar diretamente diversos povos indígenas,
modificar profundamente a dinâmica do
rio Xingu e emitir imensas quantidades de
gases de efeito estufa, não iria gerar
energia para beneficiar as populações
locais. Sua energia teria como destino principal
a indústria de mineração,
que também provoca imensos danos à
floresta e aos rios. Seria um completo absurdo.”
Para os procuradores da
República que entraram com a ação,
a pressa das autoridades para aprovar o empreendimento
é incompreensível. “Não
conseguimos compreender por que as autoridades
correm com essa obra, atropelando as exigências
legais”, disse o procurador Felício
Pontes. “Por que tanta urgência? Se
o projeto for realmente bom e importante para
o país, qual o problema em debatê-lo
com as comunidades afetadas?”, questionou.
Até mesmo a capacidade
de produção de energia da usina
é colocada em xeque em alguns estudos
(1). Segundo a Eletronorte, o potencial energético
da hidrelétrica seria de 11.182 megawatts,
mas estudos indicam que, em função
da vazão dos rios nos meses do verão
amazônico, somente poderiam ser gerados
1.356 megawatts.
Para o Greenpeace, a geração
de energia na Amazônia deve estar baseada
em soluções locais, sustentáveis.
“Deve-se aproveitar o imenso potencial de
energia solar”, afirmou Rittl. “Em casos específicos,
pode-se pensar na geração a
partir de pequenas centrais hidrelétricas
sem barramento de rios. Além disso,
deve-se aproveitar resíduos de biomassa
produzidas de forma sustentável, como
de castanha, de coco de babaçu etc.,
além das diversas espécies de
plantas oleaginosas. A destruição
da floresta e de seus rios para gerar energia
não é alternativa sustentável.”
NOTA:
(1) Estudos compilados
no livro “Tenotã-mo: alerta sobre as
conseqüências dos projetos hidrelétricos
no rio Xingu”, organizado pelo pesquisador
da Universidade de Campinas (Unicamp) Oswaldo
Sewá e lançado em 2005.