O Reitor da UFPA escreveu:
"Estará re-fundada, então
(somente então), a nova Universidade:
mais competente, republicana e democrática.
Uma Universidade efetivamente comprometida
com o futuro da sociedade e não com
o imediatismo dos interesses privados e corporativos
dos pequenos grupos, dentro dela camuflados;
a única capaz, para além das
reformas de suas leis e de seu patrimônio
físico (obviamente necessárias!),
de cumprir adequadamente seus desígnios
constitucionais e de garantir a imprescindível
contemporaneidade de seus atributos e potencialidades
no alvorecer de um novo século, engravidado
de desafios e incertezas", trecho de
mensagem do Reitor da UFPA, Alex Fiúza
de Mello, "Coluna do Reitor" no
sítio eletrônico da universidade
- www.ufpa.br .
Não basta interiorizar infra-estrutura,
é preciso praticar a inclusão
social e a cidadania, de direito e de fato.
A amostra dessa nova mentalidade da gestão
de universidades públicas (era de gerentes-intelectuais,
anunciada pela sociologia pós-industrial
focando na nova economia) a direção
da UFPA já tinha sinalizado, quando
da iniciativa que teve ao estender a mão
à sociedade paraense para parceria
e criação conjunta da Associação
de Amigos da UFPA. Na tentativa de construir
uma ponte cooperativa entre a sociedade e
o mundo acadêmico, muitas vezes refém
numa torre de marfim, seduzido pela auto-imagem
como no mito de Narciso. Este suicídio
da vaidade que desperdiça talentos
individuais brilhantes, tempo coletivo e dinheiro
público em meio à fome orgânica
e de saber numa população cada
vez mais descrente, cuja última eleição
estadual no Pará mostrou a cara numa
abstenção de mais de um milhão
de eleitores (fora votos nulos), por exemplo.
Na Amazônia o estado chegou em caravelão
sob pavilhão da União Ibérica,
em 1616. Antes da formação da
sociedade regional nós tínhamos
o embrião da primeira sociedade amazônica
complexa (abortada na invenção
da Amazônia), nascida do casamento da
necessidade e o acaso pelo cruzamento do Mito
com a História. Fato original da humanização
da ilha do Marajó, cerca do ano 500
da era cristã (diz a mais recente pesquisa
arqueológica, cf. Denise Shaan / Museu
Goeldi e UFPA - www.marajoara.com). No "espaço
vazio" de extraordinária Biodiversidade
existia, há 12 mil anos de presença
humana da primeva dispersão paleolítica,
multidão de nações "indígenas"
(na visão cartesiana enganada de Cristóvão
Colombo à procura do caminho ocidental
das Índias) com um milhar de idiomas
diferentes. No processo colonial, os povos
amazônicos originais foram "extraídos
do mato" (sentido etimológico
do termo caboclo, através da língua-geral
amazônica, o Nheengatu). O sociólogo
e cientista político que exerce a Reitoria
da maior universidade do Trópico Úmido
global, aborda a questão da mudança
de mentalidade como dado essencial da conservação
e desenvolvimento sustentável da soberania
brasileira na Amazônia. Todo cidadão
brasileiro que tem noção exata
do tempo e do espaço deste século,
deveria aplaudí-lo e difundir o conceito,
necessário e urgente, da mudança
para mudar de verdade.
Criamos o cacoete da "mudança"
sem a devida coragem política de mudar
o essencial. Qualquer marqueteiro de promoção
de produtos já sabe que deve seduzir
o consumidor propondo-lhe uma "mudança"
de visual... Mas, os moços da musica
popular amazônica já disseram,
em rimas inspiradas: "a culpa é
da mentalidade"... Mudar a mentalidade
é, sim, o xís da questão.
E aí entra o papel essencial da Universidade
como agente efetivo da mudança. Uma
universidade que pensa a Amazônia, antes
de cogitar sobre a inclusão social
devida pelo Estado-Nação há
que operar a inclusão do povo na História
das regiões.
Federalizar todas populações
tradicionais e contemporâneas, remanescentes
das tribos extintas e negros de mocambo, esses
tantos "negros da terra" e "morenos"
de olhos claros, louros cabelos e pele branca;
cuja mestiçagem geral nos faz a todos
filhos da Negridude au-délà
de la melanine. Esse maná das migrações
sem fim... Samuel Benchimol ensinava que o
mundo não está preparado para
pagar a fatura da conservação
da Amazônia. Mas, o que diria hoje?
Que o Brasil está despreparado para
desenvolver a região, como ela tem
direito histórico. Será, portanto,
a universidade amazônica o cadinho dessa
nova mentalidade de auto-sustentação
e autodeterminação. Renascida
do fundo do grande rio, como no mito da primeira
noite do mundo conservada numa metáfora
de ancestralidade (o "caroço de
tucumã") no romance dalcidiano,
até raiar o dia da consciência
dos povos amazônicos no mundo. Chove
nos campos de Cachoeira e Dalcídio
Jurandir já morreu, canta na noite
do esquecimento o poeta Carlos Dummond de
Andrade... Que diria ele, se o Brasil e o
mundo soubessem da saga surrealista de um
certo italiano naturalizado brasileiro, chamado
Giovanni Gallo - www.museudomarajo.com.br
, que veio enterrar seus ossos no chão
de Dalcídio, passando pela civilização
da Suíça a troco da barbaridade
do lago Arari, na vila de Jenipapo, entre
chuvas e esquecimentos na ditadura da água?
Este daltônico rebelde mostrava um Marajó
que o Brasil não conhece e até
mesmo marajoaras não querem saber e
viram o rosto para o alto dos arranha-céus
de Belém do Pará.
As elites deste País têm grande
dívida histórica com o Povo
Brasileiro. A Universidade amazônica
ainda não disse, exatamente, a que
veio. É certo que a "classe ínfima"
da população, na expressão
historiográfica mais encontrada sobre
os episódios ligados à Adesão
do Pará à independência
do Brasil e o período conturbado de
guerra-civil do Pará velho de guerra
até a belle époque da Borracha;
tem graduado seus filhos em cursos de terceiro
grau. mas, do ponto de vista da mentalidade
política ainda deixam a desejar pela
ignorância da verdadeira história
do povo amazônida. Não bastou
o sangue derramado nos idos de 1823 até
1840 para aderir ao império do Brasil:
é preciso a República Federativa
incluir esta nossa brava gente na cidadania
brasileira.
Por certo, a Extensão universitária
(além do Ensino e a Pesquisa), em cidades-pólo
de interiorização do desenvolvimento
humano sustentável onde o IDH faz dó,
tem grande papel a cumprir nesse objetivo.
Para a UFPA, federalizar a questão
marajoara, por exemplo, por todo seu patrimônio
material e imaterial seria um primeiro grande
passo para suscitar em todas demais mesorregiões
do Pará a bandeira oficial da maior
universidade pública do Trópico
Úmido mundial. E a sociedade paraense,
respondendo a esta iniciativa que o atual
Reitor está empreendendo acima de interesses
menores, abriria portas sem arrombar divisas
institucionais a fim de firmar o diálogo
e cooperação para a inclusão
democrática.
José Varella do grupo Unilivre-MAM
/ GDM