06/11/2006
- O ISA publica a partir de hoje uma série
de reportagens, entrevistas e artigos sobre
o desmatamento na Amazônia. Trata-se
de um Especial que pretende fazer uma breve
avaliação das ações
empreendidas durante a primeira administração
de Lula. As informações e análises
abordadas nos próximos dias visam demonstrar
a relação pouco conhecida entre
o desmatamento no Brasil e as mudanças
climáticas, o agronegócio e
as obras de infra-estrutura, entre outros.
Tema de importância estratégica
para o futuro do País, o desflorestamento
vem sendo sistematicamente desprezado pela
classe política, para quem as questões
ambientais parecem ter pouca importância,
como atestam os debates políticos da
campanha eleitoral de 2006.
A queda de cerca de 30%
nos desmatamentos na Amazônia brasileira
pelo segundo ano consecutivo anunciada há
alguns dias (confira) pelo governo federal
representa um avanço importante no
que se refere às ações
de controle ambiental implementadas, principalmente
a partir de 2004. Há uma reversão
de tendência e certamente as iniciativas
governamentais estão relacionadas com
reduções que, mesmo localizadas,
são significativas no cálculo
total da devastação, como, por
exemplo, no entorno da rodovia BR-163, no
Pará, e no interior de algumas Unidades
de Conservação (UCs) criadas
pelo atual governo. Como bem coloca a ministra
do Meio Ambiente, Marina Silva, ainda que
o patamar atual de desflorestamento seja inaceitável,
certamente sem as políticas em curso
a situação seria muito mais
grave.
Com a projeção
de 13,1 km2 de desflorestamento na Amazônia
entre 2005 e 2006 – calculada a partir das
34 imagens de satélites analisadas
pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais) até outubro – o acumulado
ao longo da gestão de Lula (de 2002-2003
a 2005-2006) somará cerca 84 mil quilômetros
quadrados. Número superior ao de todos
os quadriênios que a antecederam.
A título de curiosidade,
13 mil km2 em um ano significam uma média
de desflorestamento de mais de 36 km2 por
dia, ou 1,5 km2 por hora, ou ainda 2,5 hectares
por minuto. A exemplo das analogias futebolísticas
que o Presidente Lula gosta de fazer, esses
13 mil km2 equivalem a cinco campos de futebol
devastados por minuto, durante os 365 dias
analisados. Em quatro anos, são 16,6
milhões de campos de futebol, o equivalente
ao território da Áustria.
Nesses últimos quatro
anos, o Brasil emitiu, a partir do desmatamento,
996 milhões de toneladas de carbono,
o correspondente a quase US$ 5 bilhões,
de acordo com preços conservadores.
Entre agosto de 2005 e agosto de 2006, o desflorestamento
na Amazônia foi responsável por
mais de 60% do total de nossas emissões.
O País emite 95 milhões de toneladas/ano
de carbono com a queima de combustíveis
fósseis.
Desafio
Em nota publicada em agosto
de 2005, (veja), o Grupo de Trabalho (GT)
de Florestas do Fórum Brasileiro de
ONGs e Movimentos Sociais pelo Meio Ambiente
e Desenvolvimento (FBOMS) considerava legítima
a comemoração do governo pela
redução do ritmo do desmatamento,
mas, ao alertar para os efeitos da crise do
agronegócio, apontava a necessidade
de manter a cautela e não diminuir
a guarda.
Se levarmos a sério
o tom da campanha presidencial de 2006, marcada
pela obsessão do crescimento do PIB
acima de tudo e temperada pela necessidade
de enxugamento da máquina e dos gastos
públicos (incluindo comando e controle
ambiental?), teremos no próximo mandato
um desafio muito maior do que a simples reversão
da curva do desflorestamento.
Imaginemos um cenário
favorável ao crescimento da economia
em taxas próximas ou superiores às
previstas pelo ministro da Fazenda, Guido
Mantega, entre 4,5% e 5% ao ano. Tal conquista
supõe invevitavelmente redução
de juros, maior oferta de crédito público
e investimentos privados, alguma desvalorização
do real e crescimento da agropecuária,
que não ocorre apenas pelo aumento
da produtividade, mas também da área
plantada. Nesse céu de brigadeiro hipotético,
será possível aos governos federal
e amazônicos reduzir o desflorestamento
a um patamar próximo do aceitável?
De acordo com a ministra Marina, o aceitável
é o desmatamento legalmente autorizado
e o ideal é o desmatamento zero. Será
possível ao menos manter a taxa estimada
para 2006, de 13 mil km2? O que é preciso
fazer para tanto?
O governo ainda
não conseguiu implementar instrumentos
econômicos em escala capazes de desincentivar
a conversão da floresta em proveito
da produção agropecuária.
Nos últimos três
anos, houve inédito e louvável
envolvimento nas políticas ambientais
de órgãos ligados a outros ministérios
que não o do Meio Ambiente (MMA), com
destaque para a Polícia Federal, o
Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária (Incra) e o Exército.
Também é necessário destacar
o volume significativamente maior de ações
de fiscalização, graças
ao empenho do Ibama, e o incremento substancial
da criação de UCs, ainda que
estejam longe de serem tiradas do papel.
Por outro lado, os governos
estaduais nada avançaram na questão.
A impunidade de quem comete crimes ambientais,
apesar da fiscalização, ainda
é a regra absoluta. No plano federal
ou estadual, não se discutem metas
objetivas de redução do desflorestamento.
Mesmo sendo um mecanismo que ainda precisa
ser testado, permitiriam o planejamento e
a avaliação real do desempenho
das ações do Estado.
Inexistem ações
estratégicas, estruturantes e em escala
para aumentar a produtividade agropecuária,
por safra e por região, fórmulas
a partir de estudos sobre o potencial de áreas
já abertas. O discurso em defesa dos
instrumentos econômicos para apoiar
a conservação, a recuperação
de florestas e de áreas subutilizadas
ou abandonadas em terras privadas já
vai se exaurindo e nada de concreto se fez
– em nenhum governo, diga-se. Continuamos
sem saber exatamente onde estão os
165 mil quilômetros quadrados de áreas
já desmatadas, abandonados ou subutilizadas
na Amazônia, o que corresponde a quase
o triplo da área plantada com soja
no Mato Grosso, o campeão nacional
de produção agrícola.
A quem pertence esse precioso estoque de terras?
Então, como
virar o jogo?
Plano nacional
Um plano “nacional” de combate
ao desmatamento deve necessariamente envolver
muito mais do que outros ministérios
importantes, como o do Planejamento e o da
Agricultura, que ainda não disseram
a que vieram ao compor o Grupo de Trabalho
Interministerial que trata do problema. É
preciso uma participação responsável
dos governos estaduais, em alguns casos até
mesmo municipais, e fundamentalmente dos segmentos
representativos do agronegócio brasileiro.
Não basta um plano federal. É
preciso um plano nacional que envolva a sociedade.
No final de 2005, o governo
ensaiou uma avaliação (saiba
mais), mas por não ter disponibilizado
previamente informações às
organizações que convidou para
realizá-la, não aconteceu. Ainda
em setembro do ano passado, durante reunião
do Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente)
realizada em Cuiabá (MT), o ISA recomendou
a criação de um grupo de trabalho
para avaliação do plano. Até
agora não foi instalado.
Não seria o caso
de termos no MMA uma secretaria responsável
por formular e implementar políticas
e instrumentos econômicos, fiscais,
financeiros e creditícios para consolidar
a curva descendente de desmatamentos e baixá-la
a algo próximo do zero? Porque não
se cria no Ministério da Agricultura
uma secretaria para traçar um plano
de metas de recuperação de áreas
abertas subutilizadas viáveis para
a produção?
Em reunião realizada
com organizações socioambientalistas
na última semana passadade outubro,
logo após o anúncio dos números
do desflorestamento deste ano, Marina Silva
e sua equipe se comprometeram com a realização
de uma avaliação, que deve acontecer
nos dias 8 e 9 de novembro. Como salientou
a ministra, pode-se dizer que chegamos em
2006 a um “empate” nos desmatamentos, em analogia
ao movimento dos seringueiros que, na década
de 1980, barrava a derrubada da floresta no
Acre. Mas ainda há muito a ser feito
para virar o jogo. Como superar o suposto
“empate”? Só ações de
comando e controle não são suficientes,
principalmente se o cenário agropecuário
internacional melhorar, como tem dado sinais.
O Especial que o ISA publica
a partir de hoje sobre desmatamento busca
trazer informações, opiniões,
dados e análises recentes sobre a dinâmica
deste que é considerado pela sociedade
brasileira como o maior problema socioambiental
brasileiro - de acordo com levantamento recente
promovido pelo Instituto de Estudos da Religião
(ISER) - e, portanto, um dos maiores desafios
para o desenvolvimento da sociedade brasileira.
Esta série de reportagens,
entrevistas e artigos que se inicia hoje sobre
os principais temas associados aos desmatamentos
na Amazônia é a contribuição
do ISA para reflexão, debates e decisões,
senão em busca do desmatamento zero,
ao menos do desmatamento legal na região.
O desafio não é pequeno. Confiram!
Desmatamento na Amazônia
de acordo com dados do Inpe:
De 1977 a 1988: 21 mil quilômetros
quadrados
De 1988 a 11000: 31,5 mil quilômetros
quadrados
De 11000 a 1994: 39,7 mil quilômetros
quadrados
De 1994 a1998: 77,8 mil quilômetros
quadrados (1º governo FHC)
De 1998 a 2002: 76,9 mil quilômetros
quadrados (2º governo FHC)
De 2002/03 a 2005/06: 84,4 mil quilômetros
quadrados (governo Lula)
ISA, André Lima.