Espécies
exclusivas dos biomas foram encontradas nos
parques nacionais da Serra das Confusões,
Piauí, e Grande Sertão Veredas,
entre MG e BA
Brasília, 18 de janeiro
de 2007 — Duas novas espécies de répteis
brasileiros são oficialmente reconhecidas
no meio científico nesse mês.
Os lagartos Stenocercus squarrosus e Stenocercus
quinarius tornaram-se os mais novos integrantes
da fauna de répteis brasileiros, e
são descritos na última edição
do South American Journal of Herpetology,
publicação da Sociedade Brasileira
de Herpetologia. Eles são as primeiras
espécies descritas entre as várias
descobertas do maior levantamento feito no
Cerrado brasileiro sobre a biodiversidade
do grupo de répteis Squamata, que incluem
lagartos, serpentes e anfisbenas, como são
chamadas as cobras de duas cabeças.
A pesquisa, que registrou
253 Squamata no Cerrado, prova que a biodiversidade
do bioma é ainda mais rica do que se
pensava. Para o levantamento geral, foram
percorridos mais de 30 mil quilômetros
por dez estados, ao longo de sete anos de
pesquisa, e coletados mais de 1.500 espécimes
em campo. No Brasil, e especialmente no Cerrado,
estes trabalhos de base, descritivos, ainda
são extremamente urgentes. “Sem esses
estudos não saberemos o que estamos
protegendo e o que está sendo perdido
em termos de biodiversidade”, salienta o analista
em Biodiversidade da Conservação
Internacional, Cristiano Nogueira, doutor
em Ecologia, que descreveu as espécies
em parceria com o zoólogo Miguel Trefaut
Rodrigues professor do departamento de zoologia
da Universidade de São Paulo.
Prioridade para a Conservação
- As novas espécies descritas no artigo
científico têm distribuição
aparentemente restrita, ou seja, exclusivas
de regiões especiais no Cerrado e seu
contato com a Caatinga. As duas ocorrem em
áreas prioritárias para a conservação,
revisadas recentemente pelo Ministério
do Meio Ambiente. Com uma taxa de desmatamento
de 2,6 campos de futebol por minuto, o Cerrado
é considerado um hotspot mundial, como
são definidas as regiões com
maior diversidade biológica e mais
ameaçadas do planeta.
Encontrado na região
do Parque Nacional Grande Sertão Veredas,
entre Minas Gerais e Bahia, numa das porções
mais ricas em répteis no Cerrado, o
Stenocercus quinarius está protegido
dentro do Parque. No entanto, a situação
das populações que estão
fora da unidade não é favorável,
devido à perda de vegetação
nativa. “Não há como assegurar
a conservação da espécie
apenas no Parque”, frisa Nogueira, observando
que “se as áreas do entorno continuarem
sendo devastadas, as populações
sofrerão perdas significativas, principalmente
na região das chapadas do oeste baiano,
hoje dominadas por monoculturas de soja”.
A situação
do Stenocercus squarrosus é diferente,
mas não menos preocupante. Ele foi
encontrado pelo pesquisador e curador de Herpetologia
do Museu de Zoologia da USP, Hussam Zaher,
no Parque Nacional da Serra das Confusões,
no sul do Piauí, que poderá
ser ampliado em breve, protegendo uma área
de transição entre o Cerrado
e a Caatinga. “A expansão do Parque
Nacional da Serra das Confusões e a
conservação do entorno do Grande
Sertão Veredas serão medidas
importantes para as duas novas espécies”,
conclui.
Testemunhos da história
natural – As duas novas espécies ocorrem
geralmente nos chamados carrascos - uma savana
muito densa, seca, quase como uma floresta
no topo de chapadas. “Eles vivem num ambiente
muito restrito e visado pelas carvoarias”,
alerta Nogueira. Rico em espécies endêmicas
e com características geomorfológicas
e de vegetação que o diferem
das fisionomias típicas do Cerrado
e da Caatinga, o carrasco pode representar
o remanescente de um domínio anterior
aos atuais, modificado por processos naturais
climáticos e geológicos, e seu
estudo deve oferecer pistas sobre a história
natural da biodiversidade e das paisagens
brasileiras. “As áreas de carrasco
guardam informações biológicas
antigas e únicas”, frisa o pesquisador.
“Ainda não se sabe quais as origens
deste tipo de ambiente, que em alguns locais
já está sendo bastante impactado”.
Características -
Com no máximo quatorze centímetros
de comprimento até a cauda, e cabeça
triangular sobre a qual há quatro protuberâncias
que lembram chifrinhos, os Sternocercus parecem
animais pré-históricos em miniatura.
Eles vivem em troncos de árvores e
em tocas feitas por outros bichos. Usam a
coloração discreta como forma
de camuflagem no ambiente natural, escapando
dos predadores. Os nomes das espécies
lembram aspectos da morfologia de cada um.
Traduzindo do latim, “quinarius”, refere-se
às cinco cristas salientes ao longo
do corpo, e “squarrosus” diz respeito ao aspecto
arrepiado das escamas do dorso.
Das mais de 50 espécies
de Stenocercus conhecidas, a maioria está
nas áreas elevadas da região
Andina. A descrição das duas
espécies representa um passo inicial
para o conhecimento da diversidade de répteis
no Cerrado, uma das regiões mais antigas
da América Latina. Nogueira compara
a descrição de novas espécies
à montagem de um quebra-cabeça,
em que cada informação é
uma peça fundamental para completar
o cenário original da biodiversidade.
“Alguns estudos e mapeamentos de síntese
só citavam as espécies de Stenocercus
nos Andes; agora quando houver um estudo mais
amplo desse gênero terão mais
peças, e peças únicas
e muito importantes, para o panorama geral
da diversidade das áreas abertas do
continente”, exemplifica.
Cristiano Nogueira – Analista de Biodiversidade
Miguel Trefaut Rodrigues - Professor do Departamento
de Zoologia da USP
Hussam Zaher – Curador de Herpetologia do
Museu de Zoologia da USP