02/02/2007
- Lideranças do Parque Indígena
do Xingu voltam a alertar para o risco de
conflito violento entre índios em razão
do envolvimento de grupos com a extração
ilegal de madeira. A inoperância das
autoridades e a falta de recursos para a fiscalização
do território permitem que o desmatamento
dentro da reserva prospere nos últimos
anos.
O Parque Indígena
do Xingu (PIX), no noroeste do Mato Grosso,
segue sendo ameaçado por invasões
de madeireiras clandestinas. Se no final de
2005 um um grupo de caciques denunciou um
foco de extração ilegal de madeira
nos arredores de uma aldeia Trumai, no limite
oeste do PIX, agora é a vez de lideranças
Ikpeng pedirem auxílio ao governo federal
para evitar o alastramento do desmatamento
perto de uma aldeia desta etnia. Os índios
afirmam que se os órgãos responsáveis
não intervierem pode haver conflitos
violentos entre aldeias, fato até hoje
inédito na reserva indígena
criada nos anos 1960 e que hoje é habitada
por uma população de 5 mil pessoas
de 14 etnias distintas.
Em ofício enviado
no começo deste ano à Fundação
Nacional do Índio (Funai), a Associação
Indígena Moygu Comunidade Ikpeg (AIMCI)
relata a gravidade da situação
na aldeia Ronuro que, não por coincidência,
é vizinha à aldeia Terra Nova,
dos Trumai, onde 800 hectares de floresta
foram desmatados entre 2004 e 2005. O relato
das lideranças Ikpeng, aliás,
se refere também às irregularidades
na aldeia Terra Nova: “Desde dezembro de 2004
está ocorrendo a retirada de madeira...
atividade esta que é de conhecimento
da Funai, não tem autorização
nenhuma por escrita... Sabemos que a retirada
de madeira dentro de área indígena
é uma atividade ilegal, no entanto
esse acontecimento tem vindo com outras irregularidades.
Constatamos a presença de pessoas não
autorizadas a entrar em área indígena,
com o agravante de estarem portando armas
de fogos”, afirmam os Ikpeng. “O fato é
que os empregados da madeireira que atua na
área participam e estimulam quase que
semanalmente de festinhas como forró.
Os riscos de contaminação por
doenças como DST, AIDS é grande,
pois as relações sexuais interétnicas
estão recorrentes e até casamentos
com índias.”
Cópias deste ofício
foram enviadas para Instituto Brasileiro de
Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis
(Ibama), Ministério Público
Federal, Polícia Federal, Ministério
do Meio Ambiente e organizações
da sociedade civil, entre elas o ISA, que
testemunha a ausência de medidas efetivas
por parte dos órgãos federais
para combater o desmatamento dentro do parque.
“Depois da denúncia dos caciques em
2005, o Ibama realizou uma ação
na área atingida e afastou os invasores.
O problema é que ficou nisso”, diz
André Villas-Bôas, coordenador
do Programa Xingu do ISA. “Como não
houve um monitoramento permanente do problema,
em pouco tempo os madeireiros voltaram para
dentro do parque expandindo sua área
de atuação”.
A inoperância das
autoridades para reprimir as invasões
dos madeireiros tem posto em risco as relações
pacíficas estabelecidas entre as aldeias
das diferentes etnias xinguanas. Na denúncia
feita ao governo federal, as lideranças
Ikpeng advertem que, se nada for feito para
acabar com o desmatamento dentro do parque,
poderão entrar em guerra contra os
invasores e os índios que estão
associados à atividade ilegal. “Diante
da gravidade desta situação...
vimos solicitar tomada de devidas providências
cabíveis urgentes, para impedir a continuidade
da retirada de madeira e as conseqüências
maléficas que essa atividade tem trazido
para dentro do Parque Indígena do Xingu.
Ou temos que trazer a imprensa para mostrar
a realidade no nível nacional e internacional.
Outrossim, queremos informar que se não
houver solução... os guerreiros
Ikpeng resolveram de forma violenta. O prazo
que os guerreiros vão esperar é
trinta dias...”.
O administrador regional
da Funai no PIX, Tamalui Mehinako, esteve
nas duas aldeias cujos caciques associaram-se
aos madeireiros dos municípios vizinhos
e já avisou a presidência da
Funai do risco de um conflito entre índios.
Em relatório interno, Tamalui diz que
“As ações de exploração
madeireira têm causado indignação
nas comunidades indígenas adjacentes,
o que pode evoluir para atitudes de confronto
entre os índios. As ameaças
foram feitas aos grupos que têm praticado
o corte ilegal das árvores, e podem
ser cumpridas, caso a Funai não intervenha
de forma eficaz, com a proibição
dessa exploração e fiscalização
permanente dessas áreas”.
“Lá não
tem mais mato não”
A visita do administrador
do parque as aldeias envolvidas foi em julho
do ano passado e a impressão, muito
negativa. “Lá não tem mais mato
não”, afirma Tamalui. “Andei muito
pela Aldeia Terra Nova e só vi trator,
caminhão de tora e muitos brancos acampados”.
O servidor conta que o cacique Ararapan Trumai,
ao conversar com ele, demonstrou estar arrependido
de abrir as portas do PIX para os invasores.
“Ele me falou que perdeu a cabeça e
que percebeu que está destruindo o
Xingu. Disse também que só fez
negócio com os madeireiros pois não
recebe da Funai carro, combustível
e alimento”. Tamalui diz que as justificativas
do cacique não o convencem. “Ninguém
no Xingu está passando fome, então
não precisa fazer isso. Para mim o
que ele quer mesmo é viver que nem
fazendeiro, andando em carro de luxo”.
Já na aldeia Ronuro,
segundo o relato de Tamalui Mehinako, a retirada
das toras conta com a autorização
do cacique local, Ataki Ikpeng. “Ele me disse
que viu seu parente Ararapan ganhar dinheiro
e os madeireiros chegarem à área
dele, então resolveu entrar no negócio.
Disse que só vai parar se o outro cacique
também parar”. O administrador do parque,
contudo, afirma que nem dinheiro os caciques
envolvidos no esquema conseguem ganhar. “Todo
o lucro fica com os brancos, os índios
não conseguem nada, apenas se endividar”.
O problema é que
a falta de recursos atinge também a
própria Coordenação de
Fiscalização da Funai. Tamalui
diz que desde o ano passado aguarda a liberação
de verbas para que os fiscais do Xingu possam
vistoriar os pontos mais vulneráveis
da reserva em condições mínimas
de trabalho, o que inclui equipamentos de
rádio, barcos a motor e combustível.
Enquanto o apoio não chega, novas invasões
pipocam no Parque Indígena do Xingu.
Na semana passada Tamalui recebeu em seu escritório
em Brasília um radiograma de Alupá
Kaiabi, coordenador de fiscalização
alocado no parque, que alerta para nova denúncia
de extração ilegal de madeira
na região norte do PIX. “Não
sabemos se dentro ou fora da reserva, por
este motivo necessitamos deslocar uma equipe
até o local...outrossim informar se
o combustível da fiscalização
que estava empenhado já está
liberado. Aguardo resposta”.
ISA, Bruno Weis.