Espécie
recém-descrita só existe no
Brasil e chegou a ser confundida com peixes
do Caribe e dos Estados Unidos - Salvador,
08 de março de 2007 — Artigo publicado
na última edição do Zootaxa,
jornal internacional especializado em biodiversidade,
aponta a existência de uma nova espécie
marinha de peixe exclusiva das águas
brasileiras. A espécie, batizada de
Lutjanus alexandrei, pertence à família
dos Lutjanídeos, que abrange peixes
de grande valor ecológico e importância
comercial, como o “caranho” (L. cyanopterus)
e o “vermelho” (L. purpureus). O estudo apresenta
a chave para a identificação
das demais espécies do gênero
Lutjanus no Atlântico ocidental, e também
endossa o acervo de trabalhos sobre espécies
que completam seus ciclos de vida em diferentes
ambientes marinhos e costeiros, evidenciando
a necessidade de políticas de conservação
que protejam ecossistemas inter-relacionados,
como mangues e recifes de corais.
O nome científico
do peixe faz referência a um importante
pesquisador brasileiro. “Sugerimos este nome
em homenagem a Alexandre Rodrigues Ferreira,
um naturalista brasileiro pioneiro. Infelizmente
suas descobertas não obtiveram pleno
reconhecimento, devido ao confisco de seu
acervo no Museu da Ajuda, em Lisboa, no ano
de 1808. O museu abrigava o resultado dos
trabalhos de Ferreira e de outros estudiosos”,
explica Rodrigo Moura, biólogo da ONG
Conservação Internacional (CI-Brasil),
que descreveu a espécie em parceria
com Kenyon Lindeman, pesquisador americano
da organização Environmental
Defense. Durante cerca de cinco anos, Moura
e Lindeman observaram a espécie em
seu habitat, estudaram acervos de museus brasileiros
e americanos e analisaram suas características.
Os peixes da família
Lutjanidae representam um dos recursos pesqueiros
mais importantes no litoral tropical das Américas.
Apesar disso, existem grandes lacunas no conhecimento
taxonômico e ecológico destes
peixes. Com a identificação
da espécie endêmica do Brasil,
doze espécies do gênero Lutjanus
são agora reconhecidas no Atlântico
ocidental, oito delas habitando a costa brasileira.
A descoberta é um
dos primeiros resultados do Programa “Ciência
para o Manejo de Áreas Marinhas Protegidas”
- MMAS (Marine Management Area Science Program,
em inglês). Iniciativa da Conservação
Internacional, o programa articula pesquisadores
das ciências biológicas e sociais
para avaliar a efetividade das Áreas
Marinhas Protegidas. O objetivo é descobrir
como as unidades de conservação
podem ser planejadas e administradas de modo
a contribuir para a conservação
da biodiversidade marinha e para a melhoria
da qualidade de vida das populações
costeiras. O MMAS está sendo implementado
na região dos Abrolhos desde outubro
de 2005.
Importância comercial
da nova espécie – A espécie
recém-descrita tem sido freqüentemente
confundida com dois peixes restritos ao Caribe
e à costa leste dos Estados Unidos,
o Lutjanus griseus e o Lutjanus apodus, conhecidos
na língua inglesa como “snappers”.
“Isso acontece porque essas espécies
têm algumas características em
comum com o peixe recém-descrito. Acreditava-se
que estas duas espécies habitavam o
nosso litoral, mas todos os espécimes
nos acervos brasileiros identificados como
L. griseus e L. apodus são, na verdade,
L. alexandrei”, esclarece Moura. Segundo o
pesquisador, a principal característica
que diferencia o peixe brasileiro dos seus
congêneres no Caribe e Estados Unidos
é o padrão de distribuição
das escamas e a coloração, marcada
por seis barras brancas, estreitas e verticais,
perceptíveis em seu corpo.
O Lutjanus alexandrei é
freqüente nos desembarques pesqueiros
do Nordeste e costuma ser confundido também
com o “dentão” (Lutjanus jocu), uma
espécie bastante conhecida pelos pescadores
brasileiros. Por isso, a descoberta traz implicações
mais amplas, como a necessidade de aprimoramento
das estatísticas oficiais sobre peixes
marinhos de importância comercial, principalmente
no Nordeste, onde há grande diversidade
de espécies. Segundo o artigo, a qualidade
das estatísticas pesqueiras de alguns
dos principais grupos de peixes recifais no
Brasil tem sido comprometida, devido ao conhecimento
taxonômico insuficiente e à carência
de guias práticos para identificar
as espécies.
Importância para a
conservação – O L. alexandrei
perpassa diversos habitats durante o seu ciclo
de vida e seus hábitos são predominantemente
noturnos. A espécie se distribui da
costa do Maranhão até o sul
da Bahia, ocorrendo em recifes coralíneos
e rochosos, lagoas costeiras, estuários
e manguezais, desde poças de maré
até recifes profundos. Nas etapas iniciais
da vida, estes peixes precisam de proteção
e alimentos, por isso se abrigam nos manguezais.
Já adultos, migram para ambientes recifais
e áreas mais profundas, onde são
explorados pela pesca. De acordo com Lindeman,
“as características complementares
destes ambientes são essenciais à
sobrevivência desta e de várias
outras espécies de relevância
ecológica e comercial. Daí a
importância de desenvolvermos estratégias
integradas de proteção a ecossistemas
marinhos interdependentes, abrangendo, por
exemplo, manguezais e recifes”.
Os estudos mais recentes
sobre peixes marinhos sugerem um considerável
isolamento biogeográfico das espécies
que habitam o Atlântico Sul ocidental.
Segundo Guilherme Dutra, diretor do Programa
Marinho da CI-Brasil, essas informações
apontam para novos paradigmas de gestão
pesqueira e conservação da biodiversidade
marinha. “O isolamento genético e as
áreas de distribuição
geográfica relativamente pequenas tornam
diversas espécies endêmicas do
Brasil extremamente vulneráveis. Por
isso, a gestão e conservação
destes peixes recifais deve ser feita de forma
extremamente cautelosa”, alerta.
Muitas espécies recém-descobertas
são importantes do ponto de vista da
conservação da biodiversidade
e também sob o aspecto comercial. Entretanto,
freqüentemente estes peixes tem sido
identificados incorretamente. “Por isso, as
conclusões do artigo apontam para a
importância de testemunhar os estudos
sobre peixes e pescarias costeiras com espécimes
de referência em museus e também
indicam a necessidade de investimentos contínuos
em estudos taxonômicos sobre peixes
marinhos, embora esse grupo seja considerado
suficientemente conhecido”, salienta Moura.
“Os estudos contribuem para o conhecimento
do que possuímos em termos de biodiversidade
marinha e, conseqüentemente, do que estamos
perdendo e do que deve ser protegido”, conclui.
Em 2003, Moura e pesquisadores do Museu de
Zoologia da USP e do Museu Nacional editaram
o Catálogo das Espécies de Peixes
Marinhos do Brasil, com contribuições
de outros nove pesquisadores, também
com o apoio da Conservação Internacional.
O artigo está disponível
no link
http://www.mapress.com/zootaxa/2007f/z01422p043f.pdf
Informações
Complementares
Zootaxa: Lançada
em 2001, a Zootaxa é uma publicação
internacional especializada em biodiversidade.
Mais informações em www.mapress.com/zootaxa
(inglês).
Catálogo das espécies
de peixes marinhos do Brasil (referência):
N.A.Menezes; Buckup, P.A; Figueiredo, J.L.
& Moura, R.L., eds. 2003. Museu de Zoologia
da Universidade de São Paulo, 160 p.
ISBN 85-87735-02-0.
MMAS: O Programa “Ciência
para o Manejo de Áreas Marinhas Protegidas”
(MMAS-Marine Management Area Science Program)
visa aliar as ciências sociais e biológicas
para avaliar a efetividade das AMPs. O Programa
busca responder, dentre outras questões,
como estas áreas podem ser administradas
e integradas para garantir a provisão
contínua dos recursos naturais, contribuindo
para a conservação da biodiversidade
marinha e para a melhoria da qualidade de
vida das populações costeiras.
O conhecimento científico gerado é
reproduzido em formatos de fácil compreensão
pelas comunidades e agentes tomadores de decisões.
O MMAS tem foco em ecossistemas tropicais
costeiros e, no Brasil, as ações
do Programa estão concentradas no Complexo
dos Abrolhos, região que resguarda
a maior biodiversidade marinha registrada
no Atlântico Sul. O MMAS é um
programa multidisciplinar e interativo que
envolve pesquisadores, ONGs, órgãos
governamentais, pescadores e outros atores
locais com forte abordagem empírica
através de estudos e atividades de
campo de médio e longo prazo. Iniciativa
da ONG Conservação Internacional,
o MMAS é financiado pela Fundação
Gordon e Betty Moore.
Fontes: Rodrigo Leão de Moura – Co-autor
do artigo. Biólogo Especialista em
Áreas Protegidas da Conservação
Internacional e Coordenador Sênior do
Programa Ciência para o Manejo de Áreas
Marinhas Protegidas – MMAS.
Kenyon Lindeman – Co-autor do artigo. Biólogo
da ONG Environmental Defense.