06
de Maio de 2007 - Pedro Biondi - Repórter
da Agência Brasil - Brasília
- Peixeiro Antônio Marcos Ribeiro mostra
dourada à venda no comércio
do entorno da capital federal. Ciclo reprodutivo
do peixe está ligado ao rio Madeira
e pode ser afetado pela construção
de hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio,
segundo especialistas.
Brasília - Para o
pesquisador Flávio Lima, do Museu de
Zoologia da Universidade de São Paulo,
a construção de barragens no
Rio Madeira teria impacto negativo sobre a
população de um dos peixes de
maior importância comercial da Amazônia:
a dourada, que, além de ser amplamente
consumida nas grandes cidades do Norte, tem
consumo em outras regiões do país
e no exterior.
O governo federal quer construir
no rio, em Rondônia, duas hidrelétricas
(Jirau e Santo Antônio), com 6.450 megawatts
no total – aproximadamente metade da potência
de Itaipu, a usina mais potente do país.
A obra depende da concessão de licença
prévia pelo Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama), que, em 23 de abril, publicou parecer
recomendando a não-emissão da
licença e pedindo a elaboração
de um novo estudo de impacto ambiental (EIA).
De acordo com o documento
do Ibama, os estudos feitos não identificam
todas as áreas que seriam afetadas
e deixam muitas incertezas. Uma das questões
destacadas é a sobrevivência
dos grandes bagres da região, entre
os quais a dourada.
“É muito difícil
prever o que aconteceria com esse peixe”,
disse o pesquisador Flávio Lima, em
entrevista à Agência Brasil.
“Certamente haveria um impacto negativo, mas
não se sabe a intensidade.” Segundo
ele, os exemplares da dourada crescem no estuário
amazônico, na região de Belém,
e migram até 3 mil quilômetros
rio acima para se reproduzir, desovando em
áreas de altitude superior, muitas
vezes na Colômbia e no Peru.
“A integridade da Bacia
Amazônica parece importante para que
os grandes bagres completem seu ciclo de vida,
e a dourada praticamente não usa o
outro grande tributário do Rio Amazonas,
que é o Rio Negro,” comenta Lima. Ele
indica o Madeira como “provavelmente o rio
da Amazônia mais importante para a pesca,
depois do Solimões”.
Lima avalia como incerta
a eficiência de mecanismos de transposição
de peixes, adotados para garantir o trânsito
deles entre as partes do rio a jusante (abaixo)
e a montante (acima) de uma barragem. No caso
de um canal lateral – a opção
prevista no projeto – a efetividade para a
subida pode ser “bem razoável”, diz.
“O problema maior é a volta, importante
especialmente para as ovas e larvas, que são
levadas pela correnteza.”
A situação
se agrava, alerta o pesquisador, se as barragens
regularem a vazão do rio ao longo do
ano. “O modelo escolhido [para a usina] é
o de fio d’água, que em tese não
modifica a vazão natural. Isso é
importante, porque rio abaixo existem muitas
áreas inundáveis, que fornecem
refúgio e alimento para os peixes.
Os rios mais produtivos são os que
têm áreas como essas.” Ele classifica
como “catastrófico” o controle do fluxo
de água exercido por usinas como a
de Tucuruí, no Rio Tocantins.
O pesquisador analisa como
pouco provável a extinção
(desaparecimento) de espécies por causa
dos dois represamentos projetados para o Madeira,
mas opina que ela certamente ocorrerá
caso se promova um aproveitamento elétrico
intenso, com várias barragens, na região.
Cita a hidrelétrica de Belo Monte,
no Rio Xingu, outra obra prevista no Programa
de Aceleração do Crescimento
(PAC).
Para o cientista, trata-se
de intervenções numa região
da qual resta muito a conhecer, e onde se
identificam, com freqüência, novos
tipos de animais e plantas. A seu ver, a discussão
deve ir além das implicações
econômicas: “A conservação
de espécies tem um valor intrínseco.
É uma questão ética,
moral”.