4 de Junho de 2007 - Wellton
Máximo - Repórter da Agência
Brasil - Brasília - O projeto das hidrelétricas
de Santo Antônio e Jirau, em Rondônia,
pode trazer reflexos que vão além
do alagamento provocado pela elevação
no nível do Rio Madeira e dos possíveis
obstáculos para a reprodução
dos peixes da região: ao atrair contingente
populacional e estimular o desenvolvimento
da agricultura no estado, as usinas podem
trazer um impacto semelhante ao causado pela
expansão da soja sobre o Mato Grosso.
O alerta é da organização
não-governamental (ONG) Conservação
Internacional.
No início de maio,
a entidade divulgou um estudo no qual aponta
os impactos dos principais projetos de infra-estrutura
no Brasil e no continente sobre as unidades
de conservação e os territórios
indígenas. No caso das usinas do Rio
Madeira a influência dos empreendimentos
não se restringiria a Rondônia
e também abrangeria o interior da Bolívia,
conclui a ONG. “Em relação a
esse projeto, a maior preocupação
não é com o que se diz, mas
com o que não é dito”, adverte
Isabella Freire, especialista em Política
Ambiental da Conservação Internacional.
De acordo com a organização,
os impactos ambientais e sociais das hidrelétricas
se tornariam ainda mais intensos porque os
dois empreendimentos, considerados prioridade
no Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC), são apenas parte
de um grande projeto de integração
do Brasil com a Bolívia. Além
de Santo Antônio e Jirau, o projeto
prevê a construção de
uma hidrelétrica binacional, no Rio
Mamoré (afluente do Madeira) e outra
em território boliviano.
O projeto do complexo não
se restringe à produção
de energia. As obras também prevêem
a recuperação de duas rodovias:
a BR-364, que liga Porto Velho (RO) a Cuiabá
(MT), e a BR-317, que vai de Porto Velho a
Rio Branco (AC). Para estimular a navegação
na região, seriam construídas
eclusas em cada hidrelétrica que formariam
uma hidrovia de 4,5 mil quilômetros
que se estenderia do interior da Bolívia
até o Rio Amazonas, conectando os Rios
Madeira, Guaporé e Beni. “Essa seria
a maneira de a Bolívia encontrar a
saída para o Atlântico”, ressalta
Isabella Freire.
Para a especialista, a redução
do custo de logística na região
proporcionada pelas usinas pode destruir qualquer
iniciativa de desenvolvimento sustentável
no oeste da Amazônia. “Vai ficar barato
produzir soja, o que vai expandir as fronteiras
agrícolas do país sem qualquer
respeito ao meio ambiente e às populações
que vivem na floresta”, salienta. “Será
o mesmo processo que ocorreu no Centro-Oeste.”
Em 2003, o consórcio
formado pela estatal Furnas e pela empreiteira
Odebrecht, que está elaborando o estudo
de impacto ambiental (EIA) das usinas de Santo
Antônio e Jirau, estimou que o complexo
vai impulsionar a produção de
25 milhões de toneladas de soja por
ano apenas no Brasil. Isso equivale à
expansão de 80 mil quilômetros
quadrados de agricultura mecanizada. As projeções
constam de um grupo de assessoria internacional
que ajudou na elaboração do
Plano Plurianual (PPA) 2004–2007 para a região
amazônica.
De acordo com o próprio
estudo da Conservação Internacional,
as conseqüências podem ser ainda
mais graves porque, para que ocorresse de
forma legalizada e respeitando as áreas
de preservação permanente, as
propriedades privadas teriam de ocupar pelo
menos mais 400 mil quilômetros quadrados,
cinco vezes mais que o previsto pelo consórcio.
“É impossível que uma expansão
dessa magnitude não se dê sem
desmatamento nem a expulsão de agricultores
familiares e comunidades tradicionais”, avalia
Freire. “Isso teria pelo menos que ser debatido
em conjunto com a população.”
Por enquanto, o governo
desistiu de construir as eclusas e deixou
em suspenso a proposta das usinas em parceria
com a Bolívia. Segundo a Casa Civil,
o grupo de trabalho formado em fevereiro de
2006 para discutir o projeto do complexo optou
por dar prioridade às usinas de Santo
Antônio e Jirau ao incluí-las
no PAC.
Para a Conservação
Internacional, no entanto, o recuo em relação
à proposta inicial representa um artifício
para adiar as discussões e permitir
a execução do projeto de forma
gradual. “O complexo do Rio Madeira é
outro grande projeto fragmentado para facilitar
seu licenciamento. Até mesmo as linhas
de transmissão, claramente imprescindíveis
às hidrelétricas, são
consideradas como projeto à parte”,
conclui o estudo. As linhas não constam
do EIA.