Ação na justiça
provoca a anulação da Zona de
Amortecimento do Parque de Abrolhos colocando
em risco a região com a maior biodiversidade
marinha do Atlântico Sul
Salvador, 15 de junho de
2007 — Na semana posterior às comemorações
do meio ambiente, a 7ª Vara da Justiça
Federal em Brasília resolveu anular
a portaria 39/2006 do Ibama, que estabelece
a Zona de Amortecimento (ZA) do Parque Nacional
Marinho dos Abrolhos. A decisão foi
motivada por ações da prefeitura
de Nova Viçosa (BA) e de Caravelas
(BA), que atualmente movem diversos processos
contra as medidas de conservação
na região, como a criação
da Reserva Extrativista do Cassurubá.
Com a decisão, publicada no dia 14
de junho, Abrolhos perde a sua zona de proteção,
ficando vulnerável a atividades potencialmente
causadoras de impacto ambiental.
A ZA foi estabelecida em
18 de maio de 2006, com a finalidade de garantir
a proteção dos ecossistemas
da região de Abrolhos, essenciais ao
turismo ecológico e à pesca
artesanal, que garantem o sustento de aproximadamente
100 mil pessoas. A medida prevê restrições
a empreendimentos e ações que
possam causar prejuízos ao meio ambiente
no entorno do parque, como a exploração
de petróleo e gás natural.
Para os limites da Zona
de Amortecimento também foram considerados
outros fatores, como a interdependência
entre ecossistemas, razão pela qual
a ZA abrange os manguezais da região,
considerados berçários da vida
marinha do Parque. Isso gerou oposições
de alguns setores, como os empresários
da carcinicultura, que pretendiam implantar
mega-fazendas de criação de
camarão na região coberta pela
Zona.
Para Guilherme F. Dutra,
Diretor do Programa Marinho da Conservação
Internacional, esta oposição
reflete um grande desconhecimento sobre o
funcionamento dos ambientes marinhos: “o mar
é um ambiente muito dinâmico
devido a fatores como a influência de
correntes e ventos, a existência de
organismos que realizam seus ciclos de vida
em áreas extensas e a interdependência
com ecossistemas costeiros”. Inúmeras
espécies de peixes do Parque completam
seu ciclo de vida em manguezais e áreas
mais profundas. “Por isso, os 95.000 km2 da
ZA, que parecem exagerados para os padrões
terrestres, são apenas razoáveis
para os padrões marinhos”, complementa.
Apesar disso, a ZA sofre
oposições desde sua criação.
Em maio do ano passado, o senador João
Batista Motta (PSDB/ES) elaborou o Projeto
de Decreto Legislativo 328/06, que também
pede a anulação da zona de proteção
do Parque. O projeto contou com as assinaturas
dos senadores Antônio Carlos Magalhães
(PFL/BA), César Borges (PFL/BA), Magno
Malta (PL/ES), Rodolpho Tourinho (PFL/BA)
e Marcos Guerra (PSDB/ES).
Em matéria da revista
Carta Capital, o Senador Motta foi acusado
de agir em interesse próprio. Na ocasião,
foi provado que ele e mais quatro familiares
são sócios da Cooperativa de
Criadores de Camarão do Extremo Sul
da Bahia (Coopex), grupo que pretende instalar
uma mega-fazenda de camarões nos manguezais
e restingas do Complexo dos Abrolhos. Com
a portaria, além das licenças
ambientais estaduais, a instalação
do projeto passou a depender também
da avaliação do Ibama. O polêmico
empreendimento seria beneficiado com a queda
da ZA.
Marcello Lourenço,
chefe do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos,
avalia a anulação da ZA como
um grande retrocesso nas políticas
sócio-ambientais da região dos
Abrolhos. Segundo Lourenço, os limites
da zona foram estabelecidos após anos
de pesquisas e trabalhos técnicos de
modelagem da dispersão de óleo
em cenários de derramamento, simulados
em função dos ventos e correntes
predominantes na região. Além
disso, desde 2004 o assunto é debatido
com representantes dos governos federal, estadual
e municipais, colônias de pesca, setor
de turismo, organizações não-governamentais
e pesquisadores, no Conselho Consultivo do
Parque Nacional. "É importante
observar que a decisão judicial questiona
o instrumento legal que criou a zona de amortecimento
– Portaria do IBAMA – concluindo que o instrumento
jurídico adequado é um Decreto
Presidencial ou uma Resolução
do CONAMA. Não há questionamentos
sobre o mérito técnico da zona
de amortecimento nem sobre seus limites. Assim,
trata-se apenas de uma questão administrativa:
se as zonas de amortecimento devem ser criadas
por Decreto ou Resolução, isso
precisa ser corrigido rápido, para
evitar que, com a ausência da proteção
da ZA, se facilite a instalação
de empreendimentos de alto impacto ambiental".
A anulação
da zona de proteção de Abrolhos
é mais uma medida que se soma a um
panorama de decisões equivocadas sobre
questões ambientais. Segundo Mário
Mantovani, da Fundação SOS Mata
Atlântica, “este realmente tem sido
um ano de perdas para o meio ambiente. Não
tivemos criação de nenhuma UC
no dia do meio ambiente, apesar de haverem
sete processos prontos para serem assinados
pelo Presidente, só na região
costeira e de Mata Atlântica da Bahia.
Agora há mais uma agressão ao
meio ambiente, com a derrubada da zona que
protege a área com a maior biodiversidade
marinha da parte sul do Oceânico Atlântico.
Está aberta a temporada de caça
aos Parques”.
Os ambientalistas esperam
que o governo federal se posicione e re-institua
a Zona de Amortecimento de Abrolhos através
de um instrumento legal cabível – o
fundamental é garantir a proteção
da região. Esperam, ainda, que as unidades
de conservação propostas para
o sul da Bahia sejam decretadas logo pelo
presidente da república, em especial
a Reserva Extrativista do Cassurubá,
que está no centro dos conflitos que
levaram à derrubada da ZA.
Informações
adicionais
Zona de Amortecimento - Segundo a lei 9.985/00,
que regulamenta o Sistema Nacional de Unidades
de Conservação (SNUC), a zona
de amortecimento abrange “o entorno de uma
unidade de conservação, onde
as atividades humanas estão sujeitas
a normas e restrições específicas,
com o propósito de minimizar os impactos
negativos sobre a unidade”.
Abrolhos: Com cerca de 56.000
km2 na costa sul da Bahia, a região
dos Abrolhos compreende um mosaico de ambientes
marinhos e costeiros margeados por remanescentes
de Mata Atlântica, incluindo recifes
de coral, fundos de algas, manguezais, praias
e restingas. Lá podem ser encontradas
várias espécies endêmicas
(que só existem na região),
incluindo o coral-cérebro, crustáceos
e moluscos, além de tartarugas e mamíferos
marinhos ameaçados, como as baleias
jubarte.
A região tem a maior biodiversidade
registrada no Atlântico Sul e foi declarada,
em 2002, área de Extrema Importância
Biológica pelo Ministério do
Meio Ambiente. O primeiro Parque Nacional
Marinho do Brasil foi criado justamente nessa
região, em 1983, ao largo das ilhas
que compõem o Arquipélago dos
Abrolhos, onde se encontram algumas das mais
importantes colônias de aves marinhas
do país.
ZA de Abrolhos - A Zona de Amortecimento do
Parque Nacional Marinho dos Abrolhos vem sendo
discutida pela sociedade civil e órgãos
governamentais desde 2003, quando a Agência
Nacional do Petróleo (ANP) ofereceu
grandes áreas para a exploração
de hidrocarbonetos na região. Nesse
período, foram produzidos estudos que
indicaram áreas ecologicamente sensíveis.
Estes estudos envolveram especialistas de
universidades brasileiras, do IBAMA e de organizações
não-governamentais.
Além dos cenários
de derramamento de óleo resultantes
das simulações, foram considerados
para a proposição dos limites
da ZA: as características biológicas
(evidências de conectividade biológica,
abrangência dos principais habitats)
e oceanográficas (geomorfologia e sistemas
de correntes) da Região dos Abrolhos;
a facilidade de reconhecimento dos limites
marinhos propostos; e características
sócio-econômicas da área,
como a dinâmica da pesca e do turismo.
A Coalizão SOS Abrolhos
é uma rede de organizações
do Terceiro Setor mobilizadas para proteger
a região com a maior biodiversidade
marinha registrada no Atlântico Sul.
A Coalizão SOS Abrolhos surgiu em 2003,
ano em que conquistou uma vitória inédita
para a conservação, ao impedir
a exploração de petróleo
e gás natural naquela área.
Atualmente a Coalizão está à
frente da Campanha "SOS Abrolhos: Pescadores
e Manguezais Ameaçados". A Coalizão
é formada pela Rede de ONGs da Mata
Atlântica; Fundação SOS
Mata Atlântica; Conservação
Internacional (CI-Brasil); Instituto Terramar;
Grupo Ambientalista da Bahia – Gambá;
Instituto Baleia Jubarte; Environmental Justice
Foundation – EJF; Patrulha Ecológica;
Associação de Estudos Costeiros
e Marinhos de Abrolhos - ECOMAR; Núcleo
de Estudos em Manguezais da UERJ; Movimento
Cultural Arte Manha; Centro de Defesa dos
Direitos Humanos de Teixeira de Freitas; Mangrove
Action Project – MAP; Coalizão Internacional
da Vida Silvestre - IWC/BRASIL; Aquasis –
Associação de Pesquisa e Preservação
de Ecossistemas Aquáticos; Agência
Brasileira de Gerenciamento Costeiro; Centro
de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento
do Extremo Sul da Bahia – CEPEDES; PANGEA
- Centro de Estudos Sócio Ambientais,
Instituto BiomaBrasil e Associação
Flora Brasil.