22/06/2007 Portaria deverá
estabelecer controles para os repasses feitos
a prefeituras que fazem o atendimento aos
índios O documento deve receber os
últimos retoques até o final
de julho. A intenção seria fortalecer
o controle social sobre os gastos. Funasa
diz que vai fazer “PAC do saneamento indígena”.
O Ministério da
Saúde (MS) está finalizando
o texto de uma portaria que deve introduzir
uma série de mudanças no sistema
de saúde indígena gerido pela
Fundação Nacional de Saúde
(Funasa). A proposta pretende estabelecer
controles para os repasses feitos a prefeituras
que atendem os índios. A intenção
seria obrigar os municípios a aplicar
os recursos que recebem – o que nem sempre
acontece hoje – abrindo espaço para
o controle social dos gastos e estabelecendo
sanções para quem não
prestar bons serviços.
O documento deve receber
os últimos retoques no dia 26 de julho,
durante a reunião do conselho tripartite
de gestores da saúde, que envolve autoridades
estaduais, municipais e do ministério.
A minuta da portaria foi discutida na reunião
do colegiado que aconteceu esta semana, em
Brasília. No “mérito”, ela foi
aprovada, de acordo com José Carvalho
de Noronha, secretário de Atenção
à Saúde do MS. “Acho que chegamos
a um bom termo com os representantes dos municípios.
Ficaram pendentes apenas detalhes operacionais”.
Noronha fez a afirmação
durante a reunião dos chefes dos Distritos
Sanitários Especiais Indígenas
(DSEIS) e presidentes dos Conselhos Distritais
de Saúde Indígena (Condisi),
que aconteceu em Brasília, de terça
a quinta-feira desta semana. A crítica
à atuação dos municípios
na assistência à saúde
dos povos indígenas deu o tom dos debates.
A proposta também foi discutida no
evento e sofreu modificações.
Apesar do anúncio
de Noronha, representantes dos municípios
têm feito um intenso lobby no MS para
atenuar restrições às
transferências recebidas da Funasa.
Hoje, elas têm quase nenhum controle.
A execução municipal dos recursos
vindos do órgão tornou-se uma
“caixa preta”. Já há algum tempo,
as lideranças indígenas vêm
denunciado que muitos governos locais acabam
usando a verba para outros fins e deixando
de prestar assistência às comunidades.
Dizem ainda que a contratação
de apadrinhados políticos com o dinheiro
da saúde indígena é uma
constante. Além disso, muitos gestores
públicos são declaradamente
anti-indígenas. E, por todas essas
razões as lideranças indígenas
têm reivindicado a regulamentação
e fiscalização dos repasses.
Em 2004, sem discutir o
assunto com as organizações
indígenas, o governo Lula promoveu
alterações polêmicas no
sub-sistema de atenção à
saúde indígena. A Funasa retomou
o controle sobre a maior parte das verbas
destinadas ao atendimento e deixou a outras
instituições o papel de contratar
pessoal e comprar insumos. Desde 1999, quando
foram implantados os DSEIs, o órgão
passara a firmar convênios com estados,
municípios, organizações
não-governamentais e fundações
para prestar serviços de saúde
indígena. Apesar do aumento do orçamento
da Funasa para o setor – neste ano, estão
previstos cerca de R$ 300 milhões –
a burocratização causou atrasos
nos repasses, no pagamento de fornecedores
e dos profissionais envolvidos. Saiba mais
Portaria
O texto apresentado pelo
governo estabelece que a aplicação
dos recursos deverá seguir um termo
de conduta pactuado entre os DSEIs, os conselhos
locais e distritais de saúde indígena
e as prefeituras. Elas terão de prestar
contas dos gastos aos conselhos. Caso não
cumpram o estabelecido ou não apresentem
informações, os repasses serão
suspensos. A futura portaria também
vai fortalecer o monitoramento dos tribunais
de contas e do ministério público.
Ainda não estão definidos os
valores per capita por região que servirão
para calcular os recursos destinados aos municípios.
A Funasa trabalha com a hipótese de
algo em torno de R$ 300 para a Amazônia,
R$ 225 para o Nordeste, Espírito Santo,
Goiás, Minas Gerais e Mato Grosso do
Sul e R$ 150 para o resto do País.
O documento foi bem recebido pela maior parte
dos chefes dos DSEIs e Condisis – já
que significa um freio à qualquer tendência
de municipalização do atendimento.
Os princípios da proposta vêm
sendo discutidos pelas organizações
e conferências indígenas há
alguns anos. Alguns conselheiros, no entanto,
cobraram um pouco mais de tempo para discuti-la
e mudanças mais profundas.
Vale do Javari
Jorge Marubo, presidente
do Condisi do Vale do Javari, município
de Atalaia do Norte, no extremo oeste do Amazonas,
aprovou a idéia do governo, mas acha
que ela não vai resolver o problema.
“Os DSEIs têm várias regras,
mas elas não são cumpridas.
Precisamos mudar todo o sistema de saúde
indígena”. A prefeitura de Atalaia
é acusada pelo Conselho Indígena
do Vale do Javari (Civaja) de discriminar
os povos nativos e fazer uso indevido dos
recursos destinados ao atendimento das comunidades.
O Civaja acionou o ministério público
contra a prefeitura, mas o problema não
foi resolvido.
A Terra Indígena
Vale do Javari abriga cerca de 3,7 mil índios
e vive uma das piores crises sanitárias
entre populações indígenas
do País, com epidemias de hepatite
e malária. A própria Funasa
realizou um inquérito sorológico,
em dezembro passado, em 309 índios
e descobriu que 56% deles portam o vírus
da hepatite B. Deste total, 44 desenvolveram
a doença. Um novo levantamento em 336
pessoas apontou que 56 estão com a
enfermidade. Só na aldeia de São
Sebastião, onde vivem 90 índios
Marubo, ocorreram 350 casos de malária
em um ano, ou seja, cada pessoa pegou a doença
mais de três vezes no período
(saiba mais).
A minuta de portaria não
trata dos convênios firmados com organizações
não-governamentais, que criticam o
excesso de burocracia do governo para analisar
suas contas e liberar os repasses. A Funasa
garante que vai aprimorar e intensificar o
monitoramento da prestação de
contas, mas ainda não tem um plano
detalhado para isso. “A responsabilidade de
acompanhar essa parte operacional também
é dos DSEIs, dos conselhos locais e
distritais”, defende Wanderley Guenka, diretor
substituto do Departamento de Saúde
Indígena (DSAI) da Funasa. Ele avalia
que, apesar dos problemas, a grande maioria
das ONGs vem prestando um serviço de
boa qualidade.
A maior parte dos conselheiros
e das organizações indígenas
defende que os DSEIs tenham autonomia administrativa
e orçamentária. O principal
caminho para concretizar a idéia seria
a criação de um fundo distrital
de saúde indígena. O mecanismo
daria maior liberdade aos distritos, controlados
pelos Condisis, para definir com o quê,
como e quando gastar. Hoje, se é identificada
alguma irregularidade em um convênio
e os repasses à conveniada são
suspensos, por exemplo, o recurso volta para
o governo. Com o fundo, isso não aconteceria.
PAC do saneamento
Lideranças e organizações
indígenas argumentam que a terceirização
é a responsável pela piora de
vários indicadores da saúde
indígena e pelo colapso no atendimento
em algumas regiões. Além do
Vale do Javari, a morte de crianças
por desnutrição entre os Guarani,
no Mato Grosso do Sul, e a volta da malária
entre os Yanomami têm sido objeto de
manchetes constantes na grande imprensa.
De 2003 a 2006, o total
de casos de malária em Terras Indígenas
aumentou de 19,9 mil para 29,8 mil, de acordo
com a Funasa. Apesar da média da mortalidade
infantil ter caído nos últimos
anos em todo Brasil, ela cresceu bastante
entre algumas populações. No
Vale do Javari, o índice subiu de 20
para 133,3 (por 1 mil nascidos vivos), de
2004 a 2006. Entre os Yanomami, a taxa subiu
de 69,8 para 125 e, no Rio Negro, passou de
48,6 para 68,4, no mesmo período.
Quase 60% das doenças
apresentadas pelas crianças indígenas
têm vinculação com a má
qualidade da água que elas consomem.
O presidente da Funasa, Danilo Fortes, promete
gastar R$ 220 milhões nos próximos
três anos no que chama de “PAC do saneamento
indígena”. Fortes diz que o programa
estaria sendo finalizado e aguardando liberação
de recursos na Casa Civil. O presidente da
Funasa diz que a intenção é
levar água encanada à quase
90% das aldeias do País – na Amazônia,
a média hoje é de 7%. E aumentar
o percentual de aldeias servidas por sistema
de esgoto de pouco mais de 20% para quase
70%. A Fundação também
estaria investindo na capacitação
de seus funcionários e dos agentes
de saúde e na compra de equipamentos
para controlar os surtos de malária
e hepatite.
ISA, Oswaldo Braga de Souza.