28/06/2007 - Comunidade
recebeu a visita de médicos apenas
duas vezes em vários anos e vive situação
grave, com a disseminação de
doenças facilmente controláveis.
Secretário de Saúde de Altamira,
responsável pela assistência
local, chegou a ser preso acusado de fraudar
licitações de medicamentos.
Mortes continuam em região considerada
prioritária para conservação
pelo governo federal.
No domingo, 17 de junho,
Reginaldo Pereira do Nascimento e Maria Maura
da Silva saíram de casa para procurar
atendimento médico para a filha caçula
Jamara, de 2 anos. Apesar de morarem numa
localidade com o sugestivo nome de Boa Saúde,
tiveram de remar por um dia inteiro até
chegar ao único profissional capaz
de dar algum tipo de assistência num
raio de centenas de quilômetros: um
microscopista, que poderia pelo menos identificar
a causa da febre alta e dos caroços
apresentados pela menina há três
dias, entre outros sintomas de malária.
Mas o técnico estava fora, em treinamento.
Reginaldo pediu socorro
por rádio ao escritório do Ibama
(Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis) de Altamira
(PA), município mais próximo,
a quatro dias de barco. “A vida de minha filha
está entregue a Deus”, disse ao funcionário
que o atendeu. A equipe do órgão
estava indo para a área por outros
motivos. Quando chegou, não havia mais
o que fazer. A menina morreu na sexta-feira,
22 de junho. Os pais têm outros cinco
filhos. A família é toda analfabeta.
Maria Maura está grávida mais
uma vez.
Jamara é a segunda
criança que morre por falta de atendimento
na Reserva Extrativista (Resex) do Riozinho
do Anfrísio em pouco mais de um mês.
Em maio, um bebê de 1 ano faleceu com
os mesmos sintomas. Em janeiro de 2006, outro,
de um ano e oito meses, morreu em decorrência
de vômito e diarréia às
margens do Rio Iriri, onde há outra
Resex.
Assistência zero
“Muita gente tem morrido.
A assistência ali é zero”, denuncia
Patrícia Greco, chefe da Resex do Riozinho
do Anfrísio. Ela afirma que a prefeitura
tem sido omissa para resolver o problema e
que o Ibama é praticamente o único
órgão público que está
atuando no local. O transporte de doentes
tem sido feito em caronas nas poucas operações
de fiscalização. Por apenas
duas vezes uma equipe de saúde esteve
na área, em 2005 e 2006. Da primeira,
por iniciativa da Fundação Viver,
Produzir e Preservar (FVPP) e da segunda,
do Ibama, que trouxe um médico de Brasília.
O município ajudou com técnicos
e remédios.
São comuns casos de doentes em estado
grave, sobretudo crianças que morrem
por falta de transporte ou chegam na cidade
já sem chance de sobreviver. Além
da malária, também têm
sido frequentes sintomas de diarréia,
anemia, verminoses, hepatite, doenças
de pele e até hanseníase. Sem
técnicos, não é possível
nem mesmo fazer diagnósticos precisos
e dizer se já há alguma epidemia.
O microscopista só identifica malária.
A Resex do Riozinho do Anfrísio também
conta com dois agentes comunitários
de saúde. Os três são
pagos pela prefeitura, mas não podem
fazer muito em casos mais graves. Os 257 moradores
estão indignados com a situação.
A lei estabelece que a maior
responsabilidade pela assistência à
saúde é dos municípios.
Os governos federal e estadual devem formular
as políticas do setor, transferir e
fiscalizar recursos.
Patrícia informa
que o Ibama fez apenas uma expedição
à Resex do Riozinho do Anfrísio
este ano, em março, para continuar
os trabalhos de implantação
do conselho deliberativo e do plano de manejo,
fundamentais para a consolidação
da Unidade de Conservação (UC).
Em novembro do ano passado, ocorreu outra
expedição com o mesmo objetivo.
Esta semana, os moradores estão em
Altamira para discutir a formação
do conselho. As ações de campo
estão paralisadas por causa da greve
do Ibama. Em 2006, o órgão realizou
quatro operações e alguns sobrevôos
de fiscalização.
A situação
da saúde também é grave
para cerca de 150 famílias que vivem
na Resex do Iriri, na Estação
Ecológica da Terra do Meio, no Parque
Nacional da Serra do Pardo e na área
destinada à Resex do Médio Xingu,
todos localizados na Terra do Meio, no centro
do Pará. A criação das
UCs, nos últimos dois anos, foi um
passo fundamental na luta contra a ação
de fazendeiros, grileiros e pistoleiros que
tentam invadir as terras dos moradores. A
região é considerada de alta
importância para a conservação
pelo governo federal (veja o Especial sobre
a Terra do Meio).
Parceria com CR Almeida
Dois dias antes da morte
de Jamara, expirou o prazo definido em uma
liminar concedida pela Justiça Federal
para que a prefeitura preste atendimento pelo
menos uma vez por mês aos habitantes
da Terra do Meio. A decisão impede
que a administração de Altamira
gaste recursos com propaganda enquanto a situação
continuar a mesma. Como nada foi feito, o
Ministério Público Federal (MPF),
autor da ação, pediu um novo
prazo, que termina amanhã, para que
a prefeita Odileida Sampaio (PSDB) e o secretário
de Saúde, Francisco Armando Alvino
Aragão, provem que estão dando
assistência aos ribeirinhos. Os dois
estão sujeitos a pagar R$ 5 mil cada
um caso não cumpram a determinação.
Aragão garante que
tenta firmar acordos há meses com o
Ibama, o Incra (Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária) e o Exército
para prestar o serviço, mas sem sucesso.
Apenas a Funai (Fundação Nacional
do Índio) teria disponibilizado um
barco. O secretário acabou encontrando
uma outra alternativa. "Vamos fazer uma
´parceria´ com a CR Almeida, partir
de julho", conta. A empresa é
apontada pelo MPF como responsável
pela “maior grilagem de terras” da história
do País. Ela se diz dona de um império
de quase 6 milhões de hectares e vem
agindo para impedir a criação
de UCs na região. Tem inclusive transportado
doentes e distribuído remédios
para cooptar a população (saiba
mais).
Alvino Aragão assegura
que a gestão local patrocinou a primeira
equipe médica enviada ao Riozinho do
Anfrísio e que sempre oferece ao Ibama
profissionais e medicamentos, que seriam os
itens mais caros da assistência de acordo
com o secretário. Ele argumenta que
os cerca de R$ 15 milhões destinados
por ano à Saúde de Altamira
não são suficientes porque são
gastos também para atender a população
de outros dez municípios. As distâncias
envolvidas e a seca dos rios da região
impediriam e encareceriam as ações
de campo na maior parte do ano. “É
muito fácil dar uma ‘canetada’ e dizer
que temos de realizar atendimentos mensais.
Só quem não conhece nossa região
acha que isso pode ser exigido.” Sobre a morte
da menina Jamara, afirma que “não é
só lá [na Resex] morrem pessoas.
Em outras localidades, isso também
está acontecendo.”
Considerado o “homem forte”
da prefeitura, o secretário chegou
a ser preso no final de março pela
Polícia Federal na Operação
Antídoto, suspeito de participar de
um esquema de fraudes em licitações
na compra de medicamentos. Só não
foi encarcerado porque conseguiu um habeas
corpus. Aragão é acusado de
desvio de recursos públicos para financiamento
de campanha eleitoral e formação
de quadrilha, entre outros. Apesar disso,
está sendo mantido no cargo.
A Operação
Antídoto prendeu 27 pessoas – incluindo
dois ex-secretários de Saúde
do Amapá, funcionários públicos
e de empresas – em Macapá, Belém,
Fortaleza, Altamira e Tartarugalzinho (AP).
Pesam sobre o grupo acusações
de corrupções ativa e passiva,
fraudes em licitação, tráfico
de influência, inserção
de dados falsos em sistema de informação
público e lavagem de dinheiro. Teriam
sido desviado mais de R$ 20 milhões
de verbas públicas da compra de remédios,
entre 2003 e 2006.
Recursos para propaganda
Patrícia Greco, do
Ibama, explica que, além dos medicamentos
e servidores oferecidos pela Secretária
de Saúde, as ações em
campo também exigem uma embarcação
e o pagamento de diárias, alimentação,
combustível, equipamentos e insumos.
Daí a dificuldade de aceitar a parceria
proposta pela prefeitura. A funcionária
do Ibama informa que somente de agosto a outubro
o acesso às comunidades torna-se um
obstáculo ao trabalho, mas nos outros
meses do ano, não.
Segundo o procurador federal
em Altamira, Marco Antônio Delfino,
existem recursos no orçamento municipal
para realizar os atendimentos. Ele aponta
que a prefeitura teria gasto R$ 561,4 mil
em propaganda, em 2005 e 2006. Outros R$ 680
mil teriam sido gastos no parque municipal
de exposições, em 2006. Delfino
avalia que, além da falta de atendimento,
a ausência de vacinação,
condições precárias de
higiene e quase 100% de analfabetismo estão
transformando doenças facilmente controláveis
em ameaças às comunidades da
Terra do Meio.
Disponibilizar um barco e combustível
em alguns pontos estratégicos da Resex
já faria grande diferença. Mesmo
a retirada de doentes por via aérea
não seria tão cara comparativamente.
A viagem por barco sai por R$ 1,8 mil e por
avião, R$ 2,5 mil.
A Resex do Riozinho do Anfrísio
foi decretada em novembro de 2004 com 736
mil hectares. “Mas não basta só
decretar. Se não existirem políticas
de implementação, não
adianta”, critica Antônia Melo, integrante
da FVPP e coordenadora do Grupo de Trabalho
Amazônico (GTA). Ela cobra uma ação
conjunta do Ibama, prefeitura e outros órgãos
responsáveis pela saúde das
populações ribeirinhas.
A prefeita Odileida Sampaio
e o secretário Francisco Armando Alvino
Aragão também são acusados
pelo movimento social de dificultarem o controle
social da gestão da Saúde. Na
semana passada, a prefeitura aprovou na Câmara
de Vereadores uma lei que restringe a participação
de organizações da sociedade
civil no Conselho Municipal de Saúde
de Altamira. A norma retirou do colegiado
associações que tinham uma posição
independente em relação à
administração. Elas prometem
pedir ajuda ao MPF para reverter a situação.
ISA, Oswaldo Braga de Souza.