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de Julho de 2007 - São duas as formas
mais comuns de se legalizar madeira extraída
ilegalmente de florestas naturais: nas autorizações
de exploração ou durante o transporte
Manaus (AM), Brasil — Marcelo
Marquesini, engenheiro florestal e membro
da campanha Amazônia do Greenpeace,
escreve sobre as brechas nos sistemas de controle
de produtos florestais
A Polícia Federal
apresentou recentemente mais um escândalo
de roubo de madeira na Amazônia. Desta
vez, a fraude teria envolvido três funcionários
do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama)
no Pará, acusados de emitir 19 mil
documentos de origem florestal (DOF) falsos
para acobertar o transporte ilegal de 1000
mil metros cúbicos de madeira nativa.
O esquema teria gerado toda a papelada em
apenas cinco dias do mês de novembro
passado. A polícia estima que mais
da metade dos documentos já foram utilizados
para ‘esquentar’ cerca de 50 mil árvores
extraídas ilegalmente no Pará,
em Rondônia e no Mato Grosso.
São duas as formas
mais comuns de se legalizar madeira extraída
ilegalmente de florestas naturais: nas autorizações
de exploração ou durante o transporte.
Para ilustrar o tamanho do problema, em dezembro
de 2005, o Greenpeace comprou um carregamento
de madeira ilegal em Rondônia, adquirindo
documentos de transporte e notas fiscais no
mercado paralelo e transportando a carga até
São Paulo, onde a madeira foi entregue
à Polícia Federal como prova
do crime.
Embora o último escândalo
tenha contado com a cumplicidade de funcionários
públicos, os dois sistemas existentes
para controle do fluxo de produtos florestais
na Amazônia ainda têm brechas
que dispensam o envolvimento de corruptos
nos órgãos de governo. Após
a aposentadoria da surrada Autorização
para Transporte de Produtos Florestais (ATPF),
em setembro do ano passado, o controle foi
totalmente informatizado e descentralizado,
ou seja, repassado aos estados, sem que estes
estivessem em condições mínimas
de realizá-lo. A situação
atual é propícia à contravenção.
Para descentralizar, o governo
federal disponibilizou para os estados o sistema
DOF, burlado dois meses depois pelos funcionários
do Ibama paraense. Já em março
de 2006, o governo do Mato Grosso se antecipara
e colocara em operação o Sistema
de Cadastro, Comercialização
e Transporte de Produtos Florestais (Sisflora),
recentemente adotado também por Rondônia,
Pará e Maranhão, quatro Estados
que respondem por mais de 90% da madeira processada
na Amazônia.
Só para se ter uma
idéia do descontrole desses dois sistemas
informatizados, o procedimento de fiscalização
feito durante o transporte não inclui
a checagem online das informações
apresentadas em papel comum pelo portador
da carga de madeira. Na prática, a
falta de acesso à internet permite
a circulação de madeira atestada
por ‘documentos’ forjados de forma até
mais simples que o eram as antigas ATPFs.
Sem checagem online, a madeira pode rodar
todo o País com ‘documentos’ elaborados
em um simples editor de textos. Os laptops
e palmtops anunciados pela ministra e pelo
então presidente do Ibama nunca apareceram.
Há uma falsa sensação
de controle.
Os sistemas informatizados
têm um enorme potencial, que pode, infelizmente,
se perder se forem mantidos os altos índices
de fraudes. Ainda falta cruzar os dados dos
sistemas com a realidade no campo. Caminhões,
balsas e barcos se movimentam. Depósitos
de madeira não. Salvo casos específicos,
os fiscais baseados nas capitais sequer têm
tido o trabalho de ir aos depósitos
de madeira de suas cidades. Como o sistema
funciona em tempo real, a conta da empresa
deve refletir o que ela tem em seu depósito
naquele momento, facilitando a fiscalização.
A gestão florestal
na Amazônia sempre foi polêmica.
O artigo da Lei de Gestão de Florestas
Públicas (Lei n° 11.284) que estabeleceu
que ela deveria ser responsabilidade dos Estados
não foi discutido amplamente com a
sociedade e entrou escamoteado no texto do
projeto de lei. A política que vinha
sendo desenvolvida pelo governo Lula, até
então conhecida como gestão
compartilhada, passou a ser chamada de descentralização,
em uma típica manobra para empurrar
um mico com o qual o governo federal nunca
teve capacidade para lidar.
Compartilhar a responsabilidade
com os governos estaduais pela gestão
das florestas brasileiras não se dá
por decreto. Ao descentralizar, a responsabilidade
do órgão gestor não deveria
diminuir, em um primeiro momento. Na verdade,
ela cresce, pois são dois sistemas
rodando ao mesmo tempo. É preciso disponibilizar
recursos financeiros e humanos para que o
controle da exploração florestal
seja realmente efetivo. Desde julho de 2006,
o Greenpeace vem alertando o governo federal
sobre a forma apressada e despreocupada com
que este processo vem sendo conduzido.
Descentralizar dessa maneira
é suspender o já frágil
controle das atividades florestais, sem que
os Estados estejam prontos para assumir suas
novas atribuições, criando um
perigoso vácuo no qual a tendência
é que os problemas e dificuldades se
multipliquem e a exploração
criminosa de madeira continue a todo vapor.
Os três poderes, legislativo,
judiciário e executivo, parecem não
se sensibilizar quando se fala de ilegalidade
no setor madeireiro na Amazônia. O próprio
Ministério do Meio Ambiente afirma
que a ilegalidade atinge, no mínimo,
63% dos 40 milhões de metros cúbicos
anuais de madeira produzida na Amazônia.
Há 10 anos o Greenpeace alerta que
este número pode chegar na casa dos
80%. Perde-se biodiversidade, libera-se gás
carbônico, grila-se terras públicas,
sonega-se impostos e gera-se conflitos sociais.
Se a gestão florestal
já está difícil para
os Estados, o que dirá as concessões
florestais. Coordenadas pelo Serviço
Florestal Brasileiro (SFB) as primeiras concessões
em áreas federais deverão acontecer
no final de 2007. O órgão trabalha
a todo vapor na complexa tarefa de regulamentar
o sistema e mapear o uso do solo nos dois
distritos florestais em implantação:
BR-163 e Carajás, ambos no Pará.
Se não houver concurso público
em 2008, o SFB não terá equipe
para monitorar as concessões, e o projeto
poderá ser mais um a legalizar madeira
extraída predatoriamente.
As concessões envolverão,
por um lado, um grande aporte de recursos
nos Estados vendedores de madeira e, por outro,
o acesso legalizado a matéria-prima
para a indústria. Dois fatores para
que os Estados amazônicos estimulem
as concessões em suas florestas, mesmo
sem a estrutura adequada para monitoramento
e fiscalização. Sem uma mudança
radical na política em nível
estadual, o desastre do descontrole florestal
no Brasil só tende a crescer, e com
a benção do governo federal.