25 de Julho de 2007 - Pedro
Biondi - Repórter da Agência
Brasil - Pedro Biondi/Abr - Mato Grosso -
Área de plantio no noroeste do estado,
próximo à região do Parque
Indígena do Xingu.
Brasília - Neste trecho da entrevista
à Agência Brasil, o diretor de
Xingu – A Terra Ameaçada, Washington
Novaes, comenta o avanço do agronegócio
na região onde fica o parque indígena
(norte de Mato Grosso e sul do Pará).
Na avaliação
de Novaes, que foi secretário de Desenvolvimento
Urbano e Meio Ambiente do Distrito Federal
e um dos relatores da Agenda 21 brasileira,
o país não estrutura sua economia
com base no que tem de mais promissor. Leia
o segundo trecho da entrevista concedida à
Agência Brasil. Confira, também,
o primeiro e o terceiro trecho.
Agência Brasil: Além
das questões culturais, o subtítulo
de sua nova série de documentários,
A Terra Ameaçada, tem a ver com o entorno
do parque.
Washington Novaes: O Xingu, você vê,
é uma ilha de vegetação
e de rios limpos, cercado pelo desmatamento
da soja, da agropecuária, por hidrelétricas,
por garimpeiro, por madeireiro. Já
está sendo fortemente afetado pelas
mudanças. Há um aquecimento
evidente, causado pelo desmatamento no entorno.
Alguns dos rios já chegam com agrotóxico,
com sedimentos resultantes da erosão
nessas atividades, que não respeitam
mata ciliar [às margens dos cursos
d'água, e cuja conservação
é obrigatória], não respeitam
nada. Os peixes podem ser afetados pelas hidrelétricas,
e peixe é um dos alimentos fundamentais
ali, com a mandioca.
O Brasil tinha que ter visão
estratégica. Dar-se conta nas suas
políticas de que que é detentor
do fator mais escasso no mundo, recursos e
serviços naturais, e de que o índio
é guardião deles. Estamos consumindo,
no mundo, acima da capacidade de reposição
da biosfera, e mudanças climáticas
são o segundo problema crucial. Um
país que tem uma dimensão continental,
tem 12% da água superficial, tem um
terço da biodiversidade, tem possibilidade
de uma matriz energética limpa e continua
atado a um modelo que vigora há 500
anos, de exportar baratinho produtos primários
e grãos para os países centrais...
ABr: Nesse contexto, como
o senhor vê a expansão do biodiesel
e do etanol?
Novaes: As biomassas para produzir energia
limpa, que podem ser uma das soluções
[no combate ao aquecimento], ameaçam
se tornar um grave problema. O álcool,
por exemplo: é evidente que precisa
haver um zoneamento para saber onde você
pode plantar sem danos. É preciso também
estabelecer regras, como alternação
de culturas, para não ter monoculturas
extensas. Juntar isso com a agricultura familiar,
para ela não ser despejada dos lugares
que ocupa, como já aconteceu no estado
de São Paulo. Criar cooperativas para
fornecerem cana, ou soja, ou pinhão-manso,
ou a matéria-prima que for, para as
usinas centrais, mas não transformá-los
em fornecedores com preços aviltados.
É preciso impedir as queimadas. Criar
regras para remuneração dos
trabalhadores, que hoje são quase escravos.
E não deve ser essa a única
alternativa. O Brasil tem altas possibilidades
na energia eólica, na energia das marés,
na solar. Um estudo mostra que se você
ocupasse um quarto da Usina de Itaipu com
placas de energia solar produziria o mesmo
que a usina. E o Xingu não escapa a
essa regra. O entorno precisa ser preservado,
ele é uma preciosidade. São
mais de 20 mil quilômetros quadrados
praticamente intactos. Isso é quase
uma Bélgica. Minha tese é que
o Xingu deveria ser reconhecido como patrimônio
histórico, ambiental e cultural da
humanidade.
ABr: Levantamento do ano
passado mostra bem isso – o baixo índice
de desmatamento em boa parte da terras indígenas.
Por outro lado, pesquisadores têm alertado
para a insustentabilidade de algumas atividades
indígenas, como a caça para
arte plumária, em muitos locais. É
possível pensar numa limitação,
algum tipo de manejo?
Novaes: De fato, diversos estudos mostram
que o formato mais eficaz para a conservação
da biodiversidade está nas áreas
indígenas. Não está nem
nos parques, nas áreas fechadas, nem
nas áreas de proteção
permanente. As áreas indígenas
significam hoje 23% da Amazônia. Mas
é preciso pensar nessas questões.
No Xingu mesmo, com o uso de caramujos em
colares para a venda, eles já estão
escasseando. Os Kuikuro estão fazendo
intercâmbio com os Pataxó, fornecendo
penas para eles. É evidente que isso
vai levar a um uso excessivo tanto de caramujos
como de aves. Os mais velhos dizem que o centro
de preocupação deles está
na educação. Desde que se implantou
nas aldeias a educação bilíngüe,
as crianças e os jovens passaram a
aprender a língua portuguesa. A televisão
se tornou uma presença muito forte,
e eles vão incorporando novos valores
e formatos de viver. Esse assunto não
está em discussão ainda no Ministério
da Educação, nem na Funai, em
lugar nenhum. Não sei se se deve interromper
[o ensino de português], mas acho que
se deve discutir. É possível
também que se pense uma política
estabelecendo uma compensação
para não haver um uso excessivo de
recursos. Isso tudo precisa ser discutido
com urgência.