25 de Julho de
2007 - Pedro Biondi - Repórter da Agência
Brasil - Pedro Biondi/Abr - Aldeia Ipatse
(Parque Indígena do Xingu) - O jornalista
Washington Novaes e índios kuikuro
junto à casa dos homens, na principal
aldeia dessa etnia
Brasília - Na terceira
parte da entrevista à Agência
Brasil, o jornalista Washington Novaes comenta
o pagamento, por direitos de imagem, às
aldeias onde fez gravações,
e diz que espera contribuir para que os brasileiros
ao menos se espelhem nas qualidades das sociedades
indígenas. Segundo ele, nos falta preparo
para uma mudança radical nesse sentido.
Leia também o primeiro e o segundo
trecho da entrevista.
Agência Brasil: Como
o senhor mesmo apontou, os índios mais
jovens, especialmente, manifestam desejo de
ter produtos da sociedade de consumo e integrar-se
mais aos brancos. Como lidar com isso? É
possível um processo mais equilibrado?
Washington Novaes: Não sei. Eu tenho
minhas dúvidas de que simplesmente
pela apropriação da tecnologia
de documentação em vídeo
ou em áudio isso aconteça. Há
algumas outras coisas sendo feitas, como o
reconhecimento dos conhecimentos tradicionais
dos Yaualapiti, com apoio de uma historiadora
e uma lingüista. Os antropólogos
dizem que as sociedades indígenas são
sempre capazes de absorver muitas coisas das
outras culturas sem perder a sua natureza.
Eu torço para que seja assim, mas,
acompanhando há mais de 20 anos o processo
no Xingu, fico com o coração
apertado, me perguntando se elas vão
ser capazes de resistir.
ABr: Que papel, a seu ver,
o governo deve ter diante dessas questões?
Novaes: Acho, em primeiro lugar, o país
ter uma estratégia que valorize essas
coisas que existem no Xingu. Isso precisa
ter desdobramentos na educação,
na demarcação de terras, na
proteção das áreas. Pelo
que vejo, praticamente nada nesse sentido
está sendo feito. A área que
tenho visto atuar é a da saúde.
A Funasa [Fundação Nacional
de Saúde] tem tido uma atuação
muito forte com vacinação, e
isso reduziu muito a mortalidade infantil,
e com outras ações que eu me
pergunto se são um bom caminho ou não,
como colocar poços artesianos e água
em cada casa, o que muda também o modo
de viver.
ABr: O senhor pagou às
aldeias por direitos de imagem. Acha que essa
deveria ser a prática sempre?
Novaes: Em 1984, quando consegui autorização
da Funai [Fundação Nacional
do Índio] para visitar todas essas
áreas, uma parte da legislação
a cumprir era uma portaria da Funai que estabelecia
pagamento para qualquer documentação
em área indígena. Só
que isso nunca havia sido cumprido. Foi conversado
com eles e com a Funai sobre o que seria justo.
Foi depositado antes de irmos para lá,
e criou um precedente principalmente para
televisões do exterior. Agora houve
negociação prévia, com
participação da Funai, e eles
estabeleceram R$ 30 mil por aldeia. Os Kuikuro
me mostraram um caminhão e disseram
que foi comprado com esse dinheiro. Eu sei
que isso é uma contradição,
um formato de entrada de dinheiro. Eu tento
fazer com que o problema não seja maior
fazendo que esse dinheiro vá para a
associação da aldeia, e seja
usado para acomunidade toda. Numa conversa
com índios sobre essa questão,
um deles brincou: “Você que ensinou
o caminho...”
ABr: A série original,
Xingu – A Terra Mágica, chegou a ter
20 pontos de audiência. O senhor acha
que ajudou a mudar, ainda que seja um pouquinho,
o que os brasileiros pensam sobre os índios?
Novaes: Eu quis mostrar o índio do
nascimento à morte – como nasce, como
é educado, adolescência, organização
social e política, arte, relação
homem-mulher... Cada um vai enxergar de uma
forma, mas eu espero dar, com isso, alguma
contribuição. Em 1986 encontrei
o Darcy Ribeiro [um dos mais importantes antropólogos
que o país já teve] na escada
de um avião e ele me disse: “Você
está contribuindo fortemente para mudar
a imagem do índio brasileiro”. Agora,
quando fui gravar na aldeia kuikuro, me chamaram
na frente da casa dos homens [espaço
simbólico de muitas aldeias] e falaram,
Jakalo e Afukaká, coisas que me emocionaram
muito. Jakalo disse que, antes, quando ia
ao Aeroporto Santos Dumont, as pessoas batiam
na boca, fazendo “U! U! U! U!” [de forma jocosa]
e que hoje isso mudou. Talvez a televisão
possa dar a sua grande contribuição
mostrando o que essas culturas têm de
fundamental. Nós não vamos voltar
a ser índios, não temos competência
para isso, mas essas sociedades podem apontar
rumos.