25/07/2007 - “Para nós,
povos indígenas, o nosso diploma é
aprender a falar e a escrever a nossa língua”
relatou o professor indígena Luiz Rodrigues,
da Escola Kubeo Yepa Suri, localizada no Alto
Uaupés, do lado brasileiro da fronteira
entre Brasil e Colômbia. Esta frase
marca o segundo dia de relatos de experiências
de outros grupos participantes da 5ª
reunião da Cooperação
e Aliança no Noroeste Amazônico
(Canoa), que está sendo realizada em
São Gabriel da Cachoeira (AM).
A Canoa, rede formada por
organizações indígenas
e não-indígenas do Brasil, Colômbia
e Venezuela, está reunida em São
Gabriel da Cachoeira (AM) para trocar experiências
que incentivem a adoção de políticas
públicas para contemplar as demandas
dos povos indígenas da região.
No segundo dia do evento, o tema mais debatido
por todos foi Educação, entretanto
houve também discussões sobre
mineração, saúde, alternativas
econômicas e turismo no noroeste amazônico.
Os representantes da Coordenadoria
das Organizações Indígenas
do Distrito de Iauaretê (COIDI), que
abrange a região brasileira do Médio
e Alto Uaupés, falaram principalmente
do movimento de educação escolar
indígena diferenciada que vem ocorrendo.
Por se tratar de uma região extensa,
muitas comunidades que ficam nos afluentes
do Uaupés, como no rio Papuri, por
exemplo, recentemente passaram a adotar a
proposta de ensino diferenciado, cuja metodologia
de ensino se baseia na pesquisa e na vivência
nas comunidades. Entretanto, na região
também há escolas diferenciadas
que estão a mais tempo no movimento
e já estão com seus projetos
políticos pedagógicos consolidados
como é o caso da escola Khumuno Wu’u,
dos povos Wanano.
Na região do rio
Içana, no Brasil, a educação
diferenciada também vem sendo adotada
pela grande maioria das escolas. A partir
da criação da Escola Indígena
Baniwa e Coripaco Pamáali, se iniciou
a formação de agentes de manejo
ambiental e de novos professores que hoje
atuam nas novas escolas que vem surgindo.
O grupo de representantes do Içana
relatou o processo de constituição
dessas novas escolas, cada uma com sua especificidade
territorial e lingüística. No
caso da escola Kariamã, localizada
na comunidade de Assunção do
Içana, no baixo Içana, por exemplo,
ensina-se a língua Nhengatú,
porque esta é a língua mais
falada na localidade. Já a partir na
Escola Paraatana, localizada um pouco acima
de Assunção, ensina-se a língua
Baniwa, que é a mais falada e adotada
pelas comunidades. André Fernando Baniwa,
vice-presidente da Foirn e diretor da Organização
Indígena da Bacia do Içana (Oibi),
falou ainda dos projetos de comercialização
de artesanatos, de cestaria de arumã
(Arte Baniwa) e ainda da pioneira iniciativa
de comercialização da “Pimenta
Baniwa”.
Em relação
à saúde, os baniwa chamaram
a atenção dos demais participantes
para uma recente pesquisa feita pelo Instituto
Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa)
sobre o alto índice de mansolenose
na região do Içana. Mansolenose
é uma doença transmitida por
um mosquito conhecido na região como
“pium” (e como “borrachudo” na região
sul do País) e que causa muitas dores
no corpo, febre e dor de cabeça. André
Baniwa disse que é de suma importância
que haja uma ação conjunta entre
Brasil e Colômbia na questão
do tratamento dessa doença: “Para nós
o rio é um só, sem fronteiras,
as ações precisam ser conjuntas.
Não adianta tratarmos essa doença
nas nossas comunidades do lado brasileiro,
se nossos parentes colombianos vêm sofrendo
desse mesmo mal”, alertou.
Do outro lado da fronteira,
a Associación das Comunidades Unidas
del rio Isana y Surubi (ACURIS) – da área
que corresponde ao Alto Içana no lado
colombiano - vem trabalhando na elaboração
do “Plan de vida” (Plano de vida) das suas
comunidades. O “Plan de vida” é uma
série de reflexões profundas
e estratégias formuladas pelos próprios
indígenas que determina a governança
das suas comunidades. De acordo com Hernando
Velásquez, liderança da ACURIS,
o “Plan de Vida” precisa ter respostas aos
questionamentos que fazemos para nossas comunidades
que vão ajudar a formular esse documento.
“Precisamos saber como vivíamos antes?
Como estamos vivendo hoje em dia e como queremos
viver no futuro?”, questiona ele.
A saúde é
uma grande preocupação para
a ACURIS. Com base no “Plano de Vida”, a associação
vem pesquisando com as comunidades e os “sabedores”
(os mais velhos) sobre plantas medicinais,
doenças comuns e tempos de ocorrências
dessas doenças. Esses dados, ao serem
sistematizados, oferecerão subsídios
para a elaboração de um “Plano
de Saúde de Atenção Básica
Indígena”. Todas as pesquisas já
feitas possuem o apoio do governo colombiano
por meio das Autoridades Tradicionais Indígenas
(AATIS).
Já os dois grupos
do rio Negro - do médio rio Negro II
e rio Negro acima e rio Xié -, por
sua vez, falaram das dificuldades que vêm
enfrentado para implementar uma educação
diferenciada nas suas escolas. Eles apontaram
que a presença de uma assessoria pedagógica
é a chave para que possam de fato construir
um projeto político de educação
diferenciada para sua região. Mesmo
sem o apoio necessário, essas lideranças
vêm trabalhando para a adequação
das suas escolas à cultura local.
Mineração
Alguns temas específicos
que são comuns aos dois lados da fronteira,
como a mineração, foram levantados
durante o segundo dia de reunião para
a identificação de diferenças
e semelhanças na regulação
da atividade no Brasil e na Colômbia.
No caso brasileiro, os povos indígenas
têm direito ao usufruto da terra, mas
o subsolo é da União. Portanto
a mineração em terras indígenas
no Brasil, em princípio, é proibida,
pois não existem leis que regulamentem
a atividade nesses territórios.
Já na Colômbia,
Francisco Ortiz, da Fundação
Gaia, explicou que não existe propriamente
uma proibição. O Estado colombiano
dá preferência de exploração
para os povos indígenas, mas se estes
não queriam praticar a atividade, o
governo pode repassar esses direitos para
alguma empresa mineradora. Entretanto, não
há políticas claras que regulamentem
a exploração. Ortiz informou
ainda que, na cabeceira do Rio Guainia, no
sudeste colombiano, uma empresa mineradora
canadense vem realizando prospecção
na área, e alertou que se for liberada
a licença de exploração
haverá um grande risco das populações
de vivem ao longo do rio sofrerem com impactos
ambientais. “Esses impactos não ficariam
somente no lado colombiano, pois o Rio Negro
é uma continuação do
Rio Guainia, portanto aqui embaixo todos sofrerão
tal qual os povos de cima”.
Cabeceiras ameaçadas
Uma outra questão
levantada pelos participantes brasileiros
da Canoa foi a existência de plantações
de coca dentro dos resguardos indígenas
da Colômbia. De acordo com Martin Von
Hildebrad, da Fundación Gaia, porém,
a grande maioria dos territórios indígenas
colombianos está fora da área
de atuação dos traficantes.
“A maior área ocupada pelos produtores
se localiza em torno de parques nacionais
que, inclusive, estão sofrendo um forte
desmatamento”, disse ele. Hildebrad acrescentou
que algumas cabeceiras de importantes rios
que banham a Amazônia Colombiana estão
nesses parques. “Temos uma grande preocupação
que é a questão das cabeceiras
dos rios que estão nos resguardos indígenas.
A bacia do Rio Caquetá, por exemplo,
que banha grande parte dos resguardos indígenas,
se encontra exatamente nesses locais. Por
isso essa é uma ação
prioritária para Fundação
Gaia nos próximos anos, estamos organizando
nossa atuação para conservação
dos rios e da floresta em âmbito de
bacia”, informou Hildebrand. O coordenador
da Gaia lembrou da ação da campanha
“Ikatu Xingu”, que luta para recuperação
das cabeceiras do rio Xingu que se encontram
fora dos territórios indígenas
e vêm sofrendo com o extenso desmatamento
para criação de gado e plantação
de soja.
ISA, Andreza Andrade.