5 de Agosto de 2007 - Pedro
Biondi - Repórter da Agência
Brasil - Pedro Biondi/ABr - Aldeia Ipatse
(Parque Indígena do Xingu) - Índio
kuikuro ajeita esteira com
peixe moqueado em fim de semana de comemorações
no local. Pelo processo, os peixes são
assados e defumados durante horas.
Brasília - Embora manifeste preocupação
diante da expansão prevista para a
soja no Mato Grosso, o coordenador do Programa
Xingu, do Instituto Sociambiental (ISA), André
Villas-Bôas, aponta um aumento na conscientização
no estado sobre a importância de preservar
os recursos hídricos.
“Você começa
a notar um consenso de que isso é básico,
e um entendimento claro de que água
é uma questão econômica”,
diz o antropólogo, que destaca a existência
de diferentes graus no processo de colonização
no estado. Ele diz que em parte das ocupações
recentes se verifica uma preocupação
maior com os parâmetros ambientais,
que se reflete num planejamento mais cuidadoso
da propriedade rural. “Mais ao sul, onde estão
os maiores passivos ambientais [isto é,
mais degradação a reverter],
há uma conscientização
sobre os danos. Os proprietários puderam
ver que, ao longo dos anos, secaram grotas
de água, determinados córregos.
Viram que a ocupação teve um
impacto muito grande.”
O instituto trabalha, desde
2004, com a campanha ‘Y Icatu Xingu, que visa
à recuperação das nascentes
da região – muitos dos rios que formam
o Xingu nascem fora do território indígena.
Entre as estratégias da iniciativa,
que tem como meta revitalizar 300 mil hectares
degradados do mata ciliar (que margeia cursos
d’água), estão a formação
de uma rede de sementes de espécies
nativas, a capacitação de líderes
e a promoção do desenvolvimento
sustentável por intermédio da
mídia local e de escolas.
As práticas a disseminar
incluem o uso de curvas de nível, entre
outras formas de controle da erosão,
e a observância de critérios
para a abertura de estradas. Além disso,
há cerca de 20 projetos pilotos buscando
estabelecer formas de recuperação
de vegetação adequadas para
pequenas e grandes propriedades e assentamentos
de reforma agrária.
“No caso da agricultura
familiar, eles podem continuar usando a mata
para culturas de subsistência, num método
de agroflorestação, e no final
do processo já se tem uma mata em recuperação”,
diz Villas-Bôas. “Quando se trata da
pecuária, você precisa isolar
a área, evitar que o gado pisoteie
as nascentes. Geralmente os grandes proprietários
são resistentes ao trabalho de recuperação,
e por isso estamos desenvolvendo metodologias
para diminuir os custos e aumentar a eficácia.”
Ele cita o experimento com o uso de plantadeiras
agrícolas no plantio de sementes de
árvores amazônicas.
Segundo o coordenador, o
ISA trabalha com vários parceiros no
estado, entre eles ministérios e órgãos
do governo federal, prefeituras, instituições
de pesquisa e organizações da
sociedade civil. “Deveria haver linhas de
crédito nos bancos, um pouco mais subsidiado,
para esse tipo de investimento”, opina.
André Villas-Bôas
compara o Xingu a um ralo dos processos que
acontecem na região. Sobre poluição
na água que chega aos índios,
diz não conhecer dados conclusivos,
mas conta que está em curso um estudo
com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia
(Ipam) e o povo Kinsedje (ou Suyá)
sobre o Rio Pacas, que corta áreas
de soja e de pecuária a leste e entra
no parque. “A entrada da ANA [Agência
Nacional de Águas] nesse monitoramento
vai permitir ampliar isso e ter uma visão
integrada sobre a saúde dos afluentes
do Xingu”, comenta.
Quanto às hidrelétricas
previstas para a região, o antropólogo
opina que existe uma série de dúvidas
a esclarecer, em relação principalmente
aos impactos na população de
peixes – uma das principais fontes de alimento
para os povos xinguanos. O Complexo de Usinas
Paranatinga, para abastecimento estadual,
está em construção no
Rio Kuluene, e a Usina Hidrelétrica
de Belo Monte, no Rio Xingu, é um dos
principais empreendimentos de energia destacados
no Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC), do governo federal.
“Inicialmente, o principal
impacto da Paranatinga é a forma de
implantação, um processo absolutamente
irresponsável e desastrado”, critica
o representante do ISA. “Não foi feito
um trabalho de consulta regional. Houve um
processo de cooptação de lideranças
indígenas com um impacto imenso. Os
Villas-Bôas demoraram 30 anos para um
trabalho de pacificação, para
que etnias, algumas até inimigas, convivessem
[refere-se aos irmãos Cláudio,
Orlando e Leonardo, que estiveram à
frente da criação do parque].
E agora o Estado, que era importante nessa
mediação, começa a promover
a divergência entre esses povos para
legitimar uma obra.”