25/09/2007 - O Presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, atendendo
sugestão do presidente da Funai, Márcio
Meira, escolheu a sede do município
mais indígena do Brasil, no extremo
noroeste da Amazônia, para lançar,
em 21 de setembro, a Agenda Social dos Povos
Indígenas ou Programação
de Aceleração do Crescimento
(PAC) Social Indígena. Lula estava
acompanhado pelos ministros da Saúde
e da Justiça e do governador do Amazonas,
entre outras autoridades. Em reunião
com as lideranças indígenas
da região e em ato público,
Lula ouviu denúncias,
propostas e queixas. Passados cinco anos,
as reivindicações contidas no
Programa Regional de Desenvolvimento Indígena
Sustentável do Rio Negro e entregues
à equipe do governo de transição
de Lula, no final de 2002, nunca receberam
resposta. Mas o PAC Indígena ainda
requer explicações. Veja análise
do ISA no final do texto.
Assim que chegou a São
Gabriel da Cachoeira, no extremo noroeste
amazônico, na manhã da sexta-feira,
21 de setembro, para lançar o PAC Social
Indígena, o Presidente Lula reuniu
os líderes indígenas convidados
por sua equipe para uma conversa a portas
fechadas. O diretor do ISA, Beto Ricardo,
participou da reunião como indicado
pela Federação das Organizações
Indígenas do Rio Negro (Foirn) e convidado
do presidente da Fundação Nacional
do Índio (Funai), Marcio Meira. Previsto
inicialmente para acontecer na sede da Foirn,
o encontro foi transferido para o Círculo
Militar do Alto Rio Negro, porque a tradicional
maloca da Federação está
em reforma. Na conversa, que durou uma hora,
as lideranças indígenas fizeram
as suas reivindicações. Domingos
Barreto, diretor-presidente da Foirn, entregou
nas mãos de Lula uma carta reafirmando
a necessidade de se implementar o Programa
Regional de Desenvolvimento Indígena
Sustentável (PRDIS) do Rio Negro, entregue
à equipe de transição
do governo Lula, então recém-eleito,
em dezembro de 2002. (Clique aqui para ler
a Carta da Foirn na íntegra).
O PRDIS é um conjunto
de ações integradas, entre as
políticas públicas federais,
estaduais e municipais juntamente com as organizações
não-governamentais, cujo objetivo maior
é implementar um tipo de desenvolvimento
que valorize a diversidade, os conhecimentos
tradicionais e garanta um novo patamar de
bem-estar para as comunidades do Rio Negro.
Barreto disse a Lula que, após cinco
anos de governo, nenhuma das reivindicações
havia sido atendida. Lula informou que desconhecia
o documento e que iria investigar quem o “guardou”,
mas que apesar disso iria apoiar as demandas.
De acordo com informações
dos indígenas presentes à reunião,
nenhuma das falas foi mais surpreendente que
a de Davi Kopenawa, líder Yanomani,
que fez questão de dizer que diferentemente
dos demais não entregaria nenhum papel
ao Presidente. “Eu falei nos olhos dele que
o governo já sabe qual é o nosso
desejo: Yanomami não quer mineração
em terra indígena”, disse Kopenawa.
“O governo precisa ter muito cuidado, porque
vocês nunca conversaram com a natureza,
não conhecem a vida da terra e do rio.
Nós somos todos um povo só,
o branco usa a mesma coisa, água, ar,
terra. Quando a mineração entrar
na cabeceira do rio, vai destruir tudo, o
governo não sabe onde fica o coração
da terra, a máquina que cava o buraco
fere o pulmão da terra e isso vai deixar
todo mundo doente, nós e a natureza.
Mineração pra mim é crime,
por isso quero que o governo respeite o povo
Yanomami e respeite a terra demarcada”.
Kopenawa disse ainda que
o anteprojeto de Lei de Mineração
em Terras Indígenas está sendo
amplamente difundido por seu criador, o senador
Romero Jucá (PMDB-RR), em forma de
propaganda política nos meios de comunicação:
“Eu disse pro presidente que Romero Jucá
vai à televisão e diz que Lula
apóia e vai assinar o projeto de Lei
que abre mineração em terras
indígenas. Nós não aceitamos
isso, nós não queremos que invadam
nossas terras”, reafirmou o líder.
O Ministro da Saúde, José Gomes
Temporão, também ouviu reivindicações
e denúncias de Davi: “Os Yanomami precisam
de saúde para sobreviver e a atenção
à saúde que a Funasa vem prestando
a nós, não funciona. O Ministério
da Saúde precisa usar direito o dinheiro
e não ficar desviando a verba que vem
pra nossa saúde. Tudo isso acontece
porque a Funasa está muito desorganizada.
Beto Ricardo entregou ao
presidente Lula um exemplar da publicação
Povos Indígenas no Brasil 2001-2005,
explicando que essa obra de referência,
cuja série foi iniciada em 1980, contribuiu
para dar visibilidade aos povos indígenas
na luta por seus direitos coletivos.
A visita do Presidente da
República foi articulada e coordenada
pelo atual presidente da Fundação
Nacional do Índio (Funai), o antropólogo,
Márcio Meira. Na comitiva estavam o
Ministro da Saúde, José Gomes
Temporão, o Ministro da Justiça,Tarso
Genro, o Ministro dos Transportes,Alfredo
Nascimento, o governador do Amazonas, Eduardo
Braga e o presidente da Funasa, Danilo Fortes.
Lideranças indígenas foram especialmente
convidadas para assistir a cerimônia,
entre elas Davi Kopenawa Yanomami, de Roraima,
o Kaiapó Megaron Txucarramãe,
do Pará, Pierângela Cunha, do
povo Wapichana de Roraima e integrante do
Conselho Nacional de Política Indigenista
e várias lideranças do Rio Negro,
como o presidente da Foirn, Domingos Barreto
Tukano.
Agenda Social dos Povos
Indígenas ou PAC Social Indígena
De acordo com informações
do presidente da Funai, Márcio Meira,
a Agenda Social dos Povos Indígenas
é um conjunto de ações
interministeriais que visa a melhoria da qualidade
de vida dos povos indígenas do Brasil
e possui três grandes eixos: Proteção
dos Povos Indígenas, Promoção
dos Povos Indígenas e Promoção
da Qualidade de vida dos Povos Indígenas.
Algumas dessas ações principais
têm como metas:
:: Demarcar 127 terras indígenas
e reassentar 9 mil famílias de trabalhadores
rurais ocupantes de terras indígenas
até 2010;
:: Recuperar áreas
degradadas em terras indígenas, promover
a criação de territórios
indígenas da cidadania, fortalecer
11 frentes de proteção a povos
indígenas isolados;
:: Documentar e fortalecer
a prática de 20 línguas indígenas
ameaçadas de desaparecimento;
:: Levar benefícios
do governo federal a todas as aldeias e população
indígena urbana do país, fortalecendo
as organizações indígenas
para o exercício do controle social
das ações governamentais.
Para cumprir as ações
planejadas na Agenda Social dos Povos Indígenas,
Márcio Meira anunciou que em 2008 o
orçamento da Funai vai receber um aumento
de 44% . A verba é do próprio
governo federal, que repassou para a Funai
R$ 305 milhões, e mais R$ 200 milhões
à Funasa, somando R$ 505,7 milhões.
A participação da Funasa se
deve ao chamado PAC Funasa, que pretende levar
saneamento básico e tratamento de água
para as aldeias indígenas e comunidades
quilombolas. As regiões prioritárias
indicadas pela Funai para iniciar as ações
são o Alto Rio Negro, Vale do Javari,
no Amazonas, Raposa/ Serra do Sol e Terra
Indígena São Marcos, em Roraima.
Para dar conta de tanta demanda nos próximos
anos, Meira informou que, a partir de 2008,
vai reestruturar o quadro de funcionários
do órgão por meio de capacitação
e concurso público.
Lideranças Indígenas
analisam o PAC
O conjunto de ações
empreendidas por meio do PAC Social Indígena
foi apresentado pelo presidente da Funai,
Márcio Meira, e ratificado no discurso
de Lula, na tarde do dia 21, em evento aberto
ao público, no Ginásio de Esportes
de São Gabriel da Cachoeira, totalmente
lotado. Entretanto, as lideranças indígenas
acreditam que falta muita informação
a respeito, pois não houve um momento
para se discutir a fundo os caminhos que o
programa seguirá. "O governo não
explicou direito o projeto, pra mim não
ficou claro. Ele só fala em obras e
nós não queremos obras nas nossas
terras. O governo não convidou os povos
indígenas, nem instituições
que trabalham conosco pra discutir esse projeto.
Por isso estou preocupado. Esse mesmo projeto
que quer nos proteger vai de frente com o
outro projeto do senador Romero Jucá
que quer destruir nossas terras com mineração",
disse Davi Kopenawa.
Já Domingos Barreto,
da Foirn, que discursou no evento público,
considera que o programa é “razoável”,
que traz uma oportunidade de dialogar com
o governo. (Clique para ler o discurso de
Barreto no ginásio de esportes). “O
que não ficou claro para nós
é como esse programa será implantado,
quem serão os responsáveis,
qual o tipo de envolvimento que teremos. Nós
acreditamos muito na parceria entre as organizações
indígenas, organizações
da sociedade civil e governo, esperamos que
seja assim”. Domingos informou ainda que Márcio
Meira falou da possibilidade de “adaptar”
o Programa Regional de Desenvolvimento Indígena
Sustentável da Foirn ao que eles estão
chamando de Territórios Indígenas
da Cidadania, uma categoria criada pela Funai,
com apoio do Ministério do Desenvolvimento
Agrário, que elege um território
que possui necessidades em comum para assim
propor uma série de ações
de melhoria via ministérios. “Se isso
acontecer, precisamos conversar bastante porque
já temos muita experiência aqui
no Rio Negro, de projetos-piloto que visam
o desenvolvimento sustentável específico
para nossas comunidades, por isso a Funai
precisa nos ouvir”, disse.
Em relação
ao PAC Funasa (Fundação Nacional
da Saúde), anunciado como parceiro
da Agenda Social dos Povos Indígenas,
Domingos Barreto disse que há alguns
anos houve uma tentativa de implantar sistemas
de saneamento básico e tratamento de
água nas comunidades do Rio Negro,
mas não deu certo. “A tentativa de
tratar água e esgoto nas nossas comunidades
foi da Funasa e não funcionou porque
aqui na nossa região os povoados são
muito diversos, o mesmo sistema que foi pra
Iauaretê, por exemplo, que é
um núcleo urbano em terra indígena,
foi implantado em comunidades menores, onde
as necessidades são diferentes. Por
isso é importante que esses modelos
não sejam exportados de fora e sim
que sejam construídos de acordo com
as nossas especificidades”, afirmou Barreto.
Higino Tenório liderança do
povo Tuyuka do Rio Negro, afirmou que, se
o programa for bem aplicado, pode beneficiar
os indígenas. “O problema é
quando o dinheiro cai nos cofres públicos
do Estado e do município, que acabam
desviando o recurso para outras coisas”, afirma.
“Se de fato a Funai se firmar nessa política
de controle social, com o fortalecimento das
nossas organizações indígenas,
acho que esse projeto pode dar certo. Agora
cabe a nós lideranças indígenas
procurar mais esclarecimentos sobre o projeto
para levar para nossas bases”.
Estado brasileiro esqueceu
os indígenas
Em seu discurso, Lula disse
que a atenção que atualmente
o governo vem dando aos povos indígenas,
é um momento de mudança na história
social do País, pois o Estado Brasileiro
está em “reparação” com
as populações indígenas
que sempre foram esquecidas pelas políticas
públicas. “Os problemas de vocês
estão tão longe do Palácio
do Planalto. Se um presidente não pegar
um avião e vir aqui para ouvir da boca
dos indígenas, o Brasil nunca vai saber
que os problemas existem”.
O Presidente anunciou a
retomada de uma série de obras em São
Gabriel da Cachoeira, mediante convênio
com o Ministério dos Transportes e
Exército Brasileiro. Entre elas está
a recuperação da BR-307, que
liga São Gabriel à Cucuí,
na fronteira com a Venezuela e Colômbia
e que corta o Parque Nacional do Pico da Neblina,
a Terra Indígena Balaio e a Reserva
Biológica do Morro dos Seis Lagos.
Para a obra estão previstos 10 milhões
de reais. A Hidrelétrica de Miuá,
cuja obra parou no final do governo de Fernando
Henrique Cardoso, também será
retomada. Ainda para 2008, ano eleitoral,
outras obras foram anunciadas, como a reconstrução
do terminal hidroviário no porto de
Camanaus, o asfaltamento da cidade e a estruturação
do Porto Queiroz Galvão.
Visita à Maturacá
e Iauaretê
O Presidente Lula deixou
São Gabriel no final da tarde. No dia
seguinte, o presidente da Funai e comitiva
seguiram de avião para uma rápida
visita a duas comunidades indígenas
da região: Maturacá (TI Yanomami)
e Iauretê (TI Alto Rio Negro).
Os Yanomami de Maturacá
receberam a comitiva em clima de festa. A
comunidade tem mais de 1300 habitantes, na
qual está situada uma base da Missão
Salesiana e um pelotão de Fronteira
do Exército Brasileiro, situação
bastante atípica dentro do padrão
Yanomami.
Toda a conversação,
que não passou de duas horas, requereu
tradução de mão dupla,
yanomami-português, coordenada pelos
jovens dirigentes da Associação
Yanomami do rio Cauaburis e afluentes (AYRCA).
Os Yanomami expressaram preocupação
com a possibilidade de o Governo retomar a
abertura de um ramal ligando a BR-307 a aldeia,
entre outras reivindicações.
(Leia a íntegra da carta entregue ao
presidente da Funai).
Em seguida, a comitiva rumou
para Iauaretê, “metrópole” indígena
situada às margens do Alto Rio Uaupés,
na linha da fronteira com a Colômbia.
Ali, Márcio Meira recebeu um extenso
documento com reivindicações
por parte dos dirigentes da Coordenação
das Organizações Indígenas
do Disrito de Iauaretê (Coidi)
Leia também outros
documentos entregues por lideranças
indígenas ao Presidente e à
Funai: a Carta de Camanaus, da comunidade
indígena de Camanaus situada a 25 km
da sede do munícípio, solicitando
um gerador novo; a Carta do Içana,
do povo Baniwa e Coripaco do rio Içana,
solicitando melhorias na educação,
formação continuada de professores,
equipamentos para as escolas e documentação
básica para os estudantes, entre outras
reivindicações; a Carta da Acirmn,
Associação das Comunidades Indígenas
do Médio Rio Negro, cujo enfoque é
a demarcação das Terras Indígenas
no Médio Rio Negro.
PAC Indígena ainda requer explicações
Por Beto Ricardo
A visita do presidente Lula
a São Gabriel da Cachoeira (AM) para
anunciar a Agenda Social dos Povos Indígenas
foi um gesto inovador, porém incompleto.
O município de maioria indígena,
na fronteira geopolítica do extremo
noroeste da Amazônia brasileira, tem
recebido nos últimos anos várias
comitivas de presidentes, ministros e parlamentares,
sempre por iniciativa dos setores militares.
Desta vez, a motivação prioritária
foi a de conversar com os índios. A
proposta e coordenação da jornada
foi do presidente da Funai, o antropólogo
paraense Márcio Meira. Durante o evento,
as autoridades governamentais se comprometeram
publicamente com algumas metas concretas até
2010 (veja texto acima), apostando que a produtividade
das políticas públicas do segundo
mandato será o dobro do primeiro, conforme
tem afirmado o Presidente da República.
A incompletude do gesto
fica por conta da falta de uma avaliação
preliminar dos impactos socioambientais da
lista de projetos de infra-estrutura do PAC
(veja mapa abaixo) sobre as Terras Indígenas,
com a participação dos diretamente
interessados. Sem isso e sem divulgar quais
são as 127 terras que o governo promete
demarcar até 2010, não é
possível uma avaliação
cruzada.
Dentre os "territórios
da cidadania em terras indígenas"
anunciados para começar a dificilíssima
integração das políticas
públicas setoriais, o Governo Federal
deveria se preparar para incluir na pauta
do ano que vem pelo menos os Guarani do Mato
Grosso do Sul – que vivem o drama do confinamento
e da fragmentação territorial
–, os Yanomami (RR/AM), que requerem um esforço
extra de cooperação internacional
com a vizinha Venezuela e as terras indígenas
da Bacia do Rio Xingu (MT e PA), a começar
pelo célebre Parque do Xingu, cujo
futuro está ameaçado com a devastação
das suas cabeceiras pela frente agropecuária.
A implementação
das medidas agora anunciadas pelo Governo
Federal, além da capacidade de coordenação
da Funai, vai requerer o apoio do núcleo
de poder através do Ministério
da Justiça e de uma delicada e flexível
agenda de cooperação com as
organizações indígenas
e suas organizações parceiras.
Além do fato de que, é sempre
bom lembrar, essas obras não dispensam
o respeito à legislação
ambiental e a necessidade de consultas prévias
aos povos afetados, o que se poderia fazer
no âmbito da Convenção
169 da OIT, ratificada pelo Brasil, na falta
de um novo Estatuto das Sociedades Indígenas,
que jaz no Congresso Nacional há 13
anos.
Enquanto isso, prosperam
nos bastidores do Congresso e do Planalto
as tentativas de regulamentar a mineração
em Terras Indígenas. Consta também
uma iniciativa recente do Ministério
da Defesa para condicionar as demarcações
de Terras Indígenas em faixa de fronteira
à anuência do Conselho de Defesa
Nacional (CDN), o que seria um retrocesso
em relação ao entendimento em
vigor desde setembro de 1995 pela Advocacia
Geral da União.
ISA, Andreza Andrade com Inês Zanchetta.