Representante brasileiro
aponta novo paradigma
nas discussões sobre mudanças
climáticas
22 de Setembro de 2007 -
Luana Lourenço - Repórter da
Agência Brasil - Rio de Janeiro - Às
vésperas de duas importantes reuniões
mundiais sobre o futuro do planeta diante
das mudanças climáticas – uma
da Organização das Nações
Unidas (ONU) e outra convocada pelo presidente
dos Estados Unidos, George W. Bush –, o secretário
da Comissão Interministerial de Mudança
Global do Clima, José Domingos Miguez
adiantou as diretrizes brasileiras para os
dois eventos. Ele também reforçou
a posição do Brasil contra metas
de redução de emissões
para países em desenvolvimento e avaliou
positivamente a influência cada vez
mais forte do mercado nas questões
relacionadas ao meio ambiente.
Em entrevista à Agência
Brasil, o principal representante do governo
brasileiro para o tema do aquecimento global
afirmou que a ONU está “correndo” para
que medidas regulatórias possam acompanhar
o ritmo de crescimento do mercado.
Agência Brasil: Qual
a posição do Brasil no cenário
mundial de discussões sobre mudanças
climáticas?
José Domingos Miguez: O Brasil tem
um papel relevante nas discussões globais
e isso é reconhecido por todo o mundo.
O [Ministério das Relações
Exteriores] Itamaraty tem um papel importantíssimo
nas negociações. Normalmente,
o Brasil faz a ponte entre os países
desenvolvidos e os países em desenvolvimento,
porque conhecemos as duas realidades: temos
um pedaço do país desenvolvido
e outro pedaço em desenvolvimento,
conseguimos mediar os dois lados.
Nossa posição
tem sido sempre de proposição,
estamos sempre sugerindo idéias novas
para avançar a negociação.
O Brasil propôs em Quioto a idéia
de um Fundo de Desenvolvimento Limpo, que
depois foi aperfeiçoada e, junto com
os Estados Unidos, criamos a idéia
do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, adotada
pelo protocolo. Esse mecanismo trouxe um avanço
enorme: hoje são 2.500 projetos executados
em mais de 150 países em desenvolvimento,
que estão mudando a cultura, estão
buscando alternativas de redução
de emissões, porque isso passa a ser
uma oportunidade de negócios, de melhorar
o processo, de reduzir o consumo de insumos,
uma série de benefícios.
ABr: E em relação
ao futuro das negociações?
Miguez: Para o futuro, nós estamos
na negociação do segundo período
do Protocolo de Quioto. A posição
do Brasil é de que as metas dos países
desenvolvidos devem ser aprofundadas, mais
estritas, mais fortes, para permitir que a
cooperação internacional seja
mais ampla e que países como Brasil,
China e Índia participem desse esforço
através do MDL, com mais projetos.
Estamos propondo uma alternativa,
na Convenção, que é a
criação de um organismo que
incentive medidas de desenvolvimento sustentável,
ou seja, em vez de ter metas de redução,
esses países têm que ter incentivos
que levem ao crescimento com menos emissão.
Isso não se daria através de
créditos de carbono, não daria
autorização de emissão
para os países desenvolvidos, mas permitiria
que os países em desenvolvimento pudessem
fazer mais pela redução das
emissões.
ABr: Que diretrizes vão
orientar a participação brasileira
nas reuniões da ONU e do presidente
George W.Bush sobre mudanças climáticas?
Miguez: O Brasil vai participar das duas reuniões,
com uma delegação de alto nível
na reunião do Bush e o próprio
presidente Luiz Inácio Lula da Silva
vai na Assembléia Geral da ONU, o que
mostra que o Brasil dá toda a importância
ao tema. O que vamos reafirmar é que
o Brasil não se furta à colaboração
internacional, ao contrário, estamos
à frente desse processo, ajudando nas
negociações, no avanço
do Protocolo de Quioto. Consideramos as Nações
Unidas o local adequado para essas reuniões
e para essas discussões, porque é
um problema global, então tem que ser
resolvido no âmbito das Nações
Unidas e o tratado de Quioto é um instrumento
que deve ser aprofundado para o segundo período
de compromisso.
Nós não vemos
a iniciativa do presidente Bush como um processo,
vemos como uma reunião de negociação
para discutir pontos de vista diferente, mas
não um processo que deva continuar;
o processo que a gente considera legítimo
é no âmbito da ONU.
ABr: A reunião representa
uma mudança de posição
de Bush em relação ao aquecimento
global?
Miguez: A iniciativa é positiva na
medida em que o governo do presidente Bush
pela primeira vez resolve tratar o tema da
mudança do clima; nós ainda
não temos claro o que vai acontecer,
então queremos participar, entender
melhor qual a proposta do governo americano
e, aí sim, discutir os desdobramentos.
Na verdade, a posição
do governo americano é uma posição
soberana do país, que reflete o pensamento
da sociedade. Então, é um problema
de a sociedade norte-americana ter consciência
da gravidade do problema e participar da solução.
Para nós seria bastante importante
que os Estados Unidos participassem do Protocolo
de Quioto, porque isso iria permitir um grande
avanço no desenvolvimento tecnológico,
de processo, iria dar uma velocidade muito
maior à implementação
dos mecanismos como o MDL.
ABr: Há perspectivas
de que essa adesão ocorra em breve?
Miguez: Esse é um processo de negociação
do segundo período de compromisso do
Protocolo de Quioto que deve se estender até
2010, essa decisão vai ser tomada não
no atual governo, mas no próximo e
é uma decisão que cabe à
sociedade americana em geral.
ABr: Qual será o
principal desafio da ONU na próxima
reunião das partes (COP) em Bali (Indonésia),
em dezembro?
Miguez: A gente espera que a reunião
de Bali defina um cronograma de negociações.
Esse processo é necessariamente lento,
na medida em que os países vão
construindo suas posições e
vão escutando a posição
dos outros. O que nos parece uma meta alcançável
em Bali seria a construção desse
cronograma, para traçar o que já
é conhecido como o “Caminho desde Bali”,
para traçar quais serão as marcas
na estrada que vai desde Bali até 2009
ou 2010 e que permitam avanço contínuo
e seguro das negociações.
ABr: As discussões
econômicas estão substituindo
as preocupações ecológicas
em relação ao meio ambiente?
Miguez: É uma mudança de paradigma
muito importante, porque pela primeira vez
você tem, no âmbito das Nações
Unidas, um mecanismo de mercado. E isso é
uma mudança institucional na ONU, porque
ela não está aparelhada para
lidar com empresas, está aparelhada
para lidar com governos. É extremamente
importante na medida em que se identifica
que quem causa as emissões é
quem deve ser responsável por resolvê-las,
por reduzi-las. É a primeira vez que
se identifica quem são as fontes e
se tenta atuar sobre as fontes, e não
sobre os países, que é algo
mais difuso. Ou seja, identifica-se diretamente
quem são os emissores e tenta-se atuar
sobre eles de uma maneira desenvolvimentista,
não protecionista ou punitiva, que
permita a implementação de mais
ações ao menor custo para a
sociedade.
É uma idéia
extremamente positiva, que vem se desenvolvendo
numa velocidade muito rápida e nós
estamos correndo para que a institucionalidade,
a parte regulatória, acompanhe e cresça
junto com o mercado.
+ Mais
Ex-ministro francês
destaca mercado de carbono entre as soluções
para problemas ambientais
22 de Setembro de 2007 -
Luana Lourenço - Repórter da
Agência Brasil - Rio de Janeiro - Ex-ministro
do Meio Ambiente da França e considerado
um dos principais quadros do Partido Verde
europeu, Brice Lalonde representou a Organização
para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) durante a discussão,
nesta semana, sobre o futuro global diante
das mudanças climáticas.
Depois de participar de
conferência organizada por uma empresa
do mercado de carbono, Lalonde falou à
Agência Brasil sobre a necessidade de
mecanismos econômicos para a solução
dos problemas ambientais. Ele avaliou o funcionamento
de instrumentos desse tipo, como o Mecanismo
de Desenvolvimento Limpo (MDL), e defendeu
parcimônia no estímulo aos biocombustíveis.
Agência Brasil: Qual
o papel das discussões econômicas
em relação às questões
do meio ambiente?
Brice Lalonde: A OCDE sempre defendeu soluções
baseadas no mercado para os problemas ambientais.
Os mercados de carbono são elementos
muito importantes nesse sentido. Eles podem
não representar a solução
para tudo, mas são partes importantes
e vêm funcionando, dando bons resultados.
Hoje estamos avançando,
inclusive com os resultados do mercado voluntário.
E isso é interessante, porque nesse
caso não foram criados ou pressionados
por decisões políticas, são
iniciativas voluntárias para colaborar
com a causa ambiental.
ABr: Como países
em desenvolvimento como Brasil e China estão
posicionados nesse mercado?
Lalonde: Nós achamos que chegou a hora
de discutir o papel dessas nações
não as tratando como países
em desenvolvimento, mas como potências
médias. Eles já contribuem para
o problema como os Estrados Unidos, como a
União Européia e devem ser considerados
como tais.
Acredito que, em um primeiro
momento, você deve estabelecer compromissos
firmes para esses países e depois se
deve estabelecer metas; eu não sei
quando, mas já é hora de começar
a pensar nisso. Se você quer ter mercados
você tem quer ter metas. É difícil,
talvez tenhamos que flexibilizar, mas a questão
é urgente, precisamos envolver todos
os países.
ABr: Qual a sua avaliação
do funcionamento do Mecanismo de Desenvolvimento
Limpo?
Lalonde: Está funcionado melhor que
o esperado. O MDL foi uma surpresa, uma boa
idéia, uma inovação.
As pessoas não acreditavam que funcionaria
bem, mas tem funcionado. Obviamente, ele é
limitado pela demanda, as autoridades é
quem definem o que pode e o que não
pode ser um projeto de MDL.
Não é o bastante,
é apenas adicional. Nós precisamos
de muito mais, grandes investimentos para
construir alternativas de energia, principalmente
de energias limpas.
ABr: Qual a posição
da OCDE em relação a à
produção de biocombustíveis
como alternativa energética?
Lalonde: É preciso tomar cuidado, porque
o sucesso que você tem no Brasil não
pode ser repetido em qualquer lugar. Nos Estados
Unidos e na Europa, a natureza não
é generosa como no Brasil. No Brasil,
isso parece competitivo, não há
briga pelo uso da terra com a produção
de comida. Em outros países há
essa competição, você
tira terra da plantação de alimentos
para produção de biocombustíveis
e o preço da comida aumenta, e isso
conta com altos subsídios.
Se você quer lutar
contra as mudanças climáticas,
você tem jeitos muito mais baratos e
mais efetivos do que usar biocombustíveis.
Implantá-los em países como
os europeus ou mesmo nos Estados Unidos custa
muito dinheiro para o contribuinte e não
resulta tanto no enfrentamento das mudanças
climáticas.
ABr: Mas não é
mais sustentável que o uso de combustíveis
fósseis?
Lalonde: Não estou certo disso. Porque
se você tem uma alternativa que não
emite tantos gases do efeito estufa, mas destrói
a natureza e aumenta o preço dos alimentos,
você vai ter prejuízos sociais,
as pessoas vão ficar bravas, porque
o pão ficou mais caro, o milho ficou
mais caro.
ABr: O presidente George
W. Bush convocou uma reunião internacional
para discutir mudanças climáticas.
Na sua opinião, isso significa alguma
mudança de posicionamento do líder
norte-americano em relação ao
aquecimento global?
Lalonde: Não acredito que represente
uma mudança no comportamento político
dele em relação ao tema, mas
sim dos Estados Unidos. Há muitos estados
que definiram metas de redução,
há pressões no Congresso e há
a pressão popular dos americanos por
mudanças, por causa de episódios
como o [furacão] Katrina, por exemplo.
Eles estão mudando.
E nos EUA, as decisões vêm da
base, não vêm da esfera federal.
As decisões do governo federal virão
em seguida.
Quanto à reunião,
pode ser saudável discutir com o principal
emissor, desde que ele concorde em discutir
depois no âmbito das Nações
Unidas.
O Bush já mudou algumas
de suas posições, antes ele
dizia que as mudanças climáticas
não existiam, depois ele reconheceu
que a temperatura está aumentando,
e agora ele começa a sinalizar que,
sim, eles têm responsabilidades. Ele
está de olho nos riscos energéticos,
não quer depender do petróleo
do Oriente Médio, por isso estão
começando a investir em biocombustíveis.
Brasil se equilibra entre
discussão do aquecimento global na
ONU e em evento convocado por Bush
22 de Setembro de 2007 -
Juliana Cézar Nunes - Enviada especial
- Nova York - Dois encontros na próxima
semana prometem estabelecer novas perspectivas
para a política internacional no que
se refere às mudanças climáticas.
O primeiro, em Nova York, convocado pela Organização
das Nações Unidas (ONU), na
segunda-feira, terá a participação
da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.
O segundo, em Washington, entre os dias 27
e 28, foi convocado pelo presidente do Estados
Unidos, George W. Bush, e será acompanhado
pelo subsecretário de Assuntos Políticos
do Itamaraty, Everton Vargas.
"A reunião da
ONU não é uma reunião
deliberativa. Ela enfatiza e a traz a importância
da questão, apontando para todos os
países membros algumas possibilidades
para a conferência principal marcada
para dezembro, na Indonésia",
explica o embaixador Especial para Mudança
do Clima, Sérgio Serra.
A discussão sobre
o aquecimento global deve repercutir também
na Assembléia Geral da ONU, que começa
na terça-feira, com participação
do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
De acordo com Serra, se,
por um lado, o Brasil dá importância
às discussões na ONU, o encontro
marcado pelo presidente norte-americano chegou
a levantar desconfiança na comunidade
internacional. O evento será restrito
a 15 países. "Vamos ouvir o que
os americanos têm a propor, em uma atitude
construtiva, mas de cautela, deixando claro
que não queremos que isso seja um exercício
alternativo ou em competição
com o verdadeiro regime de negociação",
destaca Serra.
A mobilização
internacional em torno do debate sobre mudanças
climáticas tomou fôlego após
a divulgação do mais recente
relatório do Painel Intergovernamental
em Mudança do Clima (IPCC). O relatório
do IPCC aponta que a Terra vai se tornar mais
quente até o ano de 2100, o que significa
aumento do nível do mar e catástrofes
naturais mais intensas. Pelas projeções
dos 2,5 mil cientistas que participaram do
estudo, o aumento será de 1,8 a 4 graus
Celsius.
Governos, empresas e organizações
da sociedade civil discutem agora que medidas
devem ser tomadas para reduzir a emissão
de gases apontados como causadores do efeito
estufa. Os cientistas sugerem que sejam estabelecidas
e cumpridas metas para emissão de gases.
A ONU também espera que os países
se preparem para os possíveis efeitos
do aquecimento global, especialmente nas regiões
mais pobres e vulneráveis.
+ Mais
Mulheres pedem a ONU atenção
na luta contra aquecimento global e cobram
posição do Brasil
23 de Setembro de 2007 -
Juliana Cézar Nunes - Enviada especial
- Nova York (EUA) - As organizações
civis que atuam na defesa da igualdade de
gênero anteciparam o debate sobre mudanças
climáticas na Organização
das Nações Unidas (ONU) e apresentaram
propostas para estimular governos e empresas
a envolver as mulheres na formulação
de políticas contra o aquecimento global.
O documento deve ser analisado na reunião
marcada pela ONU para esta segunda-feira (24),
na qual o Brasil será representado
pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.
As ativistas argumentam
que a população feminina está
mais vulnerável aos efeitos dos desastres
naturais por, entre outros fatores, ser maioria
nas comunidades pobres e em condições
precárias de moradia. Em situações
de emergência, as mulheres seriam as
últimas a receber informações
sobre formas de proteção e serviços
de assistência.
"A liderança
exercida na família e vizinhança
ainda obriga essas mulheres a desempenharem
um papel fundamental na reconstrução
de bairros e cidades inteiras após
desastres como o Katrina [furacão que
devastou Nova Orleans, no sul dos Estados
Unidos, há dois anos]. Isso apesar
de as mulheres serem as principais afetadas
pelos desastres", lembrou, em entrevista
à Agência Brasil, a costa-riquenha
Lorena Aguilar, uma das diretoras da Organização
de Mulheres pelo Ambiente e o Desenvolvimento
(Wedo, na sigla em inglês).
Ela critica o Painel Intergovernamental
em Mudança do Clima (IPCC) da ONU por
não ter dado destaque em seu último
relatório à situação
das mulheres frente ao aquecimento global.
Para Lorena, países como o Brasil,
que já tem desenvolvido projetos de
promoção dos direitos das mulheres,
também precisam assumir, internacionalmente,
a defesa de uma política ambiental
diferenciada no que diz respeito à
eqüidade de gênero.
"Se o presidente
Lula tem exercido liderança em outros
aspectos na ONU, como fome e pobreza, espero
que nos acompanhe no que diz respeito às
mudanças climáticas", afirma
a ativista, para quem a política brasileira
de promoção dos biocombustíveis
também precisa ser analisada a partir
dos impactos nas condições de
vida das mulheres.
"É uma
política que começa a ser copiada
por vários países da região,
apesar de algumas dúvidas sobre os
benefícios ecológicos, sociais
e para a segurança alimentar. O impacto
disso estará certamente concentrado
nas mulheres, principais responsáveis
pela subsistência e garantia de alimentação
em todo o mundo."