01/11/2007 - Mulheres baniwa
dos rios Ayari e Içana se reuniram
na comunidade de Canadá, Médio
Rio Ayari, na Terra Indígena Alto Rio
Negro, em São Gabriel da Cachoeira
(AM), para discutir a comercialização
de pimenta e produção de cerâmica
tradicional, feita por elas, com apoio de
instituições parceiras. A iniciativa
do evento foi da União das Mulheres
Indígenas do Rio Ayari (Umira),
com participação da Associação
das Comunidades Indígenas do Rio Ayari
(Acira), da Coordenadoria das Associações
Baniwa e Coripaco (CABC), da Organização
Indígena da Bacia do Içana (Oibi),
da Federação das Organizações
Indígenas do Rio Negro (Foirn) e do
ISA-Instituto Socioambiental. A reunião
aconteceu nos dias 22 a 26 de outubro (2007)
Cerca de 150 mulheres baniwa
do Içana e de boa parte dos seus afluentes
incluindo o rio Ayari, tiveram a oportunidade
de discutir o projeto de comercialização
da pimenta que elas produzem e também
a confecção de cerâmica,
atividade tradicional entre elas. Elas se
reuniram na comunidade Canadá, no Médio
Rio Ayari, noroeste amazônico, entre
21 e 26 de outubro. Na língua baniwa
a pimenta em pó é conhecida
como “Aatti Iipepe” e em todo Rio Negro é
popularmente chamada de jiquitaia. (Saiba
mais clicando aqui).
O projeto Pimenta Baniwa
é uma iniciativa das comunidades indígenas
do Médio Içana e organizado
pela Oibi em parceria com ISA, que se destina
a comercializar a pimenta em pó processada
e consumida milenarmente pelos povos da região.
A Oibi já comercializa a pimenta em
pequena escala no mercado local, distribuindo-a
principalmente em restaurantes da cidade.
De acordo com Braulina Aurora, gerente de
comercialização da Oibi, a aceitação
do produto tem sido boa e por isso a meta
agora é conquistar os grandes centros
urbanos do país.
O grupo de pesquisadores
indígenas do projeto “Pimentas na Bacia
do Içana-Ayari: bases para a sustentabilidade
da produção e comercialização”
apresentou durante o evento, novos dados levantados
sobre os sistemas de produção
da pimenta. Esses pesquisadores vieram das
escolas indígenas diferenciadas da
região e recebem apoio da Fundação
de Amparo à Pesquisa do Amazonas (Fapeam),
por meio do Programa Jovem Cientista Amazônida.
Eles fazem levantamento de informações
da agrodiversidade com base em questões
como as variedades de pimentas existentes
nas roças, o tempo gasto pelas mulheres
para produção e estão
descrevendo o potencial de produção
de pimentas e jiquitaias na bacia, entre outros
dados. Os pesquisadores anotam o nome da mulher,
o seu clã, comunidade de origem, idade,
nome dos tipos de pimenta na língua
baniwa e de que forma a pessoa adquiriu suas
pimentas, porque muitas vezes elas ganham
as mudas de herança das mães
e avós. Com dados dessa natureza, futuramente
os pesquisadores poderão descrever
os movimentos de circulação
e manutenção dessa diversidade
de pimentas existente na região.
O censo das pimenteiras
Um ponto importante na apresentação
dos pesquisadores indígenas foi o censo
das pimenteiras. Foram encontrados 1991 pés
de pimenta nas roças de 70 mulheres
e desse total se contabilizou 41 tipos de
pimentas encontrados na região do Içana/Ayari.
"Existem mulheres que já triplicaram
o cultivo de novos pés de pimenta desde
o inicio do projeto em 2005, isso demonstra
a animação e o envolvimento
delas no projeto", informou a jovem pesquisadora
Paula Florentino.
Atualmente os dois principais
desafios do projeto são: a construção
de uma rede de infra-estrutura adaptada para
o envaze e armazenamento das jiquitaias e
a obtenção da certificação
junto ao Ministério da Agricultura
Pecuária e Abastecimento. “Estamos
lutando para conseguir essa regularização,
pois segundo os técnicos do Ministério
da Agricultura, um dos requisitos básicos
é a construção do espaço
adequado para armazenamento e isso já
estamos providenciando para breve”. A pimenta
jiquitaia, assim como uma série de
produtos tradicionais da agricultura brasileira
que poderiam estar circulando em prateleiras
de todo o país enfrenta dificuldades
no processo de regularização
junto ao ministério porque a legislação,
na maioria dos casos, ainda não se
adaptou aos procedimentos de produção
artesanal e em pequena escala. “Com o trabalho
dos pesquisadores indígenas, estamos
também formatando diversas informações
sobre a nossa jiquitaia, pois a diversidade,
as histórias, a mitologia, a forma
tradicional de processamento, agrega valor
ao nosso produto”, informou o diretor da Foirn,
André Baniwa.
Cerâmica do Ayari
promete vender bem
O etnólogo alemão
Theodor Koch-Grünberg que esteve no Noroeste
Amazônico, nos anos de 1903 a 1905,
descrevendo e fotografando as populações
indígenas da região com seus
objetos e adornos, já registrou as
cerâmicas do Ayari como um exemplo de
arte indígena com desenhos, formas
e grafismos especiais. Trata-se de mais um
ofício exclusivo das mulheres, cujo
conhecimento é repassado de geração
em geração.
No Aiary, as ceramistas
também querem sua arte no mercado.
Nos dois últimos dias de evento, o
tema dominou os debates e se tornou alvo das
rodas de discussão envolvendo as associações
indígenas locais, parceiros e as próprias
ceramistas. Na ocasião, a Casa de Produtos
Indígenas do Rio Negro-Wariró,
loja de artesanato da Foirn, apresentou sua
experiência de comercialização
de cerâmica produzida pela Associação
de Mulheres de Taracuá, no Rio Uaupés
(Amirt). Edilma Martinez, da etnia wanano
e administradora do Wariró, informou
que a cerâmica do Ayari têm peculiaridades
nas suas cores, formas e grafismos, diferentes
da cerâmica do rio Uaupés. “As
cerâmicas do Ayari tem grande potencial
para venda. Entretanto, observamos que faltam
alguns detalhes no acabamento final das peças”,
informou Edilma. Isso se deve à ausência
da pedra de alisamento que é um artefato
importante na finalização das
peças.
A pedra conhecida pelas
mulheres baniwa como “Duwhe”, é um
tipo de quartzo que segundo as ceramistas,
só é encontrada na região
do rio Apapóris do lado colombiano
e do rio Orenoco na Venezuela. Dona Norma
Rodrigues, mestra na fabricação
de fornos, informou que a sua pedra foi uma
herança de família, pertenceu
à avó e logo depois passou para
sua mãe. Hoje está com ela.
Futuramente repassará a pedra para
a filha mais velha que está começando
a fazer cerâmica. “A minha avó
conseguiu essa pedra no rio Apapóris
há muitos anos, quando a família
dela foi trabalhar na exploração
da borracha”, conta. Outras ceramistas contam
que antigamente elas se deslocavam até
essas regiões distantes para trocar
as pedras por ralos fabricados por elas.
Projeto para comercializar
a cerâmica
Para impulsionar a produção
e posteriormente a comercialização
da cerâmica, André Baniwa, propôs
à Umira elaborar um projeto a fim de
adquirir financiamento para o desenvolvimento
de pesquisa referente à cerâmica
e ainda promover novos encontros e oficinas
de intercâmbio. “O importante agora
é apoiarmos a elaboração
desse projeto junto com a Umira, assim poderemos
conhecer mais a fundo as histórias
sobre a cerâmica, promover intercâmbios
com as mestras e ainda possibilitar a busca
das pedras de alisamento que são de
extrema importância para esse trabalho”.
O ofício de se fazer
cerâmica ao lado de outras produções
artesanais dos povos baniwa, ficou marginalizado
por muitos anos pelo comércio dos regatões
que navegavam na região antes da demarcação
das Terras Indígenas do Alto Rio Negro.
Esses “patrões” trocavam as peças
de cerâmica por roupas velhas, produtos
alimentícios vencidos, ou pagavam um
valor muito baixo por elas. Com o passar dos
anos, as mulheres desanimaram da produção,
porque viram que o seu produto não
tinha valor. E assim a confecção
passou a se restringir ao uso doméstico.
Por isso, a técnica de fabricação
das peças foi sendo esquecida por muitas
gerações, restando apenas algumas
mestras, geralmente mulheres mais velhas.
Com o movimento de valorização
dos produtos indígenas promovido pelo
comércio justo da Wariró/Foirn,
as mestras e outras mulheres passaram a se
interessar e a produzir cerâmica para
a venda com apoio da Umira. “Precisamos organizar
mais encontros de intercâmbios entre
mestras e novas aprendizes, principalmente
para mantermos vivo esse conhecimento”, afirmou
a artesã Suzana Cortez, presidente
da Umira.
O dinheiro das vendas da
cerâmica ajuda na complementação
da renda das famílias. E sendo um ofício
feminino, os maridos estão ao lado
das mulheres para apoiá-las na produção,
seja carregando a argila que é retirada
a longas distâncias da comunidade, seja
pescando ou caçando enquanto elas dividem
o seu trabalho entre a roça e a confecção
de cerâmica. “O meu marido está
me apoiando, porque ele sabe que é
importante para mim e para nossa família.
É um dinheirinho que nos ajuda bastante.
Além disso, quando eu faço cerâmica
, lembro da minha avó e da minha mãe
que me passaram esse conhecimento e que hoje
estou passando para minhas filhas”, disse
Carolina Campos, ceramista da comunidade de
Araripirá, no rio Ayari.
ISA, Andreza Andrade.
+ Mais
Artesãos tukano realizam
oficina de produção de bancos
e discutem manejo e certificação
Entre os dias 24 e 28 de
outubro foi realizada a quinta oficina de
produção do banco tukano da
sabedoria (Kumurõ) na comunidade de
Pirarara-Poço, no Médio Rio
Tiquié, no noroeste amazônico.
Foi a oportunidade para que os antigos artesãos
transmitissem seus conhecimentos aos mais
novos e para que todos debatessem o manejo
da sorva, madeira utilizada para a produção
dos bancos.
O milenar banco, confeccionado
pelos homens da etnia Tukano, uma das 23 etnias
do Alto Rio Negro, no Amazonas, é produzido
desde 2003 para comercialização
em grandes centros urbanos. O banco é
vendido em lojas de decoração
voltadas a nichos específicos de mercado
e tem se consolidado como a principal alternativa
de renda dos artesãos. Na quinta edição
da oficina de bancos, realizada na semana
passada e destinada aos jovens que estão
aprendendo a produzir o móvel, os artesãos
repassaram o conhecimento da arte - que é
esculpido em peça única de madeira
-, e discutiram o manejo sustentável
da sorva, madeira utilizada para a produção.
Jovens tukano e Pieter van
der Veld, agrônomo do ISA, mapeiam com
GPS localização de árvores
para inventário florestal.
O manejo sustentável
é necessário devido ao aumento
da produção de bancos, que na
coleção deste ano alcançou
a marca de 441 unidades. Visando garantir
o estoque de sorva para as futuras gerações,
foi iniciado o trabalho de inventário
florestal nas áreas do médio
rio Tiquié que, ao longo de 2008, deverá
ser estendido à região do Alto
Tiquié que também é produtora
de bancos. A formulação de um
plano de manejo para a sorva contou com o
mapeamento com GPS das árvores já
utilizadas na região, árvores
que estão em ponto de corte, porta-sementes
e exemplares jovens que deverão ter
seu crescimento acompanhado nos próximos
anos pelos Agentes Indígenas de Manejo
Ambiental (AIMA) tukanos.
A partir deste inventário
florestal será possível ordenar
a extração da madeira, processo
que possibilitará, no futuro, a certificação
FSC (Forest Stewardship Council) à
madeira utilizada na confecção
do banco e de sua cadeia de custodia, possibilitando
aos artesãos indígenas o acesso
aos mercados dos países europeus, aumentando
o valor agregado da peça que terá,
assim, seu valor ambiental reconhecido pelos
mercados internacionais. Além do inventário,
avançou-se também na coleta
de mudas jovens na floresta, ao pé
das chamadas "portas-sementes",
para replantio em locais onde tenham melhores
condições de crescimento, o
que contribuirá para o aumento da oferta
futura de sorva na região. Essa atividade,
assim como o inventário será
estendida às outras regiões
produtoras do Alto Rio Negro.
Para alcançar a certificação
FSC, além de avançar na discussão
sobre as forma de manejo da sorva, os artesãos
discutiram a formulação de um
projeto específico a ser desenvolvido
pela Associação das Comunidades
Indígenas do Médio Tiquié
(ACIMET) com a participação
dos artesãos e dos AIMAs das regiões
produtoras de bancos. Além da certificação,
o projeto contemplará a busca de novos
mercados para os bancos, o transporte dos
mesmos até a cidade de São Gabriel
da Cachoeira pelo rio (localizada a mais de
600 km de distância), e a otimização
do uso da renda gerada pelas vendas. Assim
serão buscados fornecedores alternativos
dos bens consumidos pelos Tukano, que possam
oferecer produtos de melhor qualidade e por
melhores preços que o comércio
de São Gabriel da Cachoeira, aumentando
o poder de compra dos artesãos.
O significado do banco tukano
Esculpido a partir de um
único bloco de madeira, sem encaixes
nem emendas, exclusivamente por homens e para
homens, o banco é objeto-símbolo
de estabilidade e sabedoria. Os Tukano dizem
que o homem desajuizado não sabe se
sentar. Não possui um banco, não
encontra um lugar para pensar sentado. Daí
o simbolismo que carrega. Depois de entalhado,
o assento do banco recebe uma pintura com
motivos geométricos, um grafismo de
trançado, que representa o couro da
cobra-canoa. De acordo com a mitologia do
povo Tukano, a cobra-canoa transportou a humanidade
em seu bojo na origem do mundo.
ISA, Gustavo Tosello Pinheiro.