20/11/2007
- Em encontro de formação no
rio Içana, noroeste amazônico,
professores e jovens alunos experimentam cálculos
matemáticos a partir de dobraduras,
de conceitos matemáticos que fazem
parte da tecnologia e da cultura Baniwa e
Coripaco e descobrem complexas operações
e desenhos geométricos nos mitos de
Yoopinai (Curupira).
A matemática aplicada
ás pesquisas de formação
do ensino médio foi o tema do encontro
de formação de professores e
alunos Baniwa e Coripaco, que aconteceu entre
5 e 12 de novembro na Escola Indígena
Pamáali, Médio Rio Içana,
no noroeste amazônico.
“Entender o pensamento matemático
construído pelos brancos é importante
para os processos de formação
que estamos desenvolvendo. Em nossas pesquisas,
como Paisagens Baniwa, Pimentas, a construção
do herbário vivo e atividades de manejo
pesqueiro, ambiental e em nossos registros
históricos utilizamos cálculos
(biomassa, áreas, estatística,
gráficos, tabelas, média...)”,
resume o professor da Escola Pamáali,
Raimundo Benjamim, baniwa da comunidade de
Taiaçu Cachoeira. “Entender a lógica
e construir definições em nossas
línguas é a proposta deste encontro”.
O evento contou com a orientação
do antropólogo Francisco Ortiz Gómez,
que há 14 anos trabalha com formação
de professores Coripaco, com a participação
dos alunos e professores do ensino médio
da Escola Pamáali e mais 4 professores
Coripaco do rio Inirida e do Baixo Rio Guainia,
na Colômbia.
Foram oito dias de discussões,
análises, referências históricas
da matemática ocidental e principalmente
de reflexão sobre onde os conceitos
matemáticos estão sendo aplicados
no dia-a-dia dos povos Baniwa e Coripaco.
Yoopinai é um matemático
O objetivo mais ambicioso
da formação foi o de identificar
os conceitos matemáticos próprios
desses dois povos, que podem ser muito mais
complexos, como a matemática que está
nas histórias de Yoopinai. Yoopinai
é um ser da mata que desafia os conceitos
matemáticos. No mundo dele não
se cumpre a mesma lógica do mundo dos
humanos. Na geometria das pessoas, as medidas
são isomorfas, mas o mundo dos Yoopinai
não segue esta lógica.
Yoopinai pode ter várias
formas e seus braços e pernas variam
de tamanhos. Medidas, distâncias, quantidades
e tempo são diferentes entre os Yoopinais.
As formas geométricas estão
presentes nas ações de Yoopinai
quando estas fazem as pessoas se perderem
na mata e andarem sempre em círculos.
No mundo de Yoopinai o tempo é diferente
e quem estava perdido por dias tem a impressão
de ter sido apenas por algumas horas.
Os Baniwa e Coripaco se
valem de formas geométricas para se
livrarem dos Yoopinai. São as chaves
para Yoopinai, que possuem diferentes trançados
e formas, para chamar sua atenção
e desafiá-lo a entender como foram
construídas- o que não é
comum na natureza. “Maanali é uma ação
de Awakarona (Yoopinai Grande): a pessoa está
na mata e no seu pensamento segue acreditando
que está indo na direção
correta, seja de volta para a comunidade ou
lugar de trabalho. Porém anda em círculo,
Awakarona faz com que sempre volte ao mesmo
ponto. Para escapar de Awakarona os Baniwa
e Coripaco fazem os trançados que são
chamados de chaves de Yoopinai”, explica o
professor da Escola Pamáali, Juvêncio
Cardoso, Baniwa da comunidade Santa Isabel.
As chaves de Yoopinai são feitas com
folhas de sororoca ou de palmeiras encontradas
na mata. São uma reunião de
formas geométricas: triângulos,
quadrados, espiral, e retângulos. Recebem
o nome de chave, porque os trançados
e as formas são enigmas para Yoopinai,
permitindo que as pessoas possam se livrar
da sua perseguição.
Veja exemplos de Chaves
de Yoopinai:
Trampa de Yoopinai
No que se refere às
histórias de Yoopinai, foram registradas
cerca de 30 , organizadas pelos participantes,
seguindo os princípios de valorização
das línguas. Foram escritas nos três
dialetos da língua Baniwa (Karo, Ñame
e Kori) e na língua Nheengatú
(falada pelo grupo Baniwa e Coripaco que vive
no Baixo Rio Içana). As histórias
irão compor um documento-base para
a discussão do pensamento matemático
nas escolas do rio Içana, e nelas,
cada autor identificou conceitos matemáticos
ali expressos.
A pesquisa de Paisagens
Baniwa e a Matemática
Informações
sobre as paisagens florestais na área
em torno da Escola Pamáali vêm
sendo levantadas desde 2005. Assim, a equipe
de professores e alunos da escola estabeleceu
uma rede de trilhas florestais na área
da escola, nas quais estão sendo realizados
levantamentos mais detalhados da distribuição
dos tipos de paisagens e suas características
ecológicas. Uma pesquisa desenvolvida
pelo grupo do ensino médio, que delimita
pequenas parcelas de estudo nas florestas,
faz registros do conhecimento tradicional
referente a origem, mitos associados a paisagens
e a utilização das plantas pelos
Baniwa e Coripaco.
Durante o encontro de formação,
o grupo trabalhou com duas amostras ou parcelas
do estudo de paisagens. Uma em área
de terra firme (Eedzawa) e outra de campinarana
(Hamaliana). Ambas foram utilizadas para discutir
conceitos estatísticos. Os dados levantados
foram trabalhados no mapa de paisagens da
área da escola e a partir daí
foi possível fazer uma projeção,
uma estimativa, da quantidade de árvores
e espécies em terra firme e em campinarana.
Trabalho com amostras de paisagem permitiu
discutir conceitos estatísticos e dados
levantados foram utilizados para fazer projeção
da quantidade de árvores e espécies.
No planejamento de atividades
de pesquisa ficou estabelecido o estudo da
dinâmica das paisagens, levando em consideração
parcelas em condições mais parecidas
e também em condições
muito diferentes, para fazer comparação
e garantir uma descrição mais
confiável. O estudo dos conceitos matemáticos
nas paisagens está articulado ao conhecimento
tradicional, pois os cálculos matemáticos
estão nas práticas de manejo
da floresta, em diferentes paisagens dos povos
Baniwa e Coripaco. Os cálculos servem
para sistematizar as informações
que os velhos e adultos já sabem, e
também para subsidiar a discussão
e construção de planos de manejo
ea gestão territorial.
"O que fizemos é
apenas um exercício, pois este estudo
será aprofundado. Temos que realizar
mais amostras de Edzawa e Hamaliana, para
que a nossa amostragem seja realmente representativa.
Existem diferentes composições
na terra firme ou em campinarana, e depende
do tempo, da composição do solo
e de muitos outros fatores. Ainda temos muita
pesquisa a fazer”, avalia o professor Juvêncio.
“Antigamente não precisávamos
da matemática para fazer a gestão
do nosso território, mas hoje os desafios
são muitos e novos instrumentos, como
a linguagem matemática, nos apoiarão
nessa tarefa".
O Yoopinai de Bunda Grande
(Obs: As histórias
foram escritas nas línguas, e esta
foi traduzida em português . Autor:
Erivaldo Macedo Paiva)
Um belo dia, um velho com
sua esposa saíram para o mato a procura
de um igarapé para jogar timbó.
Encontraram o igarapé e jogaram timbó,
esperaram para ver se tinha peixe morrendo,
mas não tinha. O velho cansado de perder
seu tempo á toa, falou para sua esposa:
- Espere aqui, que eu vou caçar qualquer
animal na nascente do igarapé.
A velha respondeu: - tudo
bem! Espero sim.
O velho pegou a zarabatana
e foi seguindo o igarapé, não
andou muito longe, quando viu que o igarapé
estava muito sujo e pensou: - eu acho que
tem porco do mato na cabeceira do igarapé.
Foi seguindo devagar, quando
menos esperava ouviu o barulho como se alguém
estivesse metendo sua mão na lama e
rindo; hotto! Hotto! Hãi, hãi,
hãi...
Era um barulho estranho,
o velho criou coragem e foi espiando devagar,
quando viu um bicho estranho, era um Yoopinai,
que metia a mão na lama (hotto! Hotto!)
a procura de caranguejo e quando encontrava
comia (Hãi, hãi, hãi...).
O velho pensou nesse momento,
que não tinha saída, como escapar?
Reparou bem e viu que o Yoopinai tinha uma
enorme bunda. Então pensou, que se
voltasse se enfiando no meio das árvores
estreitas o Yoopinai não poderia passar
facilmente, se caso o perseguisse. O velho
voltou correndo, se enviando entre as árvores,
porque o Yoopinai era como cachorro, perseguia
pelo cheiro do velho. Começou a ir
atrás, onde o velho se enfiava o Yoopinai
também se enfiava, mas engatava a sua
bunda entre as árvores, aí tinha
que fazer a curva em volta da árvore
a procura do cheiro, para seguir atrás
do velho.
O velho rodava duas vezes
em volta da árvore e o Yoopinai também
fazia a mesma coisa, quanto mais vezes o velho
rodava o Yoopinai demorava mais ainda e assim
o velho conseguiu chegar com sua esposa em
casa.
(essa história contém
conceitos importantes da matemática:
tamanho (bunda grande); o caminho mais curto
é a reta e o caminho mais longo tem
curvas.)
ISA, Laise Lopes Diniz.