(28/11/2007) A Secretaria
do Meio Ambiente (SEMA) e a Fundação
Estadual de Proteção Ambiental
Henrique Luís Roessler – FEPAM informaram
nesta quarta-feira (28) que o Tribunal Regional
Federal (TRF) da 4ª Região, através
de sua presidente, desembargadora Silvia Maria
Gonçalves Goraieb, cassou os efeitos
da decisão judicial de caráter
liminar que transferiu para o IBAMA a competência
do licenciamento ambiental da silvicultura,
restituindo ao Estado a sua soberania e à
FEPAM as suas atribuições.
Em sua defesa, a Procuradoria
Geral do Estado (PGE) alegou, entre outros
argumentos, que a execução da
liminar acarretaria grave lesão à
ordem e à economia públicas,
porque geraria significativo ônus econômico
e administrativo ao Estado ao usurpar e transferir
a competência ao âmbito federal.
Também de acordo com a PGE, haveria
o risco iminente da perda de investimentos
para projetos semelhantes no país e
no exterior.
Concedida no último
dia 12 pela juíza federal substituta,
Clarides Rahmeier, a liminar surpreendeu o
secretário do Meio Ambiente, Otaviano
Moraes, e a diretora-presidente da Fepam,
Ana Maria Pellini. Imediatamente, a governadora
Yeda Crusius solicitou total empenho da PGE,
da Secretaria do Meio Ambiente (Sema) e da
Fepam no exame da determinação
judicial. “Somos pioneiros na questão
ambiental”, sustentou a governadora, lembrando
que o Rio Grande do Sul colaborou na elaboração
da legislação. “A Fepam está
indo muito bem e trabalhando de forma extremamente
democrática”, não apenas na
área da silvicultura, mas também
no licenciamento do esgotamento sanitário”,
acrescentou.
Pacto e soberania
Em nota oficial, o Governo
do Estado afirmou que retirar do Estado e
transferir à União o poder de
licenciar a silvicultura, especialmente nos
empreendimentos da região Sul, violaria
o pacto federativo e a própria soberania
do Rio Grande do Sul, na medida em que estaria
retirando uma importante e legítima
parcela da gestão ambiental do Estado.
Argumentou também
que o Estado está absolutamente comprometido
com a preservação ambiental,
conforme os comandos constitucionais, na perspectiva
do desenvolvimento sustentável. Nesse
contexto, reafirmou a convicção
na relevância social, econômica
e ambiental da cadeia produtiva de base florestal
para o crescimento do Rio Grande do Sul e
a melhoria da qualidade de vida dos gaúchos.
DECISÃO
1. Trata-se de pedido de
suspensão da execução
de liminar parcialmente concedida nos autos
da Ação Civil Pública
nº 2007.71.00.031307-4 ajuizada contra
a União Federal, IBAMA, Estado do Rio
Grande do Sul, Instituto Chico Mendes, FEPAM,
Stora Enso, VCP - Votorantim Celulose e Papel
e Aracruz Celulose S.A. Segundo as autoras
da ACP, os órgãos ambientais
estaduais
estariam licenciando a atividade de silvicultura
das empresas rés sem exigir-lhes o
cumprimento das normas técnicas necessárias,
dispensando o estudo de impacto ambiental
(EIA/RIMA) para áreas de plantio inferiores
a 500 hectares (cultivo de pinus e outros)
e a 1000 hectares (cultivo de eucaliptos),
mediante a expedição da Portaria
nº 35/07 da Fundação Estadual
de Proteção Ambiental - FEPAM.
Tal portaria não se coaduna com os
termos previstos pela própria FEPAM
no Zoneamento Ambiental para a Silvicultura,
que estabelece os parâmetros a serem
observados para resguardar o meio ambiente
do plantio de árvores exóticas
destinadas ao abastecimento da indústria
(silvicultura). No dispositivo da decisão
que se pretende suspender, consta que a MMª
Juíza Federal Substituta da Vara Ambiental,
Agrária e Residual de Porto Alegre,
resolveu:
a) determinar que a FEPAM
se abstenha de emitir qualquer tipo de licenciamento
ambiental, incluso lastreado eventualmente
EIA/RIMA, para empreendimentos relacionados
à atividade de silvicultura, considerando-se
empreendimento como um todo - base florestal
perspectivado por sua finalidade industrial
- que postulem a implantação
e/ou ampliação de plantios,
cujo somatório das áreas próprias,
arrendadas e/ou parceiros for superior a 1.000
ha (hum mil hectares) - a ser desenvolvida
preponderantemente sobre área abrangida
pelo Bioma Pampa;
b) impor ao IBAMA que assuma
a responsabilidade, como órgão
ambiental licenciador, forte no art. 10, "caput"
e § 4º, da Lei nº 6.938/81
e art. 4º da Resolução
CONAMA nº 237/97, com atuação
supletiva da FEPAM/RS, o licenciamento ambiental
de empreendimentos relacionados à atividade
de silvicultura, considerando-se empreendimento
como um todo - base florestal perspectivado
por sua finalidade industrial - que postulem
a implantação
e/ou ampliação de plantios,
cujo somatório das áreas próprias,
arrendadas e/ou em parcerias for superior
a 1.000 ha (hum mil hectares) - o que abrange
as rés VCP, Aracruz e Stora Enso/Derflin/Azengelver
-, a ser desenvolvida preponderantemente sobre
área abrangida pelo Bioma Pampa, mediante
a exigência de EIA/RIMA (art. 225, inc.
IV, da CF/88 e legislação
infraconstitucional aplicável), que
tenha como referência central o teor
contido no próprio Parecer emitido
pelo Grupo de Trabalho Bioma/Pampa/IBAMA/RS,
conforme Ordem de Serviço nº 37/06
de 29/09/2006, cuja íntegra consta
do item 10 desta decisão, podendo o
próprio teor deste parecer ser objeto
de eventuais aperfeiçoamentos pontuais,
face à dinamicidade intrínseca
de procedimentos desta natureza, dentro dos
limites da discricionariedade administrativa.
(...) (fl. 70)
O Estado do Rio Grande do
Sul requereu a suspensão dos efeitos
do ato judicial parcialmente transcrito, sob
o argumento de que sua execução
causará grave lesão à
ordem e à economia públicas,
por trazer prejuízos de natureza econômica
pela perda de vultosos investimentos, bem
como transferir matéria de competência
estadual para o âmbito federal. Aduziu
que se cuida de licença ambiental que
atinge somente os limites do estado-membro,
inexistindo, portanto, interesse de que órgão
licenciador federal interfira na questão
do "Bioma Pampa".
2. A cláusula do
devido processo legal (due process of law),
cuja essência reside na necessidade
de proteger os direitos e as liberdades das
pessoas contra qualquer modalidade interventiva
do Poder Público que se revele opressiva
ou destituída do necessário
coeficiente de razoabilidade (STF, ADI 1063
MC-QO, Relator Min. CELSO DE MELLO. Julgamento:
18/05/1994. Tribunal Pleno. Publicação:
DJ 27-04-2001 PP-00057), encontra concretização
nas normas infraconstitucionais, as quais
delimitam e densificam esse importante princípio
constitucional (STF, Pet 2066 AgR/SP, Relator
Min. MARCO AURÉLIO. Julgamento: 19/10/2000.
Tribunal Pleno. Publicação:
DJ 28-02-2003 PP-00007). A medida cautelar,
para seu deferimento, pede a ponderação
de dois elementos que lhe são essenciais
- a plausibilidade do direito do requerente
e o risco de ineficácia (dano) da futura
tutela. A ponderação, enquanto
técnica adequada de superação
de conflitos entre normas jurídicas,
deve presidir a aplicação das
normas constitucionais, tendo-se por objetivo
a obtenção de uma concordância
prática entre os vários bens
e direitos protegidos jurídico-constitucionalmente,
independentemente de serem veiculados através
de princípios ou através de
regras. Controvertem-se, no caso concreto,
dois princípios constitucionais: ampla
defesa e efetividade processual, na ótica
da efetivação do direito material.
A solução que se deve atribuir
ao conflito de princípios, que se estabelece
na dimensão do peso, é no caso
concreto: quando dois princípios constitucionais
entram em colisão irreversível,
um deles obrigatoriamente tem que ceder diante
do outro, o que, porém, não
significa que haja a necessidade de ser declarada
a invalidade de um dos princípios,
senão que, sob determinadas condições,
um princípio tem mais peso ou importância
do que outro e, em outras circunstâncias,
poderá suceder o inverso. Nesse passo,
tenho que a antecipação dos
efeitos da sentença somente poderá
ser efetuada quando demonstrada a absoluta
necessidade da medida, a partir da aplicação
do princípio da proporcionalidade (adequação,
necessidade e ponderação), tendo-se
em vista a irreversibilidade de futuro provimento
concessivo da pretensão inicial.
A Constituição
Federal brasileira, ao buscar o equilíbrio
federativo, adotou complexo sistema de repartição
das competências constitucionais, combinando
a técnica de enumeração
dos poderes da União e remanescentes
para os Estados, com a previsão de
parcelas de tribuições privativas
a todos os entes federativos. A predominância
do interesse é elemento central na
lógica do sistema constitucional de
repartição das competências
vigente, impedindo-se a sobreposição
conflituosa de atribuições atentatória
à própria noção
de Estado Federal: convivência harmônica
de normas/atribuições totais
(União) e parciais (Estados e Municípios),
no que se refere ao âmbito de vigência.
Na esfera ambiental, estabeleceu
a Constituição Federal ser competência
comum da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios (artigo 23,
VI) a adoção de políticas
públicas tendentes à proteção
ambiental (medidas implementadoras), enquanto
direito materialmente fundamental (textura
aberta dos direitos fundamentais). Em virtude
disso, a competência para o licenciamento
ambiental é partilhada pelos três
níveis de governo,
sendo a área de influência direta
do impacto ambiental critério determinante
a estabelecer o órgão ambiental
preponderantemente habilitado para o licenciamento
(MILARÉ, Direito do ambiente. A gestão
ambiental em foco. São Paulo: RT, 2007,
5ª ed., p. 415). Concretizando esta orientação
constitucional, a Lei nº 6.938/81, com
a redação que lhe restou atribuída
pela Lei nº 7804/89, prescreve as hipóteses
do licenciamento federal: quando presente
impacto de âmbito nacional (afeta diretamente
todo país) ou regional (impacto ambiental
que afete diretamente , no todo ou em parte,
o território de dois ou mais Estados
- Resolução CONAMA nº 237/97,
artigo 1º, IV): Art. 10 - ...
§ 4º Compete ao
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos
Naturais Renováveis - IBAMA o licenciamento
previsto no "caput" deste artigo,
no caso de atividades e obras com significativo
impacto ambiental, de âmbito nacional
ou regional. A Lei nº 11.516/2007, por
seu turno, ao dar nova redação
ao art. 2º da Lei nº 7.735/89, estabelece
a supletividade da atuação do
IBAMA:
Art. 5º O art. 2º
da Lei no 7.735, de 22 de fevereiro de 1989,
passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 2º É criado
o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
dos Recursos Naturais Renováveis -
IBAMA, autarquia federal dotada de personalidade
jurídica de direito público,
autonomia administrativa e financeira, vinculada
ao Ministério do Meio Ambiente, com
a finalidade de:
I - ...;
II - ...;
III - executar as ações
supletivas de competência da União,
de conformidade com a legislação
ambiental vigente.
Assim, somente é
exigível licenciamento ambiental federal
quando presente impacto de âmbito nacional
ou regional. A silvicultura, no Rio Grande
do Sul, sempre foi tratada no âmbito
fiscalizatório estadual, inclusive
manifestando-se o IBAMA, expressamente, pela
sua incompetência para licenciar silvicultura
(fls. 101), pois o impacto local da atividade
reclama a intervenção do órgão
estadual de proteção ambiental
(FEPAM). A tese jurídica sustentada
na decisão (atribuição
do IBAMA para o licenciamento da silvicultura)
exige profundo exercício de interpretação
do Texto Constitucional, o que é razoável
seja efetuado quando da sentença de
mérito da demanda, e não em
provimento liminar, cuja característica
é a
provisoriedade.
Assim, tenho que se encontram
presentes os requisitos do artigo 4º
da Lei nº 8.437/92, uma vez ser indiscutível
a grave lesão à ordem pública
estadual, considerada em termos de ordem jurídico-constitucional
(STF, SS-AgR/SP, Relatora Ministra Ellen Gracie,
11/10/2007, Tribunal Pleno) e à segurança
jurídica, no momento em que interfere
a decisão judicial diretamente na partilha
das atribuições constitucionais
entre os entes federativos, sendo certo que
na suspensão de segurança não
se aprecia, em princípio, o "mérito
do processo principal, mas tão-somente
a ocorrência dos aspectos relacionados
à potencialidade lesiva do ato decisório
em face dos interesses públicos relevantes
consagrados em lei, quais sejam, a ordem,
a saúde, a segurança e a economia
públicas." (STF, SS-AgR 3232/TO,
Relatora Ministra Ellen Gracie, 11/10/2007,
Tribunal Pleno). Em face do exposto, defiro
o pedido para suspender os efeitos da liminar
proferida nos Autos da Ação
Civil Pública nº 2007.71.00.031307-4/RS.
Intimem-se. Publique-se. Transitada em julgado,
arquivem-se.
ASSECOM SEMA/ FEPAM