A natureza guia a
pesquisa na expedição científica
do Juruena
20 Dec 2007 - Por Denise
Cunha - A cada dia, a rotina do grupo de 30
pesquisadores que compuseram a primeira fase
da Expedição Científica,
realizada entre os dias 12 e 30 de novembro,
no Parque Nacional do Juruena, era restabelecida
diante da dinâmica das atividades de
cada área temática de pesquisa
e do calendário da temporada de constantes
chuvas, que começam geralmente nesse
período na região.
Ao iniciar as atividades
em campo, cada um aguçava os sentidos
em busca dos elementos que guiavam a sua procura
por informações sobre a fauna
e flora local. Sons, cheiros e sinais da floresta
nortearam os instintos desses profissionais
que superaram as expectativas no esforço
de ampliar o conhecimento sobre a área
e, assim, possibilitar a elaboração
do Plano de Manejo do Parque Nacional do Juruena.
Não é fácil
a tarefa do pesquisador e da equipe que lhe
dá essencial apoio em campo, como os
piloteiros* e cozinheira. Longas horas de
trabalho, convívio incômodo com
mosquitos e outros insetos, o calor amazônico,
o forte sol ou a intensa chuva foram alguns
dos desafios que acompanharam a todos durante
as atividades. Mas não houve desânimo
na procura por informações de
base para a construção da ferramenta
de gestão que ajudará a proteger
o lugar que encantou os pesquisadores.
Na realidade, apesar de
algumas vezes incômoda, foi a natureza
que guiou os pesquisadores e os ajudou a atingir
resultados que surpreenderam. “Conseguimos
identificar centenas de espécies da
flora e da fauna local, algumas delas raras
e de elevada importância ecológica.
Também identificamos possíveis
espécies novas e ainda registros provavelmente
inéditos no estado do Mato Grosso”,
disse Gustavo Irgang, coordenador da expedição
e do Programa de Conservação
do Instituto Centro de Vida (ICV).
Os sons da pesquisa
Todas as manhãs,
o ornitólogo (estudioso de pássaros)
Dante Buzzetti, costumava ir a campo muito
cedo. Carregava consigo um material bastante
pesado que também chamava atenção
pelo formato tradicional. O gravador ainda
é analógico e a máquina
fotográfica também. No entanto,
para ele, a ferramenta de trabalho mais importante
é sua memória auditiva. É
o som emitido pelos pássaros que norteia
suas buscas.
De maneira surpreendente,
conseguiu preparar uma lista com dezenas de
espécies durante os poucos minutos
que ouviu atentamente a vocalização
dos animais ali presentes. Geralmente, passava
o dia inteiro em campo, trazendo de volta
um extenso levantamento consigo.
Trata-se de uma tarefa solitária
e que exige concentração e muito
silêncio, mas certos momentos pediam
a participação dos colegas.
“Hoje vou avistar um ninho de Japú-verde
(Psarocolius Viridis) em atividade aqui perto”,
anunciou Dante em tom de convite. Esse é
um dos vários espetáculos presenciados
rotineiramente por ele.
Com movimentos que lembram
muito uma dança e com som composto
por oscilações extremadas de
tons, o macho tenta proteger a família
do lado de fora, enquanto a fêmea cuida
dos ovos do lado de dentro do ninho que parece
uma bolsa de cipós e folhas em forma
de gota. “Esse comportamento ajuda a afastar
alguns predadores, mas também são
infalíveis quando os machos querem
atrair as fêmeas na época do
acasalamento”, explicou.
“Opa, vai chover!”, anunciou
Paulo Sérgio Bernarde, Doutor em zoologia
e professor da Universidade Federal do Acre
(UFA) e um dos pesquisadores da área
de Herpetofauna (anfíbios e répteis),
sempre após ouvir a vocalização
conhecida como “canto da chuva” ou “canto
da alegria” da Osteocephalus oophagus, espécie
de perereca com hábitos noturnos que
anuncia a chegada da chuva quando coaxa durante
o dia.
“A explicação
pode ser devido à mudança da
pressão atmosférica, da temperatura
e da umidade do ambiente. Esses animais são
sensíveis a essas variações”,
explicou o companheiro de atividades de Paulo,
Reginaldo Assêncio Machado, também
Doutor em zoologia e professor da UFAC. Comprovado
cientificamente ou não, curiosamente
sempre chovia após a manifestação
vocal do anfíbio.
Os sinais e cheiros da pesquisa
O responsável pela
área de Mastofauna (mamíferos)
e professor da Universidade do Estado do Mato
Grosso (Unemat), Júlio Dalponte, geralmente
voltava ao acampamento ao amanhecer, trazendo
os resultados do senso, atividade realizada
durante toda a noite nos pontos de coleta
predeterminados.
A técnica consiste
em caminhar pelas trilhas com uma lanterna,
produzindo o mínimo de ruído
possível, na intenção
de avistar os animais em atividade noturna.
Os cheiros característicos das espécies
de mamíferos e os sinais que deixam
na vegetação e no solo ajudam
o pesquisador a encontrá-los com mais
facilidade. Cada espécie avistada é
incluída na lista, algumas são
capturadas com ferramentas adequadas para
análise posterior minuciosa.
O procedimento padrão
para coleta de dados inclui também
a análise de rastros e de pegadas dos
mamíferos e o uso de armadilha para
captura de espécies de pequeno e médio
porte. Além disso, o pesquisador trouxe
a campo, para ser testada, uma nova forma
de coletar amostras desses animais.
“Contamos com a colaboração
de Rodrigo Marcelino, analista de Sistema
de Informação Geográfica
(SIG) do Instituto Centro de Vida (ICV), para
aplicar técnicas de arvorismo na instalação
das armadilhas no topo das árvores.
Queremos capturar e analisar os animais que
habitam lugares mais altos. O desempenho foi
satisfatório, no entanto, a nova técnica,
se mostrou um pouco trabalhosa”, explicou
o pesquisador.
As surpresas da pesquisa
As pesquisadoras da área
de Ictiofauna (peixes), Solange Arrolho da
Silva e Divina Sueide Godoi, ambas professoras
do departamento de Engenharia Florestal da
Universidade do Estado do Mato Grosso (Unemat)
eram, geralmente, as primeiras a saírem
a campo a procura de dados. “Hoje vamos trabalhar
na área do rio próxima ao Salto
Augusto”, anunciou uma delas antes de partir
para o trecho considerado complicado para
pesquisas, por causa da logística de
segurança exigida devido às
grandes corredeiras que existem no local.
Foi um dia produtivo. Trouxeram
como resultado uma enorme Pirarara (Phractocephalus
hemioliopterus) de quase trinta quilos. Depois
das análises, foi constatado que era
uma fêmea que desovara antes do tempo.
“Em novembro, essa espécie geralmente
ainda estaria se preparando para fazer a postura
dos ovos. Claro que precisaremos ir mais a
fundo na pesquisa, mas esse indicativo pode
significar que a época da piracema
deva ser iniciada mais cedo aqui no Juruena”,
explicou Sueide.
Marcos Eduardo Guerra Sobral,
responsável pela área de vegetação
na expedição e professor do
departamento de Botânica da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG), também
costumava sair do acampamento nas primeiras
horas da manhã.
Ele teve a missão
de ampliar o conhecimento sobre a flora amazônica.
Pouco se sabe sobre a biodiversidade florística
na região do Juruena. “Expedições
como essa são excelentes oportunidades
para conhecermos melhor as áreas”,
completou.
Todas as manhãs e
logo após o almoço, Sobral ia
a campo para coletar amostras de folhas e
flores, posteriormente prensadas em jornais
e embaladas ainda em campo para serem analisadas
minuciosamente no laboratório. Foram
muitas as que ele não conseguiu identificar
antes de voltar para casa. “Isso é
um ótimo indicativo. Tem sido assim
para todos. Isso mostra o quanto a área
precisa ser ainda estudada”, afirmou.
* Pessoa habilitada e com experiência
em pilotar pequenas embarcações,
como as chamadas voadeiras (barcos de alumínio
com motores de popa), em rios do território
brasileiro.