28 de Janeiro de 2008 - Alex Rodrigues
- Enviado especial - Tefé (AM) (Amazonas)
- Em Mamirauá, avistar uma onça é
um bom sinal. Não por crendice
popular, mas porque seus moradores sabem que se
o mamífero que ocupa o topo da escala alimentar
está rondando a região é porque
tem o que comer. Uma evidência de que a fauna
se recompôs. “As onças que ninguém
mais via, [agora] tem até demais”, brinca
Afonso Silva Carvalho, que desde 11000 atua como
assistente da Reserva de Desenvolvimento Sustentável
(RDS) Mamirauá.
Segundo a diretora do Instituto
de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá,
Ana Rita Alves, ao longo dos últimos 15 anos
o estoque do pirarucu - um dos maiores peixes de
água doce do mundo, podendo atingir até
3 metros de comprimento - também aumentou
nos lagos da reserva. Graças aos planos de
manejo elaborados por pesquisadores do instituto
em parceria com os moradores da reserva, garante
Ana Rita.
“Em 1993, o tamanho médio do pirarucu pescado
era de 1 metro e 40 centímetros. Em 2004,
ultrapassamos 1 metro e 60 centímetros. É
com base nessas informações que definimos
o plano de manejo e decidimos que peixes podem ser
pescados e em que época” diz Ana Rita. Este
ano, foram cerca de 370 peixes, ou 30% dos pirarucus
adultos encontrados nos lagos. “Também temos
trabalhos para preservar as tartarugas, cujo estoque
estava praticamente a zero em 1996. Estimulamos
as comunidades a não apanhar os ovos depositados
nas praias de várzeas”, completa.
Criada em 11000 e localizada entre
os rios Solimões, Japurá e Auatí-Parará,
a três horas de lancha de Tefé (AM),
Mamirauá foi a primeira reserva de desenvolvimento
sustentável a ser criada no país.
A categoria só passou a integrar o Sistema
Nacional de Unidades de Conservação
(Snuc) em 2000. Antes, o biólogo José
Márcio Ayres já havia conseguido que
a área fosse reconhecida como uma estação
ecológica.
Ao chegar à região
no início da década de 1980, Ayres
se empenhou em proteger a área que abrigava
seu objeto de estudo, o macaco uacari-branco (Cacajao
calvus calvus). Não tardou a perceber que
a conservação da biodiversidade passa
por questões como a melhoria da qualidade
de vida das populações carentes. Quem
acompanhou o biólogo na jornada de criar
Mamirauá lembra que ele defendia que, sem
conscientizar as pessoas e proporcionar alternativas
econômicas para que conservem o ambiente,
ele jamais será preservado.
“O modelo de Mamirauá é
inovador porque foi proposto para unidades de conservação
de importância biológica, com a presença
continuada da população. Já
numa estação ecológica você
preserva o ambiente, mas retira a população.
E não há lógica em retirar
pessoas que há tempos estão assentadas
nessas áreas ”, diz Ana Rita, alegando que
a possibilidade de aplicar o modelo em outras áreas
rurais da Amazônia e outros biomas é
outra inovação.
A reserva ocupa uma área
pertencente ao estado do Amazonas. Para percorrer
de barco seu 1.124 milhão de hectares são
necessários de cinco a seis dias. Um convênio
com a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Sustentável
permite que o Instituto Mamirauá realize
pesquisas no local e na reserva contígua,
Amanã, de 2.313 milhões de hectares.
“É importante termos as unidades de conservação,
mas é ainda mais importante não tê-las
apenas no papel. Executar um trabalho para que essas
áreas cumpram realmente suas finalidades”.
O Instituto Mamirauá foi
criado em 1999 para dar continuidade à implementação
da reserva. Além de receber recursos do Ministério
da Ciência e Tecnologia, o instituto permite
que cada pesquisador autorizado a trabalhar no local
capte onde for possível os recursos necessários
aos seus estudos. Ana Rita garante que quando uma
pesquisa vai ser realizada, a população
é consultada. “Temos casos de pesquisadores
que não puderam continuar os estudos porque
as comunidades não aceitaram”.
Segundo Ana Rita, o objetivo do
Instituto Mamirauá é preservar a natureza
assegurando, por meio de alternativas de trabalho
para as comunidades, a melhoria da qualidade de
vida da população, valorizando, conservando
e aperfeiçoando as técnicas de manejo
já existentes. “Os conhecimentos tradicional
e científico interagem em busca da forma
mais adequada de utilizar os recursos naturais disponíveis.
É um trabalho entre a ciência para
a conservação com respeito à
cultura local”.
Visando a melhoria da qualidade
de vida dos moradores, o Instituto Mamirauá
desenvolve ações de educação
ambiental, saúde, comunicação,
moradia, entre outras iniciativas de organização
e articulação comunitária.
“Temos convênio para projetos como o Ministério
da Saúde, mantemos uma escola flutuante de
educação ambiental onde realizamos
cursos para parteiras e enfermeiros”.
À importância geopolítica
e ao tamanho da Amazônia, Ana Rita Pereira
Alves contrapõem ameaças e problemas
“superlativos”. “Nosso objetivo é preservar
essa riqueza e tentar solucionar parte dos problemas.
A região pede respostas domésticas,
mas precisa da mobilização nacional
para alcançar os objetivos de preservação
da floresta”.
O repórter viajou a convite da Força
Aérea Brasileira
+ Mais
Ecoturismo e manejo sustentável
permitem a moradores ajudar a conservar reserva
28 de Janeiro de 2008 - Alex Rodrigues
- Enviado especial - Tefé (AM) - Além
da satisfação dos que se hospedaram
em uma das dez suítes flutuantes construídas
no interior da Reserva de Desenvolvimento Sustentável
Mamirauá, a cerca de três horas de
barco de Tefé (AM), o livro de recados sobre
o balcão da Pousada Uacari registra o sucesso
da iniciativa de implantar o ecoturismo como alternativa
econômica para os moradores da unidade de
conservação.
Gerenciada por integrantes da
própria comunidade, a pousada incentiva as
pessoas a conservar os recursos naturais da área.
Os lucros, segundo a diretora do Instituto de Desenvolvimento
Sustentável Mamirauá, Ana Rita Alves,
são divididos entre o sistema comunitário
de vigilância e as comunidades locais. “Recebemos
pedidos de centenas de turistas, mas isso iria impactar
o ambiente. Só podemos receber 20 hóspedes
por vez”, diz Ana Rita.
A população de Mamirauá
é de cerca de 11 mil moradores e usuários
(moradores de comunidades próximas), distribuídos
em 218 localidades, expressão empregada para
abranger desde as comunidades até sítios
com apenas duas casas. As localidades são
organizadas em 19 setores que agrupam uma série
de comunidades. Doze deles contam com representantes
eleitos pela própria comunidade para servir
de elo com o instituto.
“Nós os visitamos a fim
de mantê-los informados sobre os trabalhos
que estão sendo executados. Eles, por sua
vez, conversam com a comunidade e, a cada dois meses,
realizamos uma reunião com as lideranças
para tomar as decisões”, explica Ana Rita.
Anualmente, os moradores elegem em assembléia
geral as prioridades para o ano seguinte. “Apesar
de procurarmos orientar essa votação,
muitas vezes pontos que achamos importantes não
são aprovados”.
Como o Instituto de Desenvolvimento
Sustentável Mamirauá também
atua na Reserva de Amanã, contígua
a Mamirauá, Ana Rita calcula que o trabalho
do instituto beneficia até 150 mil pessoas
dos municípios próximos. “Nossos programas
de saúde, científicos e de educação
ambiental tem influência em municípios
que fiquem num raio de 20 quilômetros da reserva”.
Além dos programas de ecoturismo
e dos planos de manejo para pesca e exploração
madeireira, o Instituto Mamirauá busca incentivar
a agricultura e o artesanato, atividade que estava
quase esquecida.
Ana Rita já comemora alguns
bons resultados. O desmatamento na reserva vem diminuindo,
já que os moradores estão usando as
áreas de capoeira para o replantio. A mortalidade
infantil caiu de 87 óbitos por mil nascimentos,
em 1994, para 23 a cada mil. A renda domiciliar
cresceu, acompanhando a valorização
dos produtos locais, como a madeira que de R$ 17,50
o metro cúbico, chegou aos atuais R$ 62 quando
certificada. Com o aumento da renda, os moradores
puderam adquirir telas contra mosquitos paras suas
casas, o que ajudou a reduzir a inciência
dos casos de malária.
Ana Rita diz que a organização
comunitária é o trabalho mais árduo.
E lembra dos percalços. “Quando o projeto
Mamirauá começou, as pessoas o rejeitavam.
Imagina, estávamos fechando uma área
até então aberta para todos coletarem
seus recursos. Isso causou muitos conflitos de interesses.
Gente que não pôde mais explorar a
madeira, pescar de forma predatória. Começaram
a divulgar que só tinha estrangeiro em Mamirauá.
Que transportávamos de helicópteros
peixe-boi para a Bélgica”, lembra a diretora.
Segundo Ana Rita, aos poucos,
a percepção das pessoas foi mudando.
“Percebendo que os recursos naturais estavam se
esgotando, que quase já não havia
mais peixes, as comunidades que não estavam
no projeto passaram a nos procurar e pedir para
atuarmos em suas localidades”.
Para se prevenir contra eventuais
acusações quanto à atuação,
a organização aposta na comunicação.
“Nossa principal preocupação é
divulgar nossas atividades. E todo pesquisador estrangeiro
que apresenta uma proposta de pesquisa tem de, antes,
ser autorizado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico [Cnpq]. Todos
os pesquisadores estrangeiros que atuam na Mamirauá
são autorizados a trabalhar”, explica a diretora
administrativa Selma Freitas.
Ainda há queixas, lógico.
Principalmente entre quem está fora da reserva,
como reconhecem os administradores. Mas também
entre quem ajuda a preservar a área.
“Precisamos de apoio para fiscalizar
a área”, pede o assistente Afonso Silva Carvalho.
“Em 11000, quando estávamos fazendo o zoneamento
da reserva, havia madeireiros, pescadores, comerciantes.
Estavam destruindo a reserva. Hoje, está
um pouco melhor. Não foi 100%, mas a qualidade
de vida de cada um melhorou, digamos, 60%. Ainda
vem muito pescador com redes, mas pelo menos os
grandes barcos de pesca deixaram de entrar na área”
diz Carvalho, admitindo que há entre os próprios
habitantes da reserva quem não respeite os
planos de manejo.
Já o guarda-parques Arismar
Cavalcante Martins se sente inseguro para impedir
os abusos. Há apenas dois guardas devidamente
registrados para cuidar do 1.124 milhão hectares
da reserva. Ganham apenas R$ 400 e contam com a
ajuda de 16 agentes ambientais que recebem R$ 20
por dia de trabalho.
Arismar diz que o trabalho é
perigoso. “No dia-a-dia, a gente enfrenta os invasores
que vêm para levar o pirarucu. Eles são
violentos e muitas vezes reagem contra a fiscalização.
Não temos recursos para cuidar da nossa área.
E não temos direito de usar armas, mesmo
nosso trabalho sendo muito perigoso”.
O repórter viajou a convite da Força
Aérea Brasileira
+ Mais
Moradores de reservas na Amazônia
são preparados para administrar recursos
naturais
28 de Janeiro de 2008 - Alex Rodrigues
- Repórter da Agência Brasil - Brasília
- Os moradores da Reserva de Desenvolvimento Sustentável
(RDS) Mamirauá deverão assumir, gradativamente,
a responsabilidade pela maioria das atividades que
hoje desenvolvem com a assessoria do Instituto de
Desenvolvimento Sustentável Mamirauá.
As comunidades precisarão
demonstrar que podem se sustentar sem degradar o
local, informou a diretora de Manejo de Recursos
e Desenvolvimento Social do instituto, Isabel Soares
de Sousa. "Algumas delas vêm recebendo
assessoria para fazer o manejo dos recursos naturais
há quase anos. Com a responsabilidade, poderemos
ir para outras áreas da reserva", disse.
Desde a criação
da reserva, em 11000, explicou, os habitantes de
Mamirauá foram informados de que a assessoria
do instituto seria temporária: “Nosso trabalho
visa à sustentabilidade. As pessoas precisam
saber que um dia terão de fazer sozinhas
muitas das ações que desenvolvemos”.
A proposta, desenvolvida também
em Amanã – reserva de 2,313 milhões
de hectares contígua a Mamirauá –,
é que o instituto possa assessorar outras
comunidades. Hoje, das 218 localidades de Mamirauá,
38 se beneficiam das ações do instituto
para a pesca, agricultura, extração
de madeira, artesanato e turismo sustentável.
Em Amanã, são 14 de 79 localidades.
“Se não transferirmos responsabilidades
para as comunidades, nunca conseguiremos atingir
toda a área das reservas. Atualmente, temos
52 localidades envolvidas em programas de manejo
de recursos naturais. Dez a 15 delas já podem
ficar mais independentes”, informou Isabel de Sousa.
Técnicos e pesquisadores
farão o acompanhamento apenas nas atividades
em que forem imprescindíveis. A diretora
exemplificou: "Eles sempre irão depender
de um engenheiro florestal para elaborar o plano
de manejo florestal e obter a licença dos
órgãos responsáveis."
Ela citou a pesca do pirarucu,
importante atividade econômica da região,
como exemplo de capacitação das comunidades.
“Para fazer esse manejo é preciso contar
os peixes, um a um, em cada lago. A atividade, hoje,
é acompanhada por técnicos do instituto,
mas trabalhamos para que os próprios pescadores
garantam a confiabilidade dos dados e não
precisem mais da presença do técnico",
disse.
Hoje, os pescadores ajudam os
técnicos a identificar e contar os peixes,
a cada vez que eles sobem à tona para respirar.
Só é permitida a pesca de 30% dos
pirarucus adultos machos de cada lago. “As próprias
comunidades deverão ter, em breve, a capacidade
de pesar o peixe, medir, botar o lacre e preencher
os relatórios necessários para que
o Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
dos Recursos Naturais Renováveis] aprove
o plano de manejo do próximo ano”, informou.
O Instituto Mamirauá ainda
não definiu prazo para deixar as comunidades
que já assessora. "No começo,
não sabíamos de quanto tempo uma comunidade
precisaria para desenvolver o trabalho sozinha.
Agora, com a experiência, já sabemos
que muitas dessas atividades podem ser feitas por
elas já a partir do terceiro ano, mas isso
varia de acordo com a comunidade", explicou.