01 Feb
2008 - Entrevista com Julio Cesar Dalponte, responsável
pela área de mastofauna na primeira fase
da Expedição Científica Juruena.
Por Denise Cunha
Julio Cesar Dalponte, tem doutorado em Biologia
Animal pela Universidade de Brasília e é
professor auxiliar da Universidade do Estado de
Mato Grosso – UNEMAT. Também membro da Fundação
Pró-Carnívoros e do Grupo Especialista
de Canídeos da União Internacional
para a Conservação da Natureza, Julio
atua principalmente na pesquisa, conservação
e inventário de mamíferos nos biomas
mato-grossenses, além de possuir ampla experiência
na área de Zoologia, com ênfase em
Ecologia Comportamental e Conservação
de Carnívoros.
Nessa entrevista, Dalponte descreve
as atividades e desafios da equipe liderada por
ele durante a expedição e nos explica
a importância de se estudar os mamíferos,
destacando a relevante contribuição
dessas informações para a elaboração
de estratégias de gestão e manejo
do recém-criado Parque Nacional do Juruena.
Qual o objetivo do trabalho da
área de mastofauna?
Nosso interesse está em estabelecer um panorama
da composição da fauna de mamíferos
na região. Não há a intenção
de sermos exaustivos nesse levantamento, visto que,
o pouco tempo que temos, não nos permitiria
isso. A idéia é estabelecer uma análise
preliminar, cujos resultados, somados às
informações levantadas pelas demais
áreas temáticas que também
participaram da expedição, vão
nortear a construção do plano de manejo
para o parque. Também visamos a estabelecer
propostas para aprofundamento dessas informações
no futuro, quando necessário.
Quais são os critérios
e procedimentos para a escolha dos pontos de coleta?
Eleição dos sítios de amostragem,
que é como chamamos a área em que
realizaremos as coletas, é feita antes de
iniciarmos as atividades em campo, utilizando ferramentas
de geoprocessamento. Toda a equipe participa, de
maneira a buscarmos uma boa caracterização
das áreas do parque. Com base nisso, definimos
pontos mais específicos a serem trabalhados
em campo. Uma vez eleito o sítio específico,
ou seja, o ponto específico para a amostragem,
precisamos escolher o método mais eficiente
para podermos acessar as espécies de mamíferos
existentes naquela localidade que nos interessam.
Quais os métodos de coleta adotados?
Para os mamíferos de médio e grande
porte, utilizamos um método indireto em que
analisamos os sinais que esses animais deixam na
floresta. Pegadas, rastros e pelos são elementos
que trazem muito informação sobre
hábitos e características das espécies
existentes em um dado local. Entre os métodos
diretos, temos o senso, que é quando observamos
os animais executando suas atividades em seu habitat
durante o dia e/ou durante a noite. Esse é
um procedimento que exige grande habilidade, atenção
e energia. Podemos ficar por horas imóveis
observando um animal e os sensos noturnos, por exemplo,
duram a noite toda. Também capturamos animais
com armadilhas especiais, específicas para
mamíferos de médio porte. Temos, nesse
caso, um interesse maior em carnívoros que
são difíceis de serem avistados durante
suas atividades habituais. Assim, capturamos os
animais vivos que são fotografados, analisados
e liberados. Utilizamos iscas, como carne ou peixe
em um estágio inicial de decomposição,
para atraí-los. As armadilhas são
iscadas perto do anoitecer e permanecem nos lugares
predeterminados durante toda a noite, período
em que grande parte dos carnívoros brasileiros
entram em atividade. Durante esse processo, tomamos
muito cuidado para evitar que eles permaneçam
muito tempo nas armadilhas, isso causa stress ao
animal. Por isso, checamos as armadilhas logo pela
manhã. Mamíferos de pequeno porte,
no caso morcegos e pequenos roedores marsupiais*,
também são capturados para posterior
análise taxonômica, mas somente nos
casos em que não conseguimos ter certeza
da identidade da espécie ainda em campo,
pois não é nosso interesse fazer coleções
nesse tipo de diagnóstico realizado.
* Mamíferos que dão à luz a
seus filhotes, quando ainda estão num estágio
prematuro. Os recém-nascidos permanecem em
uma bolsa na barriga da mãe, denominada marsúpio,
até desenvolvem-se o suficiente para deixá-la.
Qual o procedimento de preparo,
ainda em campo, a partir da coleta desses animais?
Quando decidimos coletar o animal, ele é
levado ainda com vida, na própria armadilha,
até o acampamento onde vamos prepará-lo
para que seja analisado posteriormente em laboratório.
A técnica, denominada taxidermia e popularmente
conhecida pelo termo “empalhar”, é utilizada
para preservar a forma da pele, planos e tamanho
dos animais que serão estudados e podem compor
uma coleção científica ou serem
utilizados para fins de exposição.
Qual a importância de se
estudar os mamíferos para subsidiar a construção
do plano de manejo para o Juruena?
Os dados gerados são muito
importantes para as primeiras ações
de manejo do parque. É muito relevante a
identificação de espécies que
sejam indicadoras dos processos ambientais, como
a presença de animais em áreas já
perturbadas ou de espécies que conseguem
se estabelecer em áreas afetadas por uma
atividade antrópica. Outra coisa importante
é conseguir identificar a presença
de espécies endêmicas, novas e/ou ameaçadas
de extinção e ter uma idéia
prévia da ocorrência delas, avaliando
também o tamanho e aspectos dessa população.
È preciso checar, por exemplo, se é
uma população saudável e se
há exemplos de reprodução dessas
espécies no local. Isso ajudará a
estabelecer as ações emergenciais
a serem tomadas no que concerne a gestão
do parque.