30/04/2008
- Nessa quarta-feira (30 de abril), na sede do Conselho
Indigenista Missionário (Cimi), em Brasília,
lideranças de Roraima se encontraram com
a imprensa para relatar a tensão vivida pelos
povos no local – ainda invadido por arrozeiros.
Na coletiva, falaram sobre a real ameaça
à soberania e avisaram que não abrem
mão do direito de manter a demarcação
da Terra Indígena (TI) Raposa - Serra do
Sol em área contínua.
Os representantes das Terras Indígenas
(TIs) Raposa-Serra do Sol e São Marcos, de
Roraima, aguardam em Brasília a decisão
do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a manutenção
da área demarcada na TI Raposa-Serra do Sol,
após suspensão da operação
de desintrusão, no início de abril.
“Estamos querendo só ver reconhecido um pedacinho
do Brasil para os povos indígenas, pois a
grande maioria das terras indígenas brasileiras
já está ocupada pelos não-índios”,
definiu o coordenador do Conselho Indígena
de Roraima (CIR), Dionito José de Souza.
A possibilidade de o Supremo reverter
a decisão de homologação de
Raposa em terra contínua preocupa. Dionito
afirma que a demarcação em ilhas é
inviável, porque afetaria a liberdade dos
povos: “Se o STF voltar atrás, não
existe lei. Se não fizer justiça,
estará violando nossos direitos. Não
queremos negociar a presença dos arrozeiros
nem o uso da terra por eles. Não queremos
viver de migalhas.”
Na conversa com os jornalistas,
os líderes disseram que não querem
ser vistos pela sociedade como empecilho para o
desenvolvimento do país. “Estamos aparecendo
como estrangeiros na mídia, mas moramos,
nascemos e morreremos em terras brasileiras. Somos
brasileiros. Somos povos indígenas deste
país”, disse o coordenador do CIR. Ele falou,
ainda, que os indígenas são os responsáveis
pela preservação ambiental da região
e pela defesa da área.
Em resposta às declarações
do comandante militar da Amazônia, general
Augusto Heleno, de que as terras indígenas
em áreas de fronteira ameaçariam a
soberania nacional, o líder indígena
denunciou ações dos rizicultores:
“Paulo César Quatiero (líder dos arrozeiros
e prefeito de Pacaraima, município no limite
das duas localidades) invadiu a Terra Indígena,
não paga um centavo ao Estado, quebrou pontes,
incendiou casas dos índios... Os invasores
colocaram até uma bandeira da Venezuela na
entrada da Terra Indígena e os índios
é que são ameaça à soberania
do país?”.
Quando perguntado sobre as críticas
feitas pelo general ao governo, Dionito desabafou:
“Se fosse um índio, já estaria na
cadeia. Isso é uma injustiça para
todo cidadão brasileiro”.
O dirigente do CIR contou que
os rizicultores ameaçam os índios
com pistoleiros, dizem que não querem indenização
e que não vão sair. “As pessoas que
não querem cumprir a lei brasileira querem
violar direitos dos povos indígenas e demonstrar
que nós temos que ser dominados ou escravizados.
Mas nós queremos viver, trabalhar, com dignidade
e com respeito na sociedade”, disse o macuxi.
Lourenço Wapichana, líder
da Associação dos Povos Indígenas
da Terra São Marcos (APITSM), que representa
5 mil indígenas que vivem na área
vizinha à TI Raposa-Serra do Sol, contou
que as ações do arrozeiros, como a
interdição de estradas e bloqueio
de pontes, afetam todos os índios das proximidades.
Ele disse que a polêmica “pode abrir precedente
para todas as outras TIs no Brasil” e por isso espera
que seja feita justiça: “Não temos
intenção de luta armada, queremos
vencer com diplomacia”. Mesmo assim, não
se descarta a possibilidade de conflito com os arrozeiros.
“ Nós somos vítimas da violência
deles. Se houver confronto, será com a polícia
e não com os indígenas”.
Dentro dos próximos dois
meses, o STF deve julgar o mérito de uma
Ação Popular que pede a nulidade da
Portaria nº534/05, do ministro da Justiça,
que declara a terra como indígena. No dia
29 de abril, a Procuradoria-Geral da República
encaminhou para o STF parecer que considera válida
a homologação de Raposa-Serra do Sol
em área contínua.
*Na coletiva, também estiveram
presentes outras 10 lideranças indígenas
do CIR, Sodiur, Alidecir, Apitsm, Apir, Opir e Cecac,
além das organziações que compõem
o Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas
– FDDI (Coaib, Apoinme, CIR, Foirn, CTI, Cimi, Inesc,
Isa, CCPY, Anai, ABA e Opan).
Campanha
Em busca do apoio da sociedade,
o Conselho Indígena de Roraima (CIR) lançou
a campanha "Anna pata Annayan", de solidariedade
com os povos indígenas da Raposa Serra do
Sol. A participação consiste no envio
de uma carta às autoridades brasileiras,
com o pedido de cumprimento o decreto de homologação
da TI.
ISA, Katiuscia Sotomayor.
+ Mais
Governo Federal envia ao Congresso
projeto de lei sobre mineração em
Terras Indígenas
24/04/2008 - Projeto que vinha
sendo discutido dentro do governo há três
anos, será apresentado como substitutivo
à proposta que hoje tramita em comissão
especial (PL nº 1610/96). Texto foi alterado
para retirar alguns pontos problemáticos
de versões anteriores, mas enfrentará
resistências do movimento indígena
por não estar articulado com a tramitação
do PL do novo Estatuto das Sociedades Indígenas.
A Secretaria de Assuntos Legislativos
do Ministério da Justiça enviou, no
último dia 18 de abril, uma proposta de substitutivo
ao Projeto de Lei nº 1.610/96, que visa regulamentar
a atividade de mineração em terra
indígena. Elaborada por um grupo interministerial,
que envolveu o Ministério da Justiça,
o de Minas e Energia e o Gabinete de Segurança
Institucional da Presidência da República,
ela difere em poucos pontos da que havia sido apresentada
durante a Conferência Nacional dos Povos Indígenas,
em abril de 2006, e da que foi apresentada um ano
depois, em junho de 2007, à Comissão
Nacional de Política Indigenista.
As alterações feitas,
embora pequenas, são relevantes. Em primeiro
lugar, acaba com a idéia de se criar um comitê
externo para gerir os recursos financeiros destinados
às comunidades indígenas impactadas,
a título de royalties, o que feria a autonomia
dos povos indígenas em decidir como gastar
seus próprios recursos, já que ele
teria apenas “participação” nesse
comitê. Na nova versão do projeto,
a comunidade indígena impactada gere diretamente
os recursos que lhes são destinados por lei,
sem a intervenção do órgão
indigenista oficial, que passa a ter o papel de
assessorar e fiscalizar a sua utilização.
Outra mudança relevante
foi acabar com um “fundo de compartilhamento” das
receitas provenientes dos resultados da mineração.
A idéia existente nas versões anteriores
era de que 50% dos recursos devidos a título
de indenização pelo uso do território
indígena (que serão em torno de 3%
dos lucros obtidos pela mineradora na área)
fossem destinados a um grande fundo, gerido provavelmente
pela Fundação Nacional do Índio
(Funai). Este órgão destinaria esse
recursos, supostamente, para atender a comunidades
indígenas carentes e financiar projetos de
produção econômica e de conservação
de recursos naturais para comunidades indígenas
em geral. As críticas a essa proposta eram
de que ela criava um tipo de esmola com o chapéu
alheio: retirava os recursos devidos às comunidades
efetivamente impactadas, para pulverizá-los
em um fundo gerido pelo Estado, consumindo-os em
burocracia ou para cobrir rombos no orçamento
da política indigenista.
As duas modificações
são positivas, pois demonstram que a Funai
não pode substituir a vontade dos índios,
por que não os representa, mas tem a obrigação
de proteger e fazer respeitar os direitos indígenas.
Evitam ainda a pressão sobre a comunidade
indígena que pode ter atividade de mineração
em suas terras, tanto por parte de outras comunidades
indígenas que queiram usufruir dos recursos
oriundos da atividade, quanto por parte do próprio
poder público, carente de recursos orçamentários
para os povos indígenas.
Em relação ao projeto
hoje em tramitação, as mudanças
são profundas. De início, acaba explicitamente
com o direito de prioridade ao introduzir a necessidade
de licitação para escolher o melhor
projeto para explorar determinada jazida em terra
indígena. Além disso, impede que seja
aberto o processo de licitação antes
da homologação da Terra Indígena,
e explicita a necessidade de consulta prévia
às comunidades indígenas afetadas,
como determina a Constituição Federal
e a Convenção 169 da OIT. Em linhas
gerais, o processo passaria por diversas fases antes
de ser iniciada a atividade de pesquisa mineral,
primeiro passo para avaliar se realmente há
potencial econômico para explorar determinada
jazida mineral.
Apesar de representar um avanço
em relação às versões
anteriores, e principalmente em relação
ao projeto do senador Romero Jucá, o substitutivo
do Governo não aborda pontos importantes
como a necessidade de controle social da execução
do contrato e garantias contra riscos ambientais.
Veja aqui uma análise mais detalhada do substitutivo.
Outra preocupação
é o fato de o Ministério da Justiça
ter encaminhado o projeto de lei na semana do Abril
Indígena, depois de lideranças indígenas
solicitarem ao governo compromisso com a aprovação
do Estatuto dos Povos Indígenas, impedindo
que o tema da mineração seja tratado
isoladamente em lei específica.
O anteprojeto de lei apresentado
foi enviado para os deputados Henrique Fontana,
líder do governo, Édio Lopes, presidente
da Comissão Especial Sobre Exploração
de Recursos Minerais em Terras Indígenas
na Câmara dos Deputados, e Eduardo Valverde,
relator do projeto na comissão.
ISA, Ana Paula Caldeira Souto Maior e Raul Silva
Telles do Valle.