10 de
Julho de 2008 - Gilberto Costa - Repórter
da Rádio Nacional da Amazônia - Brasília
- Setores da sociedade civil consideram positiva
a iniciativa do governo em estabelecer marcos legais
para a atuação do chamado terceiro
setor, formado pelas organizações
não-governamentais, especialmente na Amazônia,
mas questionam o alcance e a clareza da finalidade
da norma. De acordo com a Portaria n° 1.272,
de 3 de julho de 2008, as ONGs que atuam em todo
o país têm 120 dias para se recadastrar
no Ministério da Justiça.
“Toda forma de presença
do Estado é muito importante. O recadastramento,
o controle e o entendimento de quem está
trabalhando dentro da região é uma
iniciativa louvável”, afirma Adrian Garda,
diretor do Programa Amazônia da Conservação
Internacional. Segundo ele, organizações
como a que ele dirige não precisam de autorização
para funcionamento. O Programa Amazônia da
Conservação Internacional é
subsidiária de entidade estrangeira, mas
registrada como brasileira e com todos os quadros
técnicos brasileiros.
Porém, para a membro da Associação
Brasileira de ONGs (Abong) e do Instituto Universidade
Popular do Pará Aldalice Otterleoo, a Portaria
n.º 1.272/08 não é clara. “Quando
fala por exemplo de 'ONGs estrangeiras' ou 'estratégico',
o que significa isso?”, questiona a ativista, que
atua há 30 anos em ONGs na Amazônia.
Ela disse que desconhece qualquer atividade ilícita
dessas instituiçãoes na região.
Na avaliação de
José Antônio Moroni, do Instituto de
Estudos Socioeconômicos e da diretoria executiva
da Abong, a medida do governo pode servir para desviar
o foco dos problemas ambientais na região.
“Acho que está havendo
uma certa jogada de marketing por parte do governo,
desviando o foco do desmatamento para as chamadas
ONGs internacionais”. Segundo Moroni, “todas as
organizações, para atuar no Brasil,
já precisam de autorização
do Ministério da Justiça, que tem
o poder de fiscalizar essas organizações”.
Há cerca de um mês,
Moroni se reuniu com o secretário nacional
de Justiça, Romeu Tuma Júnior, e entregou
um documento com propostas para regulamentar as
atividades das entidades. No documento, a Abong
manifesta-se contrária “a tentativas autoritárias
de restringir a liberdade de associação
em nome de falsos compromissos com a moralidade
pública ou com a soberania nacional”.
Para o advogado Raul Telles do
Valle, do Instituto Sócioambiental, o governo
discrimina as ONGs e trata de forma diferenciada
as instituições estrangeiras em relação
às nacionais.
“Esse é um grande paradoxo.
Quando existem estrangeiros que vêm falar
e defender a conservação ambiental,
direitos dos povos indígenas ou dos pequenos
produtores; eles estão ameaçando o
interesse nacional. Agora, quando eles são,
na forma de capital estrangeiro, que vende soja,
vende minério, vende água, vende solo,
vende biodiversidade para fora; eles são
investidores importantíssimos para o equilíbrio
da balança comercial brasileira”, compara
Raul do Valle.
Segundo a Superintendência
da Zona Franca de Manaus, o volume de investimentos
estrangeiros no Pólo Industrial deverá
oscilar em torno de US$ 5 bilhões este ano.
Em mais de 30 anos, o Banco Mundial já investiu
US$ 1,4 bilhão na Região Norte. Há
recursos estrangeiros captados pelo governo federal
também para a preservação da
floresta. Este ano, o Ministério do Meio
Ambiente anunciou que o programa de Áreas
Protegidas da Amazônia vai receber mais US$
105 milhões do exterior.
+ Mais
Legislação sobre
ONGs estrangeiras busca garantir soberania nacional,
diz secretário
10 de Julho de 2008 - Gilberto
Costa - Repórter da Rádio Nacional
da Amazônia - Brasília - A iniciativa
do governo de recadastrar organizações
não-governamentais que atuam no país
e de elaborar um decreto presidencial para regular
atividades em áreas protegidas, terras indígenas
e zonas de fronteira visa a assegurar a soberania
nacional na Amazônia.
Conforme o ministro da Justiça
Tarso Genro, preocupa especialmente a atuação
de organizações estrangeiras na Amazônia
Legal. Segundo o Ministério da Justiça,
há 167 ONGs estrangeiras atuando no Brasil
e 27 na região.
Há mais de um ano, setores
da Agência Brasileira de Inteligência
(Abin), da Polícia Federal e das Forças
Armadas vêm manifestando publicamente a preocupação
com atividades de ONGs na região e com a
soberania nacional.
Responsável pela portaria
que prevê o recadastramento de ONGs, o secretário
nacional de Justiça, Romeu Tuma Júnior
explica que cuidar da soberania nacional não
envolve apenas a defesa do território. “Quando
se fala em soberania nacional, se fala de uma forma
complexa. Não é só da questão
territorial, mas também das riquezas naturais,
da cultura dos nossos povos e da questão
da natureza”, detalha.
Para o coronel reformado do Exército
Brasileiro, Manoel Soriano Neto, o recadastramento
é o “primeiro passo”, mas há riscos
de organizações clandestinas “continuarem
atuando”. Para o militar, ex-agente de informação
e ex-chefe do Centro de Documentação
do Exército, pode haver associação
entre interesses econômicos e ONGs estrangeiras.
“Essas organizações
não-governamentais são, às
vezes, um disfarce dos interesses econômicos
de nações hegemônicas. Então,
elas são predadoras e espiãs. Elas
procuram a biodiversidade da nossa Amazônia,
os minérios raros, os minérios de
última geração e pensam que
a Amazônia deva ser internacionalizada em
face disso.”
Ativistas de ONGs não acreditam
em riscos à soberania e criticam os órgãos
de inteligência. “Eles colocam isso como tese
e colocam todas as entidades como suspeitas. Nós
fizemos essa pergunta para o secretário [Romeu
Tuma Júnior], se há algum caso concreto
disso, e a resposta dele foi não. O Ministério
da Justiça não tem nenhum caso concreto,
só tem em tese”, aponta José Antônio
Moroni, do Instituto de Estudos Socioeconômicos
e da Diretoria Executiva da Associação
Brasileira de Organizações Não-Governamentais
(Abong).
O diretor do programa Amazônia
da organização Conservação
Internacional, Adrian Guarda, diz não entender
a razão das acusações de envolvimento
de ONGs com biopirataria na Amazônia, por
exemplo. Segundo ele, o contrabando “não
vai ser via uma instituição",
mas pode decorrer de "barreiras facilmente
permeáveis que há no controle de entrada
de imigrantes no Brasil”.
Romeu Tuma Júnior assegura
que “não há interesse em criminalizar
a atuação das ONGs”, mas de “separar
o joio do trigo”. “O que nos queremos é que
aqueles que queiram investir no Brasil venham investir,
mas que o Brasil saiba para onde vão, quem
vai representá-los, qual o interesse, qual
o objetivo e qual o plano de trabalho”, pondera.
Segundo ele, uma “série
de condutas desviantes” das ONGs foram identificadas
e “há vários casos concretos”, mas
o direito de defesa e as investigações
impedem divulgação.
+ Mais
Decreto para disciplinar atividades
de ONGs estrangeiras passará por consulta
pública
10 de Julho de 2008 - Gilberto
Costa - Repórter da Rádio Nacional
da Amazônia - Brasília - Depois de
determinar o recadastramento em 120 dias das organizações
não-governamentais estrangeiras que atuam
no país (Portaria n° 1.272, de 3 de julho
de 2008, do Ministério da Justiça),
o governo deve, até o final do mês,
baixar um decreto regulamentando a execução
de atividades de qualquer instituição
em áreas ambientalmente protegidas, terras
indígenas e zonas de fronteira.
Antes da publicação,
o decreto deverá ser submetido à consulta
pública. A informação é
do Secretário Nacional de Justiça,
Romeu Tuma Júnior. “O ministro [da Justiça,
Tarso Genro] deve solicitar que o decreto seja colocado
para consulta pública para que a sociedade
possa também contribuir.” Segundo o secretário,
as medidas irão viabilizar um controle nunca
feito no Brasil sobre o desvio de finalidades das
ONGs.
Em 29 de maio de 2006, o Ministério
da Justiça divulgau a informação
em seu site que “ONGs estrangeiras, sem fins lucrativos,
não precisam de autorização”.
A nota publicada na internet lembrava que a Constituição
Federal determina, em seu Artigo 5º, que “a
criação de associações
e cooperativas independe de autorização,
sendo vedada a interferência estatal”.
O secretário assegura que
“não há nada na portaria e tão
menos no decreto que impeça o direito de
livre associação”. Segundo ele, “o
que o Estado está fazendo, por meio do Ministério
da Justiça, é impor condições
para que as organizações estabelecidas
na forma da lei possam ou não acessar alguma
área de interesse nacional”.
“É livre o direito de associação,
isso é indiscutível. Mas é
livre o direito de o Estado requerer ou solicitar
que alguém para atuar em uma área
de interesse nacional abra suas contas de forma
pública”, acrescenta Romeu Tuma Júnior.