17/07/2008
- Se os governos federal, estadual e municipal não
investirem na ampliação e diversificação
do tratamento de esgoto na região das represas
Billings e Guarapiranga, na criação
de áreas protegidas e em outras medidas que
impeçam que a mancha urbana da Grande São
Paulo continue avançando sobre as bacias
hidrográficas, a qualidade da água
dos mananciais continuará piorando e a sustentabilidade
da maior metrópole do País permanecerá
em xeque.
Há poucas semanas o governo
de São Paulo anunciou os investimentos previstos
para o Programa de Recuperação de
Mananciais (PRM), um conjunto de obras a ser feito
em áreas das bacias da Guarapiranga, Billings,
Alto Tietê, Cantareira e Cotia, cinco dos
principais mananciais da água consumida pelos
moradores da Grande São Paulo. As obras anunciadas
incluem a urbanização de favelas,
ampliação de redes de esgoto e de
abastecimento de água, pavimentação
de ruas, drenagem e canalização de
córregos, entre outras benfeitorias. O investimento
total, que soma recursos das prefeituras de São
Paulo, São Bernardo e Guarulhos, do governo
estadual, da União e do Banco Mundial (Bird),
chega a R$ 1,22 bilhão e deve ser concluído
até 2011. O investimento é expressivo
e deve ser comemorado.
O PRM vem sendo elaborado há
quase 10 anos e agora se junta ao chamado PAC Mananciais,
lançado pelo presidente Lula em abril, e
ao Programa Mananciais da Prefeitura de São
Paulo. O PRM vai reunir recursos de diversos órgãos
do Estado, como Sabesp e CDHU. O PAC conta com verbas
federais (R$ 250 milhões da União
cedidos a fundo perdido). A prefeitura de São
Paulo, por sua vez, já licitou mais de R$
446 milhões para a região das represas
Billings e Guarapiranga.
É a primeira vez que os
três maiores orçamentos do País
– União, Governo de São Paulo e Prefeitura
de São Paulo – investem ao mesmo tempo na
recuperação dos mananciais. O governo
do estado atua por meio do PRM e a prefeitura e
o governo federal investem por meio do PAC Mananciais
e orçamento municipal. Essa articulação,
coordenada pela Secretaria de Saneamento e Energia
de São Paulo, estabelece que as áreas
de São Paulo que recebem recursos do PRM
e Bird não são as mesmas nas quais
as obras do PAC ocorrem.
Em comparação ao
Programa Guarapiranga, projeto anterior do governo
de São Paulo para recuperar e proteger o
manancial, realizado entre 1992 e 2000, as ações
anunciadas têm quase o dobro de recursos previstos
para cada ano de execução, uma média
de R$ 217,2 milhões - enquanto o Programa
Guarapiranga gastou em média R$ 125,6 milhões
por ano. Apesar de mais ricos, o PRM e o PAC Mananciais
não devem ser vistos como a garantia de que
a Região Metropolitana de São Paulo
(RMSP) e seus 19 milhões de habitantes entrarão
definitivamente na rota da sustentabilidade em relação
ao uso de seus recursos hídricos e abastecimento
de água.
Isso porque os programas reproduzem
o formato de intervenção do Programa
Guarapiranga, que, embora tenha resultados positivos
em relação a urbanização
de favelas, não evitou uma piora na qualidade
da água dos mananciais da região e
tampouco forneceu soluções adequadas
para reverter as tendências de degradação
das bacias hidrográficas, como a ocupação
desordenada da região, desmatamento das margens
das represas e lançamento de esgoto nos rios
e córregos, que redundam exatamente na diminuição
da qualidade da água de todos os reservatórios
da RMSP. Para que estes processos sejam revertidos,
outras ações precisam ser propostas
e executadas na mesma escala e com montante de recursos
equivalente, tais como:
Diversificar tratamento de esgoto
Para reverter a degradação
dos mananciais é necessário que as
ações previstas no PRM para a ampliação
das redes de esgoto nas áreas de mananciais
não apenas aumentem a coleta do esgoto gerados
nas moradias, mas também possibilitem que
um maior volume do esgoto seja tratado, seja transportando-o
para estações de tratamento fora das
bacias, seja possibilitando o tratamento dentro
da bacia, por meio de tecnologias alternativas,
como micro-estações de tratamento
de esgoto (para tratamento primário) e “wetlands”(para
tratamento secundário), que são sistemas
para tratamento baseados na construção
de áreas alagadas.
Nesse aspecto, o Programa Guarapiranga
serve de exemplo a não ser seguido: quando
realizado, se limitou a afastar o esgoto que corria
a céu aberto em algumas áreas, mas
não o coletou e o tratou integralmente. Deste
modo, ainda que algumas das áreas ocupadas
precariamente tivessem tido melhorias urbanísticas
com o afastamento do esgoto, que prejudicava a saúde
e a qualidade de vida da população
local, a falta de coleta integral e de tratamento
fez com que o mesmo esgoto passasse a chegar em
maior volume e com maior velocidade nos rios e córregos
que desaguam na Guarapiranga, e também na
própria represa, piorando a qualidade da
água do manancial.
O ISA defende que a implantação
do saneamento não se fundamente apenas na
execução de grandes obras e deixe
de lado alternativas que sejam mais vantajosas para
as comunidades locais. Há uma grande diversidade
de soluções técnicas para tratamento
de esgotos e poluição difusa, que
merecem estudo caso a caso, dependendo das características
locais. Algumas delas inclusive podem gerar renda
para as comunidades, envolvendo os moradores com
a construção e manutenção
das estações e formas alternativas
de tratamento.
Ampliar áreas protegidas
Outra importante ausência
na lista de ações anunciadas para
reverter a degradação dos mananciais
de São Paulo diz respeito à criação
e ampliação de áreas protegidas
nas bacias hidrográficas. A proteção
de remanescentes de Mata Atlântica é
fundamental para a produção de água
de boa qualidade, mas hoje apenas 3% da área
da bacia da Guarapiranga está efetivamente
protegida, enquanto que na bacia da Billings o número
é ainda menor: 2% da área está
protegida por Unidades de Conservação.
Vale lembrar que, em ambas as bacias, ainda há
muita vegetação a preservar.
Os remanescentes de Mata Atlântica
ocupam 40% da bacia da Guarapiranga e 50% da Billings.
Nem o governo de São Paulo nem o governo
federal parecem preocupados com a proteção
destes remanescentes ou com a de outras áreas
não ocupadas e ambientalmente frágeis,
como margens de córregos, nascentes e topos
de morro. Em relação ao conjunto de
intervenções, os recursos destinados
a novos parques são minoritários ou
dependem de outros recursos, como os previstos para
a compensação dos impactos ambientais
do Trecho Sul do Rodoanel.
A urbanização de
núcleos habitacionais e a contenção
da ocupação urbana devem fazer parte
de um conjunto de ações para preservar
os mananciais, mas é necessário garantir
a proteção do que está hoje
preservado. O que a prefeitura de São Paulo
tem feito é criar parques na orla da represa
de Guarapiranga que, ainda que importantes para
o lazer das comunidades do entorno, são integralmente
urbanos e com áreas pequenas, o que não
acrescenta soluções significativas
para a produção de água.
Impedir o avanço da cidade
sobre os mananciais
A criação de áreas
protegidas é uma estratégia fundamental
para brecar o crescimento das cidades sobre as áreas
de mananciais. Caso a mancha urbana siga avançando
sobre as fontes de água, induzida pela falta
de controle e fiscalização, pela ausência
de alternativas habitacionais fora dos mananciais,
e também pela abertura de novas estradas
e rodovias – como o Trecho Sul do Rodoanel – o investimento
atual pode não surtir efeitos e novos recursos
serão necessários para recuperar a
degradação ambiental causada por estas
ocupações. Nesse sentido, faltam aos
programas governamentais a definição
de políticas que revertam as tendências
de adensamento e crescimento da ocupação
nos mananciais, dentre elas a oferta de moradia
em áreas centrais, a criação
de parques e áreas protegidas, incentivo
a usos econômicos e de lazer compatíveis
com a produção de água e com
menor impacto ambiental.
Envolver e oferecer informações
à sociedade
As iniciativas governamentais
também pecam pela falta de transparência
para que a sociedade possa participar e acompanhar
os projetos em curso e investimentos previstos.
Apesar de o governo estadual colocar na internet
informações gerais sobre o PRM e sobre
o PAC, não existe endereço, site ou
ferramenta na Internet, por exemplo, que permita
que os moradores e demais cidadãos saibam
o que está acontecendo em cada uma das áreas
escolhidas para receber as obras. Também
não há disponibilidade de informações
sobre a melhoria ambiental, urbanística e
da qualidade da água antes e após
a execução de cada uma das obras.
Como forma de acompanhar e monitorar
esse conjunto de intervenções públicas
nos mananciais de São Paulo, entidades da
sociedade civil, como o ISA, Fundação
Getúlio Vargas, CDHEP, Ministério
Público, Fórum de Defesa da Vida,
movimentos de moradia da região dos mananciais,
entre outros, fundaram o Observatório de
Recursos Públicos, que pretende monitorar
algumas das obras previstas e concentrar informações
de diferentes órgãos e instituições
públicas envolvidos nos projetos.