25 de
Setembro de 2008 de trecho da BR-319, rodovia que
liga Manaus a Porto Velho.
Manuas (AM), Brasil — Ministro Carlos Minc suspende
licenciamento de rodovia na Amazônia para
que o governo explore outras alternativas na região.
Não adiantou o atropelo
do ministro dos Transportes Alfredo Nascimento,
interessado em pavimentar sua candidatura a governador
do Amazonas em 2010 com o asfaltamento a toque de
caixa da rodovia BR-319. Na quarta-feira, seu colega
de ministério, Carlos Minc (Meio Ambiente),
anunciou a paralisação do processo
de licenciamento da rodovia por 60 dias, até
que um grupo de trabalho análise a implementação
de um mosaico de áreas protegidas que já
deveriam ter sido criadas no entorno da estrada,
bem como as outras opções – tais como
ferrovia e hidrovia -, menos destrutivas.
Construída na década
de 1970 durante a ditadura militar, e posteriormente
abandonada, a BR-319 corta uma imensa região
de floresta primária no Amazonas, estado
que tem a maior área de floresta intacta
na Amazônia e é a jóia da coroa
ambiental do Brasil.
O anúncio de Minc trouxe
alívio a parte da população
de Manaus, pesquisadores e instituições
ambientalistas envolvidos na discussão dos
impactos da rodovia. Após três anos
de disputas judiciais e pressões políticas,
finalmente o poder público admite a gravidade
dos impactos ambientais e sociais acarretados pela
possível pavimentação dos cerca
de 600 km da estrada atualmente intrafegáveis.
Antes de Minc agir, a Justiça Federal já
havia embargado o trecho entre Porto Velho e Humaitá,
no sul do Amazonas, que já está em
obras.
"Neste momento em que o mundo
discute a absoluta necessidade de parar o desmatamento
como contribuição para reverter os
efeitos do desastre climático que paira como
uma bomba sobre nosso futuro próximo, permitir
o asfaltamento dessa estrada seria um contra-senso
ambiental e econômico", disse Paulo Adario,
diretor da campanha de Amazônia do Greenpeace.
Segundo ele, há opções mais
modernas, mais adequadas economicamente e muito
mais corretas do ponto de vista ambiental, tais
como a ferrovia que está sendo analisada
pelo próprio governo do Amazonas e BNDES,
ou a hidrovia do Rio Madeira.
"Rodovia é uma solução
obsoleta da década de 50, quando o petróleo
era barato e farto e o mundo não tinha acordado
para as mudanças climáticas e a vital
necessidade de preservar o meio ambiente como forma
de garantir a sobrevivência adequada da espécie
humana num planeta cada vez mais quente. Não
temos mais tempo a perder com procastinações
e política paroquial", disse Adario.
A estrada que liga Manaus ao Arco
do Desmatamento em Rondônia vai gerar, a exemplo
de todas as existentes na Amazônia, um grande
desmatamento na região. O Brasil já
é o quarto maior poluidor do clima no mundo
exatamente por causa do desmatamento.
Segundo cientistas do Instituto
Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa), a
pavimentação da rodovia ocasionaria
a perda de cerca de 3 a 5 milhões de hectares
de floresta, liberando aproximadamente entre 1,3
e 3 bilhões de toneladas de dióxido
de carbono na atmosfera – mais do que as emissões
anuais de CO2 de todo o Brasil.
Raquel Carvalho, ecóloga
da campanha Amazônia, do Greenpeace, diz que
os impactos sociais e ambientais diretos sobre os
territórios de populações tradicionais
e seus recursos naturais também serão
significativos. Segundo ela, além das populações
indígenas (pelo menos 10 etnias habitam as
cerca de 20 Terras Indígenas localizadas
na área de influência direta da rodovia),
populações de extrativistas e pequenos
produtores sofrerão as conseqüências
dos processos de grilagem, desmatamento e exploração
de madeira ilegal intensificados pela abertura de
estradas.
CUSTOS E BENEFÍCIOS
Os benefícios econômicos da pavimentação
da BR-319 – vista como alternativa para escoar a
produção da Zona Franca de Manaus
- serão muito menos significativos do que
o divulgado. O transporte rodoviário de longa
distância é muito mais caro para o
usuário do que o ferroviário ou o
hidroviário. Dados do BNDES demonstram que
o transporte por via fluvial a partir de Manaus
é 50% mais barato do que por via terrestre.
A hidrovia do rio Madeira, utilizada hoje para o
transporte de soja e outras cargas, é uma
das alternativas em estudo. Já os custos
mais altos de implantação de uma ferrovia
seriam compensados pelos ganhos ambientais da proposta
e pelos custos operacionais muito mais baixos no
longo prazo.
Atravessando uma grande região hoje praticamente
desabitada, a BR-319 não tem qualquer justificativa
social. Aberta nos anos 70, a estrada foi abondanada
menos de 10 anos depois sem que isso trouxesse prejuízos
econômicos e sociais a Manaus. Ao contrário:
ao dificultar o deslocamento, conteve o boom migratório
na fronteira sul do estado. O asfaltamento resultará
em impactos sociais e econômicos negativos
que não são divulgados para a população.
Uma das cidades com maior renda do país,
a estrada vai trazer para Manaus um grande continengente
de novos moradores, com aumento da violência,
sobrecarga nos serviços públicos e
na infra-estrutura urbana.
"A criação de Unidades de Conservação
é uma estratégia que só fará
sentido se tais áreas forem implementadas
antes que quaisquer obras sejam iniciadas. A Flona
Jamanxim é um exemplo de UC criada como barreira
ao desmatamento ao longo da BR 163, porém
hoje é a área protegida com maior
número de focos de incêndio no Brasil",
diz Raquel Carvalho, do Greenpeace. Do total de
16 Unidades de Conservação federais
e estaduais inicialmente propostas no entorno da
BR 319, a lista foi reduzida para 11 (9,4 milhões
hectares - proposta na Área de Limitação
Adminstrativa – ALAP - de 2 de janeiro de 2006).
Desse total, apenas seis foram criadas.
As obras da BR-319 também
estão na mira do Tribunal de Contas da União.
Com as investigações da Policia Federal
que culminaram com a Operação Navalha,
veio à tona um esquema de corrupção
envolvendo a Construtora Gautama e políticos
através do qual emendas ao orçamento
da União teriam sido aprovadas, superfaturando
os custos da obra.